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Dossiê Sady Baby

O Ônibus da Suruba II
Direção: Luiz Antônio de Oliveira e José Adauto Cardoso
Brasil, 1992.

Por Matheus Trunk

Prova banal e cabal que os autodidatas podem (e devem) fazer cinema, “O Ônibus da Suruba II” torna-se talvez a mais representativa obra-prima cinematográfica de Sady Baby.

O crítico e amigo Fernando Roveri já disse que os longas de Sady são parecidos com os de Jess Franco. Ele está completamente certo, pois tão pouco faz sentido a história, o que importa realmente é dar gargalhadas com as aventuras dele, Renalto Alves e sua trupe.

O que acontece em “O Ônibus da Suruba II” ? Praticamente nada. Um grupo de atores de teatro atravessam o país dentro de um ônibus promovendo golpes mambembes e orgias coletivas. Inclusive recebe atenção especial a participação de uma freira, que entra no veículo e é recebida de maneira comovente e carinhosa.

Aviso ao leitor que queira se iniciar na obra do polêmico cineasta, produtor e ator: esse filme não possuí cenas de zoofilia (caso de “A Mulher do Touro”, “Emoções Sexuais de Um Jegue”, “Emoções Sexuais de Um Cavalo” entre outros). Mesmo cenas de homossexualismo masculino, tão comum em diversos filmes de Sady.

Embora tenha esse lado mais light, o filme tem claro diversas cenas bizarras de sempre. Um bom exemplo é o da moça que enfia um telefone inteiro em seu órgão sexual. Depois, o ator Feijoada retira o telefone da moça e liga normalmente. Uma das cenas de maior destaque do filme em que um dos atores literalmente defeca por uma das janelas do ônibus.

Atuando, produzindo e dirigindo o ônibus (e o filme) Sady baby demonstrou com doses certeiras de ousadia e sexo explícito que podia e pode fazer cinema de uma maneira inteiramente pessoal.

Perseguido pela polícia, pelos críticos e tudo mais, Baby ainda se reunirá com o fotógrafo e câmera Renalto Alves para novas aventuras cinematográficas. A bizarrice sexual ganhou seu cineasta no Brasil em um realizador extremamente popular, ousado e corajoso.

Filmes recentes de grande apelo pela crítica como “Baixio das Bestas” são inofensivos e não representativos frente a obras do porta de “O Ônibus da Suruba II”. Distante das universidades, dos novos debates e da sociedade em geral e perto de seu público pequeno e localizado, Sady Baby continua com seu ônibus. Resta saber se queremos embarcar nele.

Dossiê Sady Baby

Paraíso da Sacanagem
Direção: Luiz Antônio de Oliveira e José Adauto Cardoso
Brasil, 1984.

Por Matheus Trunk

Subestimado pela intelectualidade e realmente super estimado pelo público do Marabá Sady Baby leva seus fiéis espectadores na segunda metade dos anos 80, a “Paraíso da Sacanagem”, seu primeiro longa com cenas de sexo explícito.

O personagem de Sady, um jovem com um futuro promissor tem sua mãe subitamente morta por seu padrasto, em um papel feito por Jota Santana. Pra quem não sabe, Jota Santana era figurinha fácil da Boca nos anos 80, sendo autor da genial coluna “Por Dentro da Boca” que saia no “Notícias Populares” e em colunas cinematográficas de publicações masculinas da Idéia Editorial como “Homem” e “Prive”.

Sady jura vingança, porém ele terá poucas chances de provar e incriminar o cruel vilão. Cotando com a ajuda de sua namorada, interpretada pela atriz Zilda Mayo e de alguns amigos (em especial de um péssimo ator bigodudo que nem nome no filme tem), o protagonista lutará usando todas as suas forças para provar a culpa do padrasto. Um detetive feito de maneira caricata pelo também cineasta Custódio Gomes (que depois dirigiria o filme explícito do ET na Boca), também ajudará nessa difícil e quase impossível tarefa.

Jota Santana, jornalista dos mais conhecidos e conceituados da Boca de cinema de São Paulo faz seu personagem de maneira caricata e forte. O personagem possuí uma série de taras secretas, que serão mostradas na película. Para os fãs de sexo extremo é uma boa e grande oportunidade de ver e rever seus mais secretos e peculiares prazeres sexuais.

Coube a Luizinho Oliveira, antológico e histórico da Boca a direção da primeira parte de “Paraíso da Sacanagem”. A primeira versão, sem cenas de sexo explícito possuem certas cenas inventivas de ação, que acrescentam os melhores ingredientes do filme. Discípulo de José Mojica Marins e George Attili, Luizinho sabia dirigir cenas de terror.

Porém, a segunda versão assinada pelo acadêmico José Adauto Cardoso colocam cenas de enxerto com sexo explícito que tiram todo mérito da versão anterior, marcas do forte poder artesanal de Luizinho.

O cinema explícito marcará toda a obra posterior e de maior fama de Sady Baby. Porém, será no cinema explícito que o cinema da Broadway paulistana se afastará do grande público, transformando-se em um cinema de gueto para um grupo pequeno e localizado. Essas pessoas não conseguirão sustentar a maior indústria cinematográfica da América Latina que morrerá logo em seguida.

Um dia nas corridas

Por Filipe Chamy

Um Dia nas Corridas
Direção: Sam Wood
A Day at the Races, EUA, 1937.

Alguém pode assistir a Um dia nas corridas e achar um musical envelhecido, com números defasados e anacrônicos. Essas pessoas não estão exatamente sem razão, mas ficar nisso é nadar na superfície. Porque nada importa a música num festival de anarquia como este. Nada é sagrado para os irmãos Marx, a não ser a falta de vínculo com qualquer sentimento piegas — apesar dos esforços em agradar ao público politicamente (e hipocritamente) correto mobilizados por Irving Thalberg, que levou os Marx a começarem seu contrato na Metro mediante a condição de estrelar filmes “com história”. Uma noite na ópera, o primeiro filme do trio (portanto, quarteto desfalcado de Zeppo) no novo estúdio, já contava com uma característica que se estenderia a muitos outros momentos: uma história de amor entre personagens sem muito carisma respaldada pelo auxílio nobre e pelas piadas absurdamente geniais dos três cômicos. Na sua fase Paramount foram criticados por estrelarem obras supostamente sem conteúdo, trama ou lógica. Na Metro isso mudou e apareceu junto a eles um “esqueleto” de história para satisfazer aos espectadores mais boçais, perdão, tradicionais. A fórmula fez sucesso e então foi repetida. Um dia nas corridas é dessa fase e aqui, talvez por essa imposição por sorte vitoriosa, está no auge a liberdade criativa que dá aos irmãos Marx o poder de serem sensacionalmente eles mesmos, com tudo o que isso quer dizer.

Cada irmão possui uma especialidade, uma aparência e um caráter. Harpo, com sua peruca ruiva e sobretudo surrado, cartola e jeito maltrapilho, é o humor físico, exagerado e até caricatural. Chico, de sotaque incompreensivelmente italiano, chapéu esquisito e roupa um tanto quanto infantil, é a mediação entre o verbal e o corporal. A outra ponta é ocupada por Groucho, o que sempre anda de terno (no seu desprezo por autoridades!), bigode pintado e uma resposta rápida dividindo espaço na boca com um charuto — além do habitual “andar de pato”. Três marcas indeléveis na história da comédia no cinema. E se os números musicais são irritantes — como de resto quase todos os musicais envelheceram mal, e talvez por isso o gênero esteja praticamente sepultado —, não o são quando protagonizados pelos Marx. Chico é um mestre no piano, Harpo faz jus ao nome (sim, ele toca harpa!), Groucho dança de um modo inesquecível e o filme é, por direito, só deles.

O restante fica na relação amorosa entre Gil (Allan Jones) e Judy (Maureen O’Sullivan — mim Tarzan, ela Jane), uma moça que tem um sanatório e está prestes a perdê-lo. O dinheiro necessitado poderia muito bem vir da sra. Upjohn (Margaret Dumont, a principal vítima dos Marx), só que para isso ela exige ser tratada pelo doutor Hugo Z. Hackenbush (Groucho), que tem um certo segredinho referente a seu ofício. Tony (Chico) e Stuffy (Harpo) fazem um arranjo e conseguem convencê-lo a vir e ficar no hospital. O problema é que os gananciosos Whitmore e Morgan (respectivamente, Leonard Ceeley e Douglass Dumbrille) estão com planos bem diferentes e querem o comando da instituição para si. Claro que esse é apenas o pano de fundo do grande espetáculo.

Em meio a inacreditáveis desvirtuamentos de corridas de cavalo, trapaças, apostas, desrespeito à dignidade profissional dos médicos, exames fajutos, violência dos inimigos do humor, tiradas sensacionais ([Vilão xarope:] “Nunca fui tão insultado na minha vida!” [Groucho olha o relógio:] “Bem, ainda é cedo.”; [Groucho:] “Ah, a sua mãe! Eu a conheci bem, até a pedi em casamento.” [Judy:] “Mas esse no retrato é o meu pai!” [Groucho:] “Então não foi à toa que recusou.”...), os Marx vão, sob a batuta segura de Sam Wood — quem iria pensar que dirigiria no futuro filmes “sérios” como Por quem os sinos dobram? —, estraçalhando qualquer vestígio de bom comportamento. Uma ótima postura.


O Professor Aloprado

Por Filipe Chamy

O Professor Aloprado
Direção: Jerry Lewis
The Nutty Professor, EUA, 1963.

Exemplo clássico de gênio subestimado, Jerry Lewis, esse grande cineasta, esse exímio e visionário comediante, esse mestre na sua arte, tem em O professor aloprado seu momento de provável clímax de brilhantismo; mas nem os grandes elogios feitos pelos franceses (— Godard chegou a falar que ele é melhor que Keaton e Chaplin somados —) o tiraram dessa espécie de limbo que aprisiona aqueles que fogem do convencional. Em outras palavras, Jerry Lewis segue menosprezado, sendo considerado por muitos como um careteiro sem graça e diretor de filmes reles — teoria auxiliada pelo inócuo fato de as suas obras terem sido incessantemente reprisadas na Sessão da Tarde de outrora.

Aqui Jerry faz o papel de Julius Kelp, professor de química em uma faculdade. Dentes imensos e tortos, cabelo ensopado de gel grudento, postura estabanada, óculos grossos, jaleco branco e uma bela potencialidade para arranjar problemas (de explodir laboratórios a se desentender com o valentão da turma). O tímido químico planeja mudar de vida e ganhar um pouco de massa muscular e respeito: matricula-se numa academia e só não se arrebenta mais porque não teve mais tempo — o ritmo é de desenho animado, onde todo machucado e seqüela some no quadro seguinte; incríveis gags estão presentes nessa passagem, como o boliche humano e os braços esticados “artificialmente”.

Como era de se esperar, tudo isso dá errado e Kelp ainda assim não desiste; pelo contrário, empenha-se ainda mais, da maneira que domina: intelectual. Pesquisa fórmulas, consulta livros, faz cálculos e chega a um resultado que o agrada. Toma a bebida fabricada e, num efeito surreal de pura fábula, vira algo impensável. A próxima aparição já será como Buddy Love, causando um choque muito compensador ao espectador.

Quem é Buddy Love? É o alter-ego de Julius Kelp, o Hyde do Jekyll de Jerry Lewis. As más línguas dizem que o insuportável conquistador, de roupas espalhafatosas e orgulho exacerbado, teria sido inspirado em Dean Martin, amigo e ex-parceiro de Lewis, que sempre negou. O fato é que é um contraste e tanto: da contenção ao oportunismo, do cérebro à futilidade. Stella (Stella Stevens), paixão platônica do professor e alvo preferido de seu monstro interior, pressente que algo está havendo de anormal e nota algumas coincidências entre os dois caracteres tão distintos. Mas não há como desconsiderar totalmente um sujeito que ridiculariza o sisudo chefão da faculdade (Del Moore), incentivando-o a declamar o monólogo de Hamlet nas mais absurdas condições.

Jerry Lewis, com seu grande talento visual, brinca com cores e espaços, enquadrando eficientemente os personagens e suas emoções conforme seus propósitos, quase sempre humorísticos. Mas o drama também está presente, principalmente pouco antes do fim, em que a metamorfose é desconstruída publicamente em uma festa de formatura. Os pais de Kelp, a sua sensacional dança no baile (e ainda vemos que uma manga pode fazer diferença, ao menos se pintada por acaso com um ponche) e até o trabalho com o som (e vozes) restauram as risadas incontroláveis.

E nas pequenas coisas Jerry Lewis também se faz gigante. Nas músicas, ambientes, diálogos, personagens (roteiro dele e de Bill Richmond), sua visão de mundo romântica e otimista vai se insinuando, como um Capra atualizado ao som do jazz-rock sessentista. A ignorância dos convencidos, a empáfia das autoridades, as imperfeições do amor, tudo isso ele nos revela com competência e brilho, inteligente sagacidade cômica e originalidade impressionante. E por ser tão mais fresco que o pavoroso remake estrelado por Eddie Murphy, é de se lamentar ainda mais as grandes injustiças faladas sobre Jerry Lewis — os críticos parecem agir como Buddy Love e cuspir arrogâncias impensadas.

Interlúdio

Por Filipe Chamy

Interlúdio
Direção: Alfred Hitchcock
Notorius, EUA, 1946.

Dos filmes mais importantes de Alfred Hitchcock, Interlúdio é provavelmente o menos visto e conhecido no Brasil. É uma injustiça ainda maior quando se percebe que é não apenas uma obra fundamental na filmografia do mestre inglês mas um dos melhores filmes americanos de sua década e um trabalho de genialidade arrebatadora e influência não menos relevante. E um dos maiores romances do cinema, claro.

Alicia Huberman (Ingrid Bergman, no auge da beleza e do talento) é filha de um espião nazista recentemente capturado. Perseguida pela culpa, esquece seus problemas com festas e álcool, conseguindo atrair para si a fama de uma mulher fútil e de vida libertina. Mas acaba conhecendo um homem chamado Devlin (Cary Grant), que ela descobre tratar-se de uma espécie de agente secreto e que a convoca para prestar um serviço à democracia (?!): possibilitar a prisão de um certo líder nazista chamado Alexander Sebastian (Claude Rains). O que ocorre é que Sebastian era amigo de seu pai e fora apaixonado por Alicia, tornando a abordagem mais fácil e até mais crível. Ela deve tentar se aproximar do homem e colher o máximo de informações úteis à causa — digamos logo — ianque. Mas ela se aproxima demais e o espião, apaixonado sinceramente, a pede em casamento. Mesmo com seu forte sentimento por Devlin, Alicia, heroína do ofício, aceita submeter-se a essa prova em nome do bom resultado de seus esforços: casa-se com Alexander e vai morar com ele em sua mansão. Lá, conhece a sogra, madame Sebastian (Leopoldine Konstantin), que de partida antipatiza com a nora, por alguma razão ainda indefinida.

Alicia segue fazendo jogo duplo por um tempo, mas uma festa põe tudo a perder. E essa festa é um dos momentos de maior genialidade de toda a carreira de Hitchcock, um primor de construção da tensão e narração, algo indefinível com palavras e brilhante visualmente. Uma garrafa pode ser mais assustadora que um revólver, ao menos se um grande cineasta a utiliza. E a festa ainda é um elemento que redefine toda a estruturação da história daí para a frente: Sebastian descobre que Alicia tem com Devlin algo mais que simples polidez social, e percebe que a sua adega disse a eles coisas que deveriam ter permanecido em segredo — mesmo com alguns equívocos provocados anteriormente.

A sogra de Alicia sugere a Sebastian ir se livrando paulatinamente da esposa, pois os demais membros da liga nazista que opera no Rio de Janeiro não podem desconfiar que um de seus colegas se envolveu tão intimamente com uma “espiã” americana — o menor deslize é fatal para quem trai de algum modo a organização. Alexander só pode concordar com a idéia da mãe, caso contrário seria ele o prejudicado. Então eles passam a ministrar à moça veneno em doses discretas, disfarçado na alimentação. Ela descobre e aos poucos se deixa matar, pois Devlin resolveu mudar de base operacional e irá para longe, acreditando em seu desprezo. E como ignorar o fato de que ela se deitou com outro homem para levar a cabo a missão? É uma titânica dificuldade separar o amor do orgulho e da profissão.

Hitchcock apresenta um mundo de sentimentos conflitantes: os vilões são humanos, sofrem, pensam, temem; e os protagonistas são inseguros de um amor verdadeiro, são frágeis, têm muitas dúvidas. Impulsos e carências podem ocasionar conseqüências, mas isso não é necessariamente algo positivo. O amor se sobrepõe ao dever? A coragem de confessar sentimentos é inferior à sensação de trabalho concluído? No que Alicia erra? E Devlin, era apático? Sebastian era verdadeiro? Interlúdio é uma saga do coração, e nada pode ultrapassar a dimensão romântica que um beijo entrecortado que dura minutos deixa em duas existências — nem mesmo o aterrador final de Sebastian, a insinuação mais precisa e completa da história do cinema hitchcockiano.

Os Incompreendidos

Por Filipe Chamy

Os Incompreendidos
Direção: François Truffaut
Les Quatre cents coups, França, 1959.

François Truffaut disse inúmeras vezes que toda a obra de um cineasta está contida nos primeiros cinco minutos do primeiro rolo de seu primeiro filme. Como renegava seu primeiro curta, o desaparecido-até-prova-em-contrário Une visite, considerava Os pivetes o marco inicial de sua carreira. Mas apesar de o curta tecnicamente ser uma introdução ao universo particular do diretor e tematicamente apresentar elementos que estariam presentes em praticamente todos os seus futuros trabalhos (mulheres, carinho por crianças, uma certa melancolia justificada, amor...), é Os incompreendidos, seu primeiro longa-metragem, que apresenta de maneira plena e poderosa as bases de seu cinema. Um amontoado de fúria (mas bastante doce e espontâneo), uma fulminante visão autoral da infância. Truffaut nunca negou sua influência de Vigo e Rossellini, segundo ele os únicos cineastas que mostraram essa passagem da vida não como um mar de felicidades e encantos, mas uma difícil época de transição. Porém Truffaut, pessimista de ternura irrenunciável, foi além de seus mestres e teceu uma película que não apenas o define mas exterioriza o pensamento inconformado de toda uma geração da França — cujos cineastas retratariam esse período, sendo colegas de Truffaut na nouvelle vague. E se há tanta verdade nesta primeira parte da saga de Antoine Doinel (o grande Jean-Pierre Léaud, aqui ainda pequeno — fisicamente, mas com talento gigante), é porque seu autor foi sincero a ponto de exorcizar artisticamente seus fantasmas internos, adquiridos há anos, e de uma maneira tão bonita, e tão eficaz, que o filme permanece fresco e atual, tremendamente humano e honesto.

Antoine Doinel é um garoto de classe média que não se encaixa na sociedade que habita, apesar de algumas preguiçosas tentativas. Entedia-se muito facilmente com aulas (e o professor não ajuda, aliás, atrapalha), seus pais não o entendem e sua vida é terrivelmente constante na sua rotina apavorante. Refugia-se na arte — impossível concordar com Truffaut quando falava que de maneira alguma o filme é uma autobiografia —, descobre e apaixona-se por Balzac (e como todos os amores românticos, a paixão é consumida por chamas), passa a freqüentar cinemas (clandestinamente, como seu criador), mente na escola, foge de casa. Não é em nada diferente de tantos adolescentes, mas, em parte pelo ator, tem muitos diferenciais. Nunca é antipático, mau, cruel, cínico. Tem boas intenções, quer sair sem amarras (o título original, Les quatre cents coups, é parte de uma expressão [Faire les quatre cents coups] que significa algo como “viver livremente”), ou seja: viver, não apenas existir.

A enorme força de Jean-Pierre Léaud está em todos os momentos, nas correrias com o amigo René, nas brincadeiras, nos momentos de graça e nos de tristeza, na brilhante e improvisada cena do interrogatório com a psicóloga, na sua voz, no seu andar, no seu olhar. É um grande intérprete que a câmera de Truffaut revela, e quando isso acontece o personagem sai do cinema e passa a um plano mais tangível, coisa difícil de ser alcançada mas conduzida com notável sensibilidade pelo diretor. E a competência do cineasta também está nos planos abertos e curiosos, típicos de um entusiasmo juvenil, que ele observa e já nem tenta domar. E ainda há a beleza plástica da fotografia, as ruas elegantes, a ponta de Jeanne Moreau e Jean-Claude Brialy, o amadurecimento de idéias há muito existentes na mente de Truffaut (a julgar por seus brilhantes textos publicados antes de 1959).

Antoine Doinel voltaria em outros quatro filmes, todos estrelados por Jean-Pierre Léaud: O amor aos 20 anos, Beijos proibidos, Domicílio conjugal e O amor em fuga. Passou por uma casa de recuperação para jovens delinqüentes, amou, trabalhou em muitos ofícios, casou-se, teve um filho, separou-se, virou escritor... il a fait les quatre cents coups.


Dossiê Sady Baby

Emoções Sexuais de um Jegue
Direção: Sady Baby e Renalto Alves
Brasil, 1986.

Por Gio Mendes, especialmente para a Zingu!

A palavra sadismo, que define a perversão sexual de ter prazer na dor física ou moral do parceiro, surgiu do nome de Marquês de Sade, como era conhecido o aristocrata e escritor francês Donatien Alphonse François de Sade (1740 - 1814). Mas bem que poderia ter originado do nome de Sady Baby, como é conhecido o cineasta gaúcho Sadi Plauth, que nunca soube quem era Marquês de Sade.

Todas as obras de Sady Baby são repletas de cenas de dominação. Geralmente o próprio cineasta aparece em cena obrigando alguém a manter relações sexuais com outra pessoa ou até mesmo com um animal. A coerção sempre acontece sob a mira de alguma arma. A satisfação com a morte alheia também está presente nos papéis interpretados por Sady em suas obras. E as seqüências mais criativas de homicídios podem ser vistas no filme "Emoções Sexuais de um Jegue" (1986).

Nesse filme Sady é o presidiário aidético Gavião. Após fugir da prisão, Gavião encontra uma loira perambulando por uma mata. Para tirar o atraso, o facínora arrasta a mulher para um local onde há um providencial caixão. "Esse é o caixão do amor. Estou com fome de sexo. Vou comer seu cu aqui dentro", diz Gavião para a beldade, uma das duas mulheres que são infectadas pelo bandido com o vírus HIV durante o filme.

A grande saga de Gavião em "Emoções Sexuais..." é encontrar seu pai, o caquético "velho Paçoca, para matá-lo. Isso porque o idoso engravidou a mulher do filho enquanto ele esteve em cana. Gavião ameaça esmurrar a barriga da mulher para que ela perca o bebê. No final, ele resolve atear fogo no casebre onde a adúltera mora. A mulher não consegue escapar do ato bárbaro porque o marido a amarrou e cobriu sua cabeça com um saco.

O criminoso fica sabendo que o pai também traçou a própria filha, ao ver o proeminente barrigão dela. O diálogo entre Gavião e a irmã é um dos momentos mais engraçados do filme. "Quem é o pai da criança?", pergunta o bandidão. "O pai", responde a irmã. "Que pai?", volta a questionar Gavião. "O nosso pai", explica a irmã. "Velho fedido. Eu vou comer o cu daquele velho filho da puta", resmunga o fugitivo, saindo no encalço do velho tarado.

Durante sua busca, Gavião obriga um médico a chupar uma ferida em seu braço, para infectá-lo com o vírus da Aids (a punição foi porque o médico prometeu uma cura para a doença e não cumpriu a promessa), e ainda mata um homossexual em uma boate, abrindo o tórax dele com uma motosserra. Mais para a frente o bandido é baleado por um homem de quem roubou um carro, mas o ferimento provocado pelo tiro não impede que ele continue atrás do "velho Paçoca". O tão esperado encontro acontece no final do filme.

“Emoções Sexuais...” tem duas cenas que comprovam a genialidade de Sady Baby. Em uma delas, o cineasta gaúcho aparece com uma motoserra cortando a barriga de um infeliz. Sady nunca viu “O Massacre da Serra Elétrica” nem “Evil Dead” ou qualquer outro filme de horror que influenciasse as cenas sangrentas de suas obras pornográficas. Na outra cena, Sady mostra o que faria se pudesse colocar uma câmera dentro da vagina da atriz. Como isso seria impossível, o cineasta pediu para um ator enfiar o pênis num pedaço de bife e registrou como seria um gozo visto do interior da vagina.

Aproveitando o sucesso de outro filme anterior dele, "Emoções Sexuais de um Cavalo", Sady Baby repetiu o título nessa sua obra de vingança trocando apenas o eqüino. Mas o jegue aparece em uma rápida cena e ainda decepciona os zoófilos de plantão. Mas os fãs de cinema extremo ou de ação vão se divertir com as peripécias do personagem interpretado pelo Marquês Sady.

Gio Mendes é jornalista, formado pela Cásper Líbero escrevendo há dez anos no "Diário de São Paulo". Desenvolve atualmente com o também jornalista Fausto Salvatori a biografia do cineasta, produtor e ator Sady Baby.

Da Vera Cruz à Retomada

Por Gabriel Carneiro; Ligia Gauri e Mariana Zapella, especialmente para a Zingu!

O cinema em São Paulo se intensificou a partir da Vera Cruz, que surge em 1949 com uma proposta inovadora. A partir daí, vemos os influenciados pelo Neo-Realismo italiano, o surgimento do pólo cinematográfico da Boca do Lixo, reunindo estéticas como o cinema marginal e as comédias maliciosas, a decadência da Boca, com o cinema de sexo explícito, e em 1995, a Retomada, momento atual do nosso cinema. Além de fazer um retrocesso pelos movimentos e contextos do nosso cinema, mencionamos alguns dos grandes nomes, aqueles que fizeram diferença, ao menos para tal estética. Não tínhamos como objetivo fazer um top, e sim uma retrospectiva de 16 filmes, importantes para o contexto ou pelo diretor/personagem..

Caiçara (Adolfo Celi, 1950)
Primeiro longa-metragem da Companhia Vera Cruz, fundada em 1949 com o objetivo de criar um cinema brasileiro industrial, de modelo hollywoodiano. Embora tenha trazido grande efervescência em número de produções para o cinema paulista, a Vera Cruz fechou as portas em 1954. “Quase todos os filmes da Vera Cruz foram sucesso. Não foi por isso que faliu, foi má administração. Fizeram filmes caros demais para um mercado fechado e corrupto”, analisa o crítico Rubens Ewald Filho. Caiçara se passa em Ilhabela e narra o drama de uma bela jovem que se casa e vai morar numa aldeia de pescadores com o marido, sempre bêbado. Acaba se apaixonando por um marinheiro. Dirigido pelo italiano Adolfo Celi, o filme teve grande influência neo-realista (movimento do pós-2ª Guerra, que buscava retratar realidades sociais) e foi sucesso de bilheteria e de crítica, chegando a participar do Festival de Cannes em 1951.

O Cangaceiro (Lima Barreto, 1953)
Maior sucesso comercial da Vera Cruz, o filme de Lima Barreto apresenta uma visão paulista folclórica do cangaço. Produzido em São Paulo, narra o embate entre o capitão Ferreira e seu comparsa Teodoro pela professora Olívia, o primeiro tentando mantê-la sob seu domínio e o segundo, libertá-la. Influenciado pelos western, a temática do cangaço toma o lugar dos índios e da conquista do oeste. Seu êxito se deu, segundo Sérgio Alpendre, editor da revista Paisà, a “uma conjunção de fatores como atores, músicas, tema, data de lançamento, que na maioria das vezes definem um sucesso, ou pelo menos ajudam para que seja um trabalho bem-sucedido comercialmente”. A Companhia Vera Cruz, em dificuldades financeiras, vendeu os direitos de distribuição para a Columbia, “pois nunca imaginava que o sucesso de O Cangaceiro poderia tê-la tirado do buraco”, conclui Alpendre.

Absolutamente Certo (Anselmo Duarte, 1957)
Filme de estréia de Anselmo Duarte como cineasta, que também atua como personagem principal. A comédia narra as peripécias de Zé do Lino num concurso popular da televisão e as brigas com sua sogra e vizinha (Dercy Gonçalves, à época grande nome do cinema). “O Anselmo tinha uma leveza característica das chanchadas, que tinham um espírito mais carioca, mas suas comédias eram mais bem produzidas, com composição da Vera Cruz. Ele mesmo era um ator de comédia”, opina Inácio Araujo, crítico da Folha de S. Paulo. As tendências da época são representadas no filme, como a preferência pelo rock e a popularização da televisão e dos programas de auditório Outras características importantes eram a presença de cenas com números musicais e o destaque dado à cidade de São Paulo. Em 1962, Anselmo ganharia a Palma de Ouro pelo filme O pagador de promessas.

O Grande Momento (Roberto Santos, 1958)
Roberto Santos tinha claras influências do neo-realismo italiano e, segundo o cineasta Carlos Reichenbach, “era, de uma certa maneira, espectro do cinema novo em São Paulo”. O filme se passa no Brás e conta a história de um noivo em busca de dinheiro para realizar seu casamento. Apesar de abordar os problemas sociais brasileiros, não tem como objetivo principal a denúncia. Foi o longa de iniciação de Santos, um dos primeiros diretores autorais do cinema brasileiro. “O cinema era enxergado como meio de expressão, e a câmera, como caneta. A gênese, o projeto e o argumento são do diretor”, diz Reichenbach. E conclui, sobre a sua relevância cinematográfica: “Roberto Santos tem uma obra importantíssima, com dois filmes que são essenciais para o cinema paulista: O grande momento e A hora e a vez de Augusto Matraga”.

Jeca Tatu (Milton Amaral, 1959)
Jeca Tatu foi o papel mais marcante do comediante Amácio Mazzaropi. Baseado na obra de Monteiro Lobato, Jeca Tatu narra a história de um caipira preguiçoso que vê sua propriedade ameaçada por um latifundiário ganancioso. Mazzaropi, assim, se tornou referência ao interior de São Paulo. Com seus trejeitos e ditados, fez muita gente rir; era um típico comediante de gestos. Também produtor e diretor, Mazza se aproveitou do sucesso e fez diversas seqüências até 1981, quando faleceu, vítima de câncer na medula. “O personagem se confunde com o ator propositalmente. O personagem de Lobato era muito famoso na época e Mazza se aproveitou disso. Não era bobo”, diz Rubens Ewald Filho. Rubens ainda afirma: “[Mazzaropi foi] um personagem único que não teve frutos, como tudo no Brasil. Nem herança deixou. Mas foi popularíssimo, aliás, até hoje é lembrado. Coisa rara por aqui”. Em 2005, o diretor Luís Alberto Pereira filmou Tapete Vermelho, uma evidente homenagem ao personagem Mazzaropi.

São Paulo S/A (Luis Sérgio Person, 1965)
Carlos é um homem solitário que transita no tempo e pela cidade de São Paulo; sua vida é um reflexo das dificuldades com suas mulheres e seu emprego. O boom da indústria automobilística e o surgimento de uma nova classe média urbana são abordados no filme, como constata o cineasta Carlos Reichenbach: “Antes de São Paulo S/A, não existiu na dramaturgia brasileira nenhuma obra cultural que tenha detectado esse movimento”. Person só percebeu a mudança, pois ficara fora do país. “Foi da ausência dele, de quando ele sai de São Paulo e vai pra Itália estudar. Ele volta e enxerga um país diferente. O Brasil tinha se modificado em dois, três anos. São Paulo tinha se modificado”, conta Reichenbach. Por isso, o próprio personagem se confunde com o diretor, a sensação de estranheza, de inconformismo, de angústia. “Ele se projeta neste personagem de forma total. Person era muito passional”, conclui.

O Quarto (Rubem Biáfora, 1967)
Rubem Biáfora começou como crítico de cinema em O Estado de S.Paulo, e, desta forma, interessou-se por direção. O Quarto é seu filme mais conceituado pela crítica e pelos fãs. Nele, Biáfora retrata as indiferenças de um homem solitário nos seus 40 anos e suas relações amorosas com mulheres. O quarto em si é um recurso usado para mostrar exatamente a que se resume a existência daquele homem. Para o cineasta e crítico da Set Alfredo Sternheim, o cinema de Biáfora era “expressivo, mas típico de um amante da sétima arte.” Isso explicaria a semelhança de seus filmes com outros ao redor do mundo. “Acho que, mesmo sem querer, ele assumia influências do cinema que apreciava. Em O Quarto, talvez tenha sido influenciado pelo cinema japonês da época, de Naruse, Gosho, que retratavam realidades urbanas”, conclui o autor do livro Cinema da Boca – Dicionário de diretores.

O Bandido da Luz Vermelha (Rogério Sganzerla, 1968)
Este foi o filme mais representativo do cinema marginal. “A idéia era transgredir, burlar as regras: daí o desbunde, a escatologia, o mau gosto, a apologia dos seres à margem do mundo”, na opinião de Juliano Tosi, crítico da Paisà. A história baseia-se na vida de João Acácio Pereira da Costa, famoso assaltante, que desnorteou a polícia e acabou ganhando grande destaque na imprensa, na década de 60. A liberdade estética visa ao rompimento com o Cinema Novo, garantindo sua criatividade e inovação. Embora com referências ao estilo norte-americano, Inácio Araujo afirma que a idéia do filme “está voltada para a questão da antropofagia do Oswald de Andrade, em se abrir, como nesse caso, às influências estrangeiras de Orson Welles e Jean-Luc Godard. A proposta é fazer um filme brasileiro”.

Palácio dos Anjos (Walter Hugo Khouri, 1970)
“Palácio dos anjos” é o bordel criado por três lindas mulheres que, cansadas das más condições em seus empregos, viram prostitutas de luxo. Um aspecto fundamental do cinema de Khouri era o erotismo. A sensualidade das mulheres era priorizada, sem cair na vulgaridade. O tema central de seus filmes eram, geralmente, os homens, mas, neste, as mulheres ganham destaque. “As mulheres comandam o rumo da historia. Os homens pagam, mas são elas que atingem seus objetivos”, diz Eduardo Aguilar, cineasta e professor de cinema. Influenciado pelo cinema existencialista de Antonioni e de Bergman, o diretor se preocupava muito com a criação de uma atmosfera em seus filmes. “O uso constante dos closes é uma marca muito forte no cinema do Khouri assim como no de Bergman, extrapolando o trivial e adquirindo uma intensidade impressionante, que invade a alma dos seus personagens”, acrescenta Aguilar.

Independência ou Morte (Carlos Coimbra, 1972)
O filme, que narra a trajetória de D. Pedro I ao poder e seu relacionamento com as mulheres, foi concebido para se comemorar os 150 anos de independência do Brasil. Não houve, porém, pior época para ele; era o Regime Militar (1964-1985), o que bastou para que a crítica e parte do público se voltassem contra o longa, acusando-o de ser a favor do regime. “Coimbra foi criticado como um homem a serviço da ditadura, por causa do 'patriotismo' que, dizem, ele pregava. Tolices da época. Quem viu o filme sem isenção sabe que não era patriotismo coisa nenhuma, era apenas um filme histórico”, afirma Ignácio de Loyola Brandão, em artigo para O Estado de S.Paulo. O cinema de Coimbra ficou marcado negativamente, porém era um homem que amava essa arte. “Ele comeu e bebeu cinema, viveu cinema a vida inteira, não ficou rico como certos nomes e nos últimos anos mergulhou num ostracismo", conclui Loyola.

A Dama da Zona (Ody Fraga, 1979)
Ody Fraga foi um dos muitos diretores que fizeram filmes na Boca do Lixo, pólo cinematográfico industrial paulista a partir da década de 1960. O seu auge se deu na década de 1970, com filmes de diversos gêneros, usando algumas vezes atores famosos, baixíssimo custo de produção e grande retorno financeiro. Foi na Boca que as chamadas pornochanchadas tomaram forma. "O erotismo no cinema nacional sempre teve aceitação popular. Mas a crítica resolveu estigmatizar as comédias da época com o rótulo 'pornochanchada'. Uma generalização predatória", explica Alfredo Sternheim, e complementa. "Na época, nossos filmes e nossos símbolos eróticos tinham atração popular natural, sem concorrência de Internet e de vídeo. Dessa maneira, nosso cinema se auto-sustentou sem se acomodar no dinheiro público, como hoje é freqüente". A Dama da Zona é um exemplo, relatando as aventuras de uma prostituta e de um vigarista.

A Opção (Ozualdo Candeias, 1981)
O filme retrata a vida de caminhoneiros e prostitutas à beira de uma estrada. “É um universo que o Candeias conhecia muito bem”, diz o crítico da Paisà Juliano Tosi, referindo-se ao passado de caminhoneiro e “gigolô de prostituta pobre”, como o próprio Candeias disse. “[Aopção é] um registro muito cru e cruel, dessa vida, um mundo um tanto sórdido onde o prazer é um luxo fora do alcance daquelas mulheres e o sexo é visto como relação de força, seja por dinheiro ou por violência”. O cineasta, que inaugurou o cinema marginal com o filme A margem (1967), foi um dos grandes expoentes da Boca. “Candeias foi mais importante, mais central para a Boca do Lixo como um todo, mesmo que não se identificasse com o grosso da produção”, comenta Juliano. Por não ter a mesma preocupação estética e ser de uma geração anterior, foi considerado o marginal entre os marginais. Faleceu em fevereiro deste ano.

Fuk Fuk à Brasileira (Jean Garret – como J. A. Nunes -, 1986)
A decadência do cinema da Boca do Lixo veio com a ascensão dos filmes de sexo explícito, em detrimento da usual produção. "O sexo explícito foi uma decorrência natural do sucesso internacional de O Império dos Sentidos em nossa produção, por exigência do mercado exibidor", conta Alfredo Sternheim. Em 1981, Coisas Eróticas inaugurou a produção brasileira. Muitos diretores e técnicos se viram sem rumo, afinal, sobreviviam do cinema. Alguns desistiram, outros filmaram explícitos. O público padrão exigia a pornografia. Fuk Fuk à Brasileira, que narra as aventuras sexuais de um anão mudo, é um exemplo. O gênero se manteve, com o acréscimo do sexo explícito. Assim como Garrett, outros cineastas assinaram com nomes diferentes. "Eu assinei meu nome, mas, assim, enfrentei mais preconceitos dos críticos", diz Alfredo, que também fez filmes explícitos.

Alma Corsária (Carlos Reichenbach, 1993)
Dois amigos se reencontram em uma pastelaria para o lançamento do livro escrito por um deles, após muitos anos sem se falarem. “É um filme sobre a amizade, o Carlão fez um filme para os seus amigos e com os seus amigos”, diz Inácio Araujo – que fez uma ponta no longa. Realizado depois da crise do cinema nacional e antes de sua retomada, foi feito com parcos recursos. Nas palavras de Inácio, Reichenbach “tem uma capacidade de fazer filme com pouco dinheiro. Foi assim com Alma corsária. Ele dirige, escreve o roteiro, fotografa e faz a música. Uma das coisas que explica seu sucesso é que foi um filme feito com dificuldade, com economia”. Autoral e intimista, o cineasta foi aluno da primeira escola de cinema de São Paulo, Escola São Luiz, e, mais tarde, fez filmes na Boca, tendo sido o único que continuou fazendo cinema depois da decadência do pólo.

O Invasor (Beto Brant, 2001)
Terceiro longa de Beto Brant, o filme narra a trajetória de um matador que, depois de assassinar um empresário por encomenda de seus sócios, retorna à empresa com o objetivo de fazer parte do negócio e acaba se envolvendo com a filha daquele que matou. A característica marcante do diretor é seu estilo próprio para contar histórias, e, na opinião de Sérgio Alpendre, “Brant tem uma postura que independe de modismos ou padronizações. Os filmes são exatamente o que o autor gostaria que eles fossem”. O invasor ganhou diversos prêmios – entre eles, Melhor Filme Latino-Americano, no Sundance Film Festival -, tornando-se um sucesso de público atípico em sua carreira até o momento. O filme marca o fim de uma fase policial de seu cinema, pois depois dele seu foco passa a ser muito mais o homem do que a ação. “É certamente uma peça de transição, de algo mais geral para algo mais específico e pessoal”, afirma Alpendre.

Encarnação do Demônio (José Mojica Marins, 2007)
Encarnação do Demônio é o fim da trilogia sobre a busca de Zé do Caixão por uma mulher que gesta o filho perfeito. O filme é a seqüência de À Meia-Noite Levarei Sua Alma (1964) e de Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver (1967). Quanto às expectativas sobre o novo projeto, Carlos Reichenbach afirma: “Se o Mojica conseguiu trabalhar com total liberdade, só pode ser uma obra-prima. Mas, como todo grande artista, é passível de dar certo ou tremendamente errado”. Uma das mentes mais criativas do nosso cinema, Mojica se consagrou pelo personagem Zé do Caixão, fato que o colocou no cerne do cinema de horror e do cinema brasileiro. “Zé do Caixão e Antônio das Mortes [do Glauber] são os dois personagens mais importantes da dramaturgia brasileira, porque são personagens épicos com tradição da tragédia grega e porque são ícones da brasilidade”, opina Reichenbach.

(Agradecemos aos entrevistados, ao Marcos Vale e ao Matheus Trunk, que colaboraram na elaboração dessa matéria.)

Créditos fotográficos: Alma Corsária (Arquivo pessoal de Carlos Reichenbach); Encarnação do Demônio (André Sigwalt/Divulgação); as demais (Reprodução/Divulgação)

*Publicada original e parcialmente em ESQUINAS #41 (1º semestre de 2007).

35 Anos de Garganta Profunda
O mais conhecido filme erótico de todos os tempos completa trinta e cinco anos de escândalo

Por Judson Ovídio, especialmente para a Zingu!

Em 1972, o ex-cabeleireiro Gerard Damiano contratou um elenco feioso para participar de um filminho pornográfico rodado em fundo de quintal, com baixíssimo orçamento. A trama girava em torno de uma garota(Linda Lovelace) que transava feito louca, mais gozar que é bom, nada (como ainda, infelizmente, acontece com muitas mulheres).

Helen(Dolly Sharp)-sua companheira de orgias, que adorava ser lambida nas partes íntimas enquanto fumava um cigarrinho na pia da cozinha- indica um médico para encontrar a saída para o angustiante problema. No consultório, Dr Young(o na época já veterano ator pornô Harry Reems) descobre a causa( o clitóris da moçoila está escondidinho na garganta) e a solução(muito chupa-engole), posta em prática, alegremente, na hora. Linda fica tão feliz ao atingir seu primeiro orgasmo que vê fogos queimando!

Para dar continuidade à tamanha emoção, Dr Young a transforma em sua enfermeira piranha em domicílio, escalando-a para diversos encontros com pacientes tarados. No final, Linda encontra o seu amado(Willian Love), ironicamente portador de um pênis pequeno, precisando recorrer ao mago dos milagres sexuais, Dr Young, que promete aumentar o bilau do moço para fazer a felicidade de sua musa boqueteira.

Talvez preocupado com a censura da época, Gerard Damiano assinou essa verdadeira pérola cinematográfica(para não dizer o contrário...)como Jerry Gerard e, antes do filme começar, aparecia um texto, sobre fundo branco, onde era explicado: com base na teoria freudiana, a sexualidade humana se desenvolve em fases, entre elas, a oral. Garganta profunda tinha como proposta mostrar, de forma humorística, a busca da superação dessa fase por parte de uma garota, para que pudesse atingir a última fase de seu desenvolvimento sexual.

Bem, considerando a chupação desenfreada em Garganta, parecia que a garota estava mais a fim de ficar nessa tal fase oral. Mas isso é apenas um detalhe, para um filme que se tornou um estrondoso êxito de bilheteria, em oito anos rendeu 600 milhões de dólares e tirou os pornôs dos cinemas do bas-fond, fazendo com que passassem a dividir as mesmas salas de exibição com os filmes do cinema tradicional, fenômeno revertido nos anos 90, quando os pornôs voltaram ao gueto dos cinemas especializados e, em sua maioria, decadentes.

Mas o que fez de Garganta profunda algo tão especial, um divisor de águas, abrindo a chamada era dourada do pornô dos anos 70? As cenas de sexo do filme não apresentavam nenhuma grande ousadia. O único destaque é o momento em que Linda bebe refrigerante através de um canudo cirúrgico, cuja extremidade está dentro de um consolo de vidro oco enfiado na vagina dela(nada de outro mundo, porque em filme pornô mudo dos anos 30, já tinha mulher brincando com garrafa de refrigerante).

Para piorar, as outras garotas do elenco eram feiosas e a produção de quinta categoria, sem falar que o filme só tem 62 minutos de duração e umas ceninhas de humor sem graça que não ajudam em nada. Hoje, só vale a pena ser visto por fãs de filmes eróticos clássicos ou como curiosidade.

Mas é bom lembrar que no início dos anos 70, não havia vídeo, nem muito menos DVD e trazer à tona esse subgênero obscuro da cinematografia era uma novidade que atraia o público. Garganta profunda abriu caminho para centenas de outros filmes, alguns realmente interessantes, como O Diabo na carne de Miss Jones (do próprio Gerard Damiano), Atrás da porta verde(dos irmãos Mitchell) e Through the looking glass de Jonas Middelton, em que os diretores procuravam unir todos os elementos do cinema tradicional(boa produção/ roteiros mais bem cuidados/ interpretação dos atores) às cenas de sexo explícito.

Outro fator que contribuiu para o êxito permanente de Garganta foi a polêmica. Por ocasião de seu lançamento, enquanto muita gente gostou e apoiou, os mais conservadores tentaram boicotá-lo desesperadamente. Sobrou para o ator Harry Reems, que chegou a ser preso por ter participado do filme!

Contribuindo tanto para denegri-lo, quanto para promovê-lo, a maior fonte de controvérsia a respeito de Garganta Profunda foi sua protagonista Linda Lovelace, falecida em um acidente de carro há cinco anos.

Em sua biografia Ordeal, Linda afirma que seu primeiro marido e empresário Chuck Traynors, a espancava e obrigava a se prostituir. Aliás, Gerard Damiano a conheceu em uma orgia, organizada por Trayor, na qual Linda premiava os participantes com boquetes onde aplicava certos truques também usados por engolidores de espadas. Teria sido inspirado por esse prodígio oral que Damiano concebeu a idéia de fazer o filme.

Linda relatou ainda que, ao contrário da imagem de mulher liberada e feliz que era coagida a passar, ao lado de Chuck viveu anos de desespero, humilhação e agressões, chegando a afirmar ter ficado sob a mira de uma arma durante as filmagens de Garganta- afirmação jamais provada- e que todos esses sofrimentos deixaram graves seqüelas físicas e psicológicas. E o pior: Linda, além de ter recebido apenas 1200 dólares para participar do filme, não viu nem a cor dessa merreca, que teria ido parar toda no bolso de Traynor!

Ao finalmente se separar dele, Linda ainda estrelou a comédia sem sexo explícito Linda Lovelace para presidente, mas não obteve êxito, casou-se novamente e desistiu do cinema para iniciar uma cruzada anti-pornografia, dando palestras sobre os males que estariam por trás da expansão da indústria pornô. Em 1986, fez uma aparição dramática na TV, revelando estar precisando de um novo fígado. O apelo deu certo. Aliás, ela foi a que sobreviveu por mais tempo no grupo de transplantados do qual fazia parte.

Em 2001, sua história virou um pouco conhecido filme para a TV. Neste mesmo ano lançou sua quarta biografia(as duas primeiras relatavam as delícias da vida baseada na pornografia e as duas últimas afirmavam o oposto disso) e, em uma atitude contraditória, apareceu na capa da revista pornô Hot Legs(toda vestida, fez questão de frisar!).

Depois disso, Linda só voltaria a estar nas páginas dos jornais e revistas por ocasião de sua morte, em 2002, causada por um acidente de carro. No final da sua vida, a garota sorridente e sacana do maior clássico pornô de todos os tempos era uma dona de casa certinha e humilde, beirando os 50 anos, separada do segundo marido e morando com as duas filhas e um neto. Mesmo assim, ainda era reconhecida nas ruas e convidada para palestras e eventos.

Cinco anos após sua morte, algumas pessoas a vêem como uma sofrida vítima e outras como uma fracassada que tentou se promover e ficar rica através da pornografia, mas, como não conseguiu, cuspiu no prato em que comeu.

Em 2005, a aura de polêmica em volta do filme rendeu o interessantíssimo documentário Inside Deep throat de Randy Barbato e Fenton Bailey, onde todo o estardalhaço social e econômico causado por Garganta profunda é analisado, trazendo depoimentos que incluem Gerard Damiano, atores famosos que apoiavam o filme e até a irmã de Linda! Também está previsto para 2008 o lançamento de um filme onde Courtney Love interpretaria o papel da inesquecível musa do pornô dos anos 70.

MANIFESTO ZINGU!: COMBATE À IGNORÂNCIA

Por Andrea Ormond, especialmente para a Zingu!

Uma vez, faz poucos anos, me vi em uma rodinha animada de debate cinematográfico, e citei o nome de Fauzi Mansur. Nenhum dos presentes, a maioria estudantes de cinema ou jornalistas, tinha sequer ouvido falar de Fauzi Mansur.

Tentei Jean Garret, e me perguntaram se eram diretores brasileiros. Expliquei que sim: os dois são gênios do cinema popular brasileiro e pertencem à lista dos dez ou vinte melhores diretores que o país já teve.

Cena seguinte, à menção do prólogo "maiores diretores brasileiros", alguém já atraía atenção falando de "Terra em Transe", de Glauber Rocha – relançado em cópias luxuosas e restauradas, nos cinemas do Rio e de São Paulo. Murchei completamente na conversa, como quem se vê falando búlgaro em uma turma de animados chineses.

Este episódio me vem à lembrança quando ouço novamente – pela centésima vez – que a região onde existiu a Boca do Lixo paulistana está abandonada (sobre o assunto, leia melhor aqui). Existem, claro, iniciativas de revitalização, mas por que não ampliá-las?

Confesso que, como pesquisadora, estive lá algumas vezes e nada me aconteceu de ruim, exceção feita aos pedidos de dinheiro, seguidos de xingamentos espúrios, até engraçados. Mas o que impressiona, em quase tudo que vejo e leio sobre o assunto, é que ninguém chega perto de elaborar o óbvio: ali, naquele lugar hoje decadente e limítrofe, funcionou – não faz tanto tempo, e durante mais de duas décadas – o maior centro produtor de cinema da América Latina.

Se fosse nos EUA ou na Europa, o que aconteceria? Um local afetivo desses, mesmo necessitando intervenção drástica, seria marco, símbolo positivo para o país. No Brasil, quem se arrisca a passar pela Rua do Triunfo, nem imagina a efervescência criativa, cultural, de duas, três décadas atrás.

Ora, porque não transformar a velha Boca dos Sonhos em atração turística? Porque não dar a algumas ruas, nas proximidades, o nome dos grandes cineastas já falecidos que lá fizeram carreira (Ozualdo Candeias, Garret, Portioli, Ody Fraga, etc). E por que, principalmente, não se abre no coração da região um cineclube – e mais do que isso, uma faculdade ou curso livre de cinema, ministrado pelos diretores, atores e técnicos que ali trabalharam?

A quantidade de pessoas – grandes homens e mulheres – afastados e alijados de suas profissões, que receberiam um sopro de vida com essa iniciativa, é inimaginável. Não deve custar muito, e uma saudável parceria com a iniciativa privada amortizaria ainda mais os valores.

A verdade é que a incompreensão e o descaso com a Boca são um crime à cultura brasileira. E se um dia a indústria de cinema paulistano morreu sufocada de cima para baixo – pelos interesses do capital estrangeiro e a ingerência dos poderes públicos – está ameaçada de morrer tantas outras vezes, enquanto seu antigo espaço físico e seus valores humanos não forem revalorizados – olhados enquanto patrimônio histórico, de todos os brasileiros.

Quem sabe assim, um dia meus colegas intelectuais “descubram” que Fauzi Mansur e Jean Garret fizeram filmes no seu próprio país. Ainda há tempo de consertar o equívoco?

Dossiê Sady Baby

No Calor do Buraco
Direção: Sady Baby e Renalto Alves,
Brasil, 1985.

Por Fernando Roveri, especialmente para a Zingu!

Ainda há de chegar o dia que a obra de Sady Baby seja reconhecida como uma das mais notáveis entre o período em que o sexo explícito já dominava a Boca do Lixo. Infelizmente, tanto imprensa quanto críticos e pesquisadores de cinema brasileiro ainda enxergam esta fase como ínfima dentro da nossa sétima arte. Pura bobagem. Assim como vem acontecendo nos Estados Unidos e Europa com o chamado "cinema B", que vem sido reconhecido, restaurado e, conseqüentemente, conquistado uma legião de novos fãs, no Brasil isso acontece a passos muito lentos, mas caminhantes. Há uma parcela de admiradores desse cinema feito com muita raça, coragem, e principalmente, criatividade. Nesse ínterim, há nomes de destaque que merecem nosso respeito e admiração: Conrado Sanchez, David Cardoso, Jean Garret, Juan Bajon, Ody Fraga, Tony Vieira, mas principalmente Sady Baby.

Se houve ousadia no cinema da Boca, o nome de Sady Baby deve ser colocado em primeiro lugar. Nenhum outro diretor foi tão longe e ousou tanto como este gaúcho que, para felicidade dos seus fãs, volta a filmar em breve com idéias tão corajosas e criativas quanto a de seus filmes anteriores. Na Boca, Sady foi o mais ousado, o mais extremo, o mais transgressor. Enquanto diretores ainda "se enchiam de dedos" de colocar cenas de sexo gay em seus filmes, ele já as fazia sem o mínimo de pudor ou preconceito. Para ele, sexo é sexo, não importa com o que ou com quem seja feito. O importante é o prazer, gozar infinitamente, seja com homem, mulher, cavalo, jegue ou qualquer outro tipo de ser vivo. Exagero? Basta ver para crer.

Segundo o próprio diretor, seus filmes representam os desejos que cada ser humano tem reprimido dentro de si, mas não tem a mínima coragem de assumir. Sady apenas os traz à tona. Quem se choca são aqueles que não compreendem a psique humana. Sexo com animais existe há séculos. Entre homens então, nem se fala. Além disso, seus filmes têm uma forte pincelada de humor sórdido, às vezes cruel, mas que não deixa de divertir. Seus filmes tinham repercussão e sucesso de bilheteria porque mesclavam desejos humanos "subterrâneos" com esse humor escrachado. Mais popular, mais cara do povão, impossível.

Entre sua ótima filmografia, "O Calor do Buraco" é um de seus filmes de destaque. Esqueça essa fórmula de roteiro linear, de "contar uma história". Assim como na obra de Jess Franco, o enredo, nos filmes de Sady Baby, é o que menos importa, não para ele, mas para nós. O importante é prestar atenção em cada seqüência e ficar atento a cada detalhe.

O filme começa com Sady Baby enterrando um cadáver. Depois, um homem tenta estuprar sua namorada (interpretada pela incrível Luana Scarlett). Quando ele vê, faz uma espécie de "maracutaia" com a espingarda que carrega: amarra o dispositivo da arma no pau do rapaz que, ao se excitar ao ver a garota nua, leva um "pipoco" na cabeça. Surgem então os créditos e, conseqüentemente, uma outra história. Lá esta Sady estuprando uma árvore (!). Depois, ele ataca uma garota que passa por ali, e pede um emprego a ela numa fazenda. Nos minutos seguintes, surgem seqüências invariavelmente surreais. Porcos falantes, um homem tomando uma imensa mamadeira de leite tentando "estuprar" os bichos, e cenas e mais cenas de sexo. O personagem interpretado por Sady é mais um homem sedento por vingança (assim como em "Emoções Sexuais de um Jegue"), mas não se sabe qual é o motivo pelo qual ele quer se vingar de tudo e todos. Quer apenas aniquiliar o capataz da fazenda (papel de Renalto Alves, sempre um primor de interpretação), o proprietário (Bim Bim) e seus funcionários. Quando eles tentam matá-lo, consegue dar a volta por cima, mata todos e depois foge. À certa altura, surge uma espécie de "escola sexual", com uma imensa orgia onde participam os mesmos atores da maioria dos filmes do Mestre: Franklin Neto, Rubens Larápio e o mítico Feijoada. Destaque para a atuação de Diabo Louro costurando a língua. Sem mais nem menos, lá vem o Mestre com uma imensa tocha de fogo xingando todo mundo. Pendura Luana de cabeça para baixo. Enfim, uma sucessão de acontecimentos que não se entrelaçam. Como já foi dito anteriormente, o importante é prender-se a cada seqüência e se divertir. Depois, sem saber o porquê, mata a garota que o acompanhou durante toda essa aventura, e depois transa com ela morta, e diz para o espectador: "Transar com uma morta é uma experiência arrepiante". Logo depois, o filme acaba.

"No Calor do Buraco" é, pelo menos para mim, uma das obras-primas absolutas do Mestre. Com uma sucessão de acontecimentos que não se entrelaçam, este é, sem dúvida, um de seus filmes mais corajosos e divertidos. É também invariavelmente surrealista. Afinal, porcos falantes não se encontram em qualquer filme, ainda mais quando há uma tentativa de estupro (!). É como se Sady Baby tivesse promovido um encontro entre Jan Svankmajer e Gerard Damiano. Não tem o mínimo pudor de mostrar o brasileiro de verdade em situações inimagináveis. Enquanto diretores atuais tentam promover o "choque" e "causar polêmica" em filmes como "Cama de Gato", o diretor gaúcho já o fazia muitos anos atrás, sem tais pretensões. E assim dá certo. Antes de ser alçado como cult, Sady Baby tem um pequeno, mas representativo grupo de admiradores, tanto pelo seus filmes quanto pela sua surpreendente história de vida. Afinal, neste país torto, é no calor do buraco que a coisa pega fogo.


Dossiê Sady Baby

Entrevista com Sady Baby

Por Matheus Trunk


Sady Baby se negando a aparecer na foto tirada pela reportagem da Zingu!

“Eu nunca gostei de dinheiro. Eu faço as coisas por tesão”, assim se define Sady Baby, 53 anos, cineasta, produtor e ator de filmes e peças pornográficas.

Com uma ficha criminal enorme e procurado pela Justiça, Sady recebeu a reportagem da Zingu! com uma série de exigências. Cumprimos todas e ele nos deu, a tão sonhada entrevista, nos tratando de maneira educada e bastante cordial. Os assessores de imprensa do produtor acompanharam toda a entrevista, ao lado de seu estimado mestre.

A conversa foi num lugar reservado na cidade de São Paulo, onde de vez em quando esse obscuro e polêmico personagem da nossa cinematografia aparece. Ele apareceu no dia combinado com sua famosa camiseta de dois cachorrinhos. Porém o leitor não poderá ver o detalhe das vestes de Sady: um cachorrinho estava em cima do outro, demonstrando claramente o ato sexual. Até as fotos tiradas nessa entrevista foram poucas, seguindo a orientação direta de Sady e de sua Assessoria de Imprensa.

Eterno conquistador de musas como Zilda Mayo e Matilde Mastrangi, Sady reconta sua paixão pelas mulheres e também loucas histórias de seu famoso ônibus itinerante que percorreu a América do Sul promovendo shows de sexo explícito.

Personagem eterno das colunas de cinema de Edu Janks nas revistas “Big Man Internacional” e no jornal popular “Notícias Populares”, o realizador fala dos bastidores de seus filmes próprios, especialmente os famosos “Emoções Sexuais de Um Jegue” e “Ônibus da Suruba II”. Também são abordadas pessoas que colaboraram diretamente em seu processo de criação como o fotógrafo e câmera Renalto Alves e o ator Feijoada.

Se definindo hoje como o “cineasta da juventude”, Baby comenta seus próximos projetos: a fita do Maomé bissexual, “Lugar Proibido” sobre transas somente em lugares proibidos e “Tesão dos Crentes” sobre a sexualidade dos evangélicos. E também claro, de sua biografia, que está sendo escrita a quatro mãos pelos jornalistas Fausto Salvatori e Gio Mendes.

Renegado pela intelectualidade e esquecido pela crítica convencional, Sady Baby teve aqui pela primeira vez a oportunidade de dar seu depoimento a uma revista eletrônica. Para sermos mais fiéis ao estilo do entrevistado, não houve por parte da nossa reportagem, nenhum tipo de corte a palavra ou expressão dita pelo entrevistado.

Z- A sua idéia de produzir filmes veio depois que você não conseguiu ser jogador de futebol?

SB- É. Uma coisa eu acho que você não sabe, hoje tem nome mas na época não tinha. Eu me criei com uma família muito bem no Sul, hoje veio pra cá e são muito conhecidos em São Paulo. Eu nem gosto de citar o nome. Quando chegamos em São Paulo, foi no Jaçanã, aí eu morava com eles e era como filho deles. Eu dos 13 anos aos 28 fiquei com eles, só que eu queria ter a minha independência: eu tinha um carro zero, dinheiro, mas eu queria outra coisa. Não era aquilo o meu mundo. O meu mundo é: estar filmando, criando e tendo buceta. O meu negócio se chama bu-ce-ta.

Z- Por isso o senhor partiu pro cinema, achou que era um meio...

SB- Não me chama de senhor !

Z- Não, você...

SB- É você, cacete ! Porra !

Z- Você partiu pro cinema por isso ?

SB- É. Eu nunca fui obcecado por dinheiro, não. Eu sempre fui obcecado por fazer uma coisa que eu gosto porque você não ganha nada nessa vida sem ser fazer uma coisa gratificante com você. Porque se você faz o que você gosta, você é feliz com você. Na época, não tinha muitas condições pra fazer o filme que eu queria no caso. Os dois últimos filmes que eu fiz “O Ônibus da Suruba I” e o “Ônibus da Suruba II” eu já tinha mais condições, só que aí acabou as salas de cinema pra exibir. Entendeu ? E agora eu quero entrar no mercado que quase não tem. O que é ? Gente bonita, uma produção legal com história de começo, meio e fim. Não só sexo. Sexo vai ter a metade mais ou menos dos outros. Tipo Cine Privé da Bandeirantes que passa de sábado pra domingo. Aquilo que eu quero fazer mas eu sou obcecado por estar filmando o dia inteiro olhando pra buceta. Eu não sei porque eu sou obcecado porra ! É a minha vida, disso que eu gosto.

Z- Qual dos seus filmes que deu mais sucesso ?

SB- O que deu mais sucesso, mais retorno no caso foi “O Ônibus da Suruba II”.

Z- No final já ?

SB- No final, em 92. Eu fiz cenas de sexo explícito numa rodovia federal a uma hora da tarde. Estou falando sério e com gente pelada no meio da estrada. Um bando de loucura, é esse meu mundo. Eu fui lá pra fora viajar pela América do Sul e eu fui lá fazer teatro. Quero fazer sexo no gelo, na Cordilheira dos Andes um monte de coisas que eu quero fazer, um monte de projeto mas deixa eu começar. Agora já está na reta final pra começar. Uma das coisas que eu vou fazer que vai dar muita confusão e eu sei que vai dar muita confusão mas eu vou fazer o filme do Maomé.

Z- Pelo que sei você ainda não definiu quem será o ator que fará o Maomé. Qual principal característica que ele vai precisar ter ?

SB- O cara que fizer o Maomé tem que ser bi. Tem que comer dos dois lados.

Z- Você embora seja heterossexual, nos seus filmes tenta mostrar todos os lados do sexo. De onde vem essa idéia ?

SB- Há vinte anos atrás eu estava na cabeça dessas distribuidoras quando botava um gay no filme os caras me enchiam o saco porque eu botava veado. Mas eu sabia que o caminho era esse porque hoje está sendo isso. Mas eu botava porque é uma realidade, eles não queriam aceitar isso. Porque essas pessoas não vê o lado profissional, vê só o lado comercial das coisas. Eu sabia que o gay ia tomar conta e hoje conversando com os europeus de dez filmes eles querem oito de gay. É assim está o mercado, que não vou fazer filme só pra consumo nacional eu vou fazer nacional e lá fora. É essa a minha jogada porque quando for o momento pra lançar eu quero já estar bombando legal, filmar com a minha filha inclusive. Tem até o nome do filme, se chama “Atração Sexual” onde essa filha minha, filha legítima vai transar no filme porque eu quero entrar sempre em cima de polêmica sem pegar estrela. Tem espaço pra isso e é só ter cabeça porque eu me sinto feliz fazendo um filme que o povo gosta, o que importa pra mim é o cara falar: “Pô assisti sua fita, muito legal”. Isso me vale.

Z- Não é o dinheiro ?

SB- Não ! Pouco me importa essa porra. Eu tenho uma coisa que eu mais agradeço Deus que se chama saúde. Pra você ter uma idéia eu vou falar e talvez ninguém acredite mas a última vez que eu tomei uma injeção foi quando eu quebrei a perna há vinte cinco anos atrás. Eu não tenho uma dor de cabeça, nunca sinto nada. A única coisa que eu sinto é tesão por buceta.

Z- O primeiro filme que você produziu “Escândalo na Sociedade” não era um filme de sexo explícito.

SB- Não.

Z- Mas ele se tornou depois por pressão do mercado exibidor ?

SB- Eu lancei no Marabá, gastei um monte e não deu retorno nenhum. Aí parti pro segundo filme “Paraíso da Sacanagem” que foi lançado aqui no Cine Dom José, ficando duas semanas em cartaz e aí começou. Aí eu fiz o filme do garoto deu um bafafá do caralho, veio polícia atrás de mim direto, deu um processo e aí eu fui caminhando. Foi legal enquanto eu fiz. Só pra resumir: se digamos eu tivesse que morar no Morumbi e sair de BMW todo dia e comendo buceta o dia inteiro e não fazer o que eu gosto, eu prefiro morar num quarto de uma pensão, andar de bicicleta e fazer o cinema que eu gosto. Isso eu posso dizer. Eu estando num local principalmente se for fechado e tiver buceta o dia inteiro nem sendo fudida, não tem problema. Aquilo me alimenta, buceta é meu alimento.


Sady em lugar não identificado de São Paulo


Z- Desses seus filmes seus tem algum favorito ?

SB- Uma das coisas que eu mais gosto se chama “Emoções Sexuais de Um Cavalo”, que foi o primeiro filme que eu dirigi e que deu um retorno muito bom. Uma pena que os trambiqueiros não fizeram em DVD, porque a maioria desses filmes que estão em DVD eu nem sabia que fizeram isso. Mas normal faz parte da vida e não estou nem aí. Deixa os caras.

Z- Desses processos algum foi mais complicado ?

SB- Tem processo complicado. Porque eu vendi meu teatro em Balneário do Camburiu ? Porque eu tive a infelicidade dos caras construírem um fórum duas quadras do teatro. Nos últimos três meses que fiquei lá nem pude sair mais do teatro. Estava fechado o teatro mas eu morava lá na parte de cima porque tinha muito oficial de Justiça atrás de mim e um me deu um conselho de amigo: “Sady, você sempre foi um cara legal comigo quando tem teatro você me dá camarote, tudo. Se eu tiver que vim aqui eu vou ter que intimar você e você vai ter que ir lá e o processo vai começar. Se você não estiver aqui, você não vai ser intimido e ninguém vai atrás de você, porque você não é bandido”. Eu tenho esses processos, mas nenhum está em andamento...por que ? Porque não me acharam. Tinha três opções: ou vendia o teatro, ou pagava propina pra todo mundo ou ia pra cadeia. Como pra cadeia eu já fui e não gostei muito de lá apesar de ter ficado pouco tempo, foram dois dias mas não gostei não. É de graça mas não gosto não (risos). Agora, a cadeia mais filha da puta que eu tive foi Antofagasta, norte do Chile divisa com o Peru que eu fiz um show pra 2.500 pessoas, muito legal e lá não podia transar. O máximo que eu podia tirar era a minha calça, a camisa e ficar de sunga. Da mulher, eu podia chupar os peitos dela. Chupei os peitos, chupei a buceta e passei a vara na mulher. Acabou o show eu fui em cana e fiquei num frio desgraçado lá, duas noites num canto de pé porque falei: “Eu não dei a bunda no Brasil vou dar a bunda aqui no Chile agora meu !”. Então, lá foi difícil...48 horas incomunicável mas saí numa boa mas foi complicado. Acabou o show, me algemaram na boa não me bateram, me trataram até bem. Eu sabia disso, eu fiz porque eu quis me deu tesão, eu plantei a vara. O povo gostou, eu também gostei só que eu sofri as conseqüências: depois fiquei 48 horas incomunicável. Foi a cadeia mais ruim que eu tive, não comi nada, não dormi fiquei lá nego querendo me faturar ali ? É foda. Numa boa e tal, mas são coisas que eu passei que me serviram de experiência. Nos países que eu estive aqui fora, eu fiquei quatro meses fazendo show no Uruguai, seis meses no Chile. De Santiago a Arica, que é a divisa com o Peru dois mil e tantos quilômetros que é a parte mais seca do mundo, mais seca que o Saara. Faz cinqüenta anos que não chove, Atacama, tudo ali nada chove. Então, a gente foi fazendo show de cidade em cidade, só que aquele povo pobre tudo era interessante, aquilo era gostoso de fazer. Claro que a gente não estava ganhando muito...tinha dinheiro pra comer mas era uma aventura e eu gosto de aventura porra ! Falaram assim pra mim: “Na Colômbia vão dar tiro”, passei pela Colômbia, eu tenho foto com mulher pelada na rodovia da Colômbia. Tranqüilo, na boa porque tinha duas mulheres muito bonitas que viajavam comigo e eles nunca revistavam o meu ônibus. Quando a gente parava em aduaneira, divisa de países os caras falavam assim: “Que lindas, que ricas”. Porque lá tem muita gente feia, no Peru. Deus quando passou no Peru deve ter castigado, porque o que tem de gente feia naquela porra. O país que eu mais gostei foi a Venezuela, tem muita gente bonita. Então, eu passei por todos esses países e foram experiências que eu tive, uma coisa gostosa e todos os países que eu passei eu tinha que comer uma buceta. Mas onde eu quebrei a cara foi em Iquique, antes de Arica divisa com o Peru...

Z- Como foi isso ?

SB- Nesse dia eu cheguei num telefone antes de meio dia, mais ou menos, e eu ia telefonar pro Brasil. Cheguei lá, nunca esqueço: tinha três telefones. Peguei a chave e fui lá telefonar. Quando eu saí da cabine já estava fechado o escritório, só tinha ela: “Brasileño, me gusta muito de brasileño, si bueno o que se passa a cá ?”. Ela estava assim perguntando o que eu fazia ali e eu: “Show erótico”. Ela: “Oh ! Show erótico, muy caliente ?”, e claro que eu não perdi a chance:“Si, claro. La concha, tudo”. Ela ficou espantada: “Tudo ?”, eu: “Si”. Aí começou aquele papo, resumindo: a mulher mais gorda que eu tive na minha vida, ela pesava uns 160 quilos. A hora que aquela mulher tirou tudo aquilo ali debaixo eu só vi aquela escuridão, aquele bafo subiu mas tudo bem mandei ver. Foi a pior coisa que eu fiz na minha vida (gargalhadas), oh meu Deus do céu !

Z- Mas você não se arrepende ?

SB- Não, não me arrependo de nada. Se tivesse que fazer eu fazia tudo de novo...mas foi uma aventura. Quando veio aquela idéia na minha cabeça, eu não me conformo: tudo cabeludo com aquela cabeleira assim. Aquela roupa não parava de subir, porque a roupa que eles usam lá no Chile é tudo fechadinho. Eles são puritanos, pra tu ter uma idéia pra você ir numa locadora pra pegar um filme pornô o cara não vai dar pra você, tem que ir um chileno amigo seu que já conheça o cara e pega a fita. É complicado lá...pra você ter uma idéia na época que eu estive lá, faz dezoito anos...estava passando aquela novela “Pantanal”, mas eles passavam de madrugada. Mulher não mostra nem o peito na televisão. Lá é complicado, muito complicado...Uruguai que é a divisa ali sai de Rio Grande já é complicado ! É outra cabeça ! Aqui nós temos liberdade de expressão muito grande. Eu agradeço a Deus por ser brasileiro porra, porque aqui tem liberdade demais. Aqui tem tudo, ladrão, tudo que você puder imaginar. Aqui é bom demais, um clima gostoso...pra você ter uma idéia no deserto de Atacama no Chile, quando era quatro horas da tarde tinha vinte graus de calor, quando não é vinte graus abaixo de zero a tua pele ficava mais seca do que se você passar gasolina na própria pele. Por isso, eles tem a pele fudida, tudo assim negócio não agüenta. Começou a me dar uma dor de barriga e eu pensei que estava com AIDS...é complicado. Vou te contar uma passagem muito interessante: uma gaúcha que eu conheci em Bagé veio assistir ao espetáculo, ela e o noivo dela. Muito linda e ela se ligou em mim...o cara trabalhava comigo dali ele veio pra Porto Alegre e contou pra mim que saiu com outra menina. Ela estava afim de deixar o cara, desquitou, deixou o noivo e veio ficar comigo. Aí ele teve uma filha com ela tudo...mas quando eu fui viajar pro Chile, eu já estava com outra menina. Quando nós chegamos em Santiago do Chile, essa minha ex-mulher que teve um filho que era noiva do cara fugiu. Quem levou nós pra lá foi um chileno de circo e ele foi pra casa dos pais deles e nós ficamos no meu ônibus, estacionado num posto de gasolina. No segundo dia, ela sumiu e a gente precisávamos dela pro espetáculo, era eu, o anão e mais três meninas só. Eu liguei pro chileno e falei: “Roberto, a Luli sumiu e levou os passaportes”. Eu tive uma idéia graças a Deus...bicho, um país diferente você fica esperto pra caralho. Eu peguei todos os passaportes, botei num plástico e botei embaixo do carro dela que tinha atrás do posto de gasolina onde nós estávamos. Eu falei pro chileno que ela tinha ido embora com os nossos passaportes e tinha que prender ela na Cordilheira dos Andes. De Santiago até a Cordilheira que é a divisa, ou com a Argentina são duzentos quilômetros. Aí ele ligou pra Polícia Internacional e eles falaram que ela seria presa na Cordilheira dos Andes, onde ela foi mesmo. Chegamos na Polícia, eles não podiam prender ela lá porque ela não tinha os passaportes, aí eu comecei a ficar muito louco lá dentro e comecei a gritar: “Mas que país é esse ?”. Lá na época a anos atrás, você não saia sem passaporte...como eu ia sair daquele país ? O país é um O. Então o que acontece: prenderam a menina, levaram pra Santiago do Chile aí de manhã cedo pegaram ela. O policial falou pro Roberto, que é o chileno que foi com nós: “O rubio está com o passaporte”. Aí foram no meu ônibus e revistaram todo ele e não acharam os documentos. A noite eu dei um cacete naquela menina, lógico porque nós íamos passar fome lá, país de fora. Ela ficou com umas marcas: “Por que você fez isso comigo ? Você está com outra”, eu estava com outra mulher, eu sempre fui assim. Eu pensei na hora que seu eu soltasse ela, eu ia em cana lá a lei é a lei e a lei é foda. O que eu fiz ? Peguei uma corrente amarrei na perna dela, amarrei na minha perna botei um cadeado e peguei a chave e amarrei no pentelho porque o único dia de eu dormir quinze dias foi amarrado com essa menina. Foi a sobrevivência nossa, então o que acontece: eu fazendo show, fiz toda a parte do show. Aí um outro caso muito interessante: um chileno...eu estava em Antofagasta, norte do Chile...nós estávamos parados num posto de gasolina, aí veio um motorista chileno casado com uma brasileira, que conhecia o chileno que estava me levando. Ele falou assim: “Esse chileno vai te levar pro México, vai jogar você num rio, vai levar o seu ônibus e vai embora. Tu muda a rota”. E agora ? Eu ia subir Peru, Colômbia, Venezuela, Equador e ir embora. Eu não tava nem aí, se precisasse vender o ônibus nem estava preocupado. Aí eu só escutei, o cara falou isso pra mim e pensei como que eu ia voltar ? Eu não podia me separar do cara, porque eu dependia dele só que se eu ficasse com ele, ele ia me levar pra outro caminho e ele estava querendo jogar as outras pessoas contra mim. Aí o anão ficou a favor dele, não era cabeça pequena. O anão que fazia show comigo tinha 80 centímetros de altura e 27 de pau...

Z- (surpreso) O que é isso ?

SB- Não, não se assusta não. Aí a tua cabeça tem que funcionar nessa hora...ele era apaixonado por uma menina que estava no elenco, eram três: as duas e essa loirinha. Amiguinho, aí a tua cabeça tem que funcionar lá as leis são diferentes daqui. Eu peguei uma essa que ele gostava falei: “Eu vou pra boate, no puteiro lá da estrada com o anão, com esse chileno e eu vou ficar até cinco da manhã mais ou menos. Você tem que pegar essa menina, botar no ônibus atravessar o país e ela tem que ir embora”. Quando chegamos nos puteiros fudidos lá, que lá tem o exame da cida. Para tudo o som, se a mulher não tiver a carteirinha é presa, é complicado. Quando chegamos cinco horas da manhã no ônibus, ele foi dormir cada um no seu quarto. Quando chegou dez horas da manhã e ele levantou e não viu a menina, ele começou a gritar: “Cadê a menina ?. Aí ele quis brigar comigo, e eu: “Então vamos brigar”. Amigo é complicado ! Eu estava no país do cara rapaz, eles falam a mesma língua e falam tão rápido que você não entende porra nenhuma. Se ele falar de vagar você entende, se rápido não entende bosta nenhuma. Eu falei: “Roberto quer pelejar comigo, eu vou pelejar contigo. Só que Angelita está grávida de você”. Angelita era a menina que ele gostava. Aí ele se surpreendeu e mudemos a rota da Venezuela voltamos e quando chegou no Brasil, eu falei: “Ah gringo ! Agora é comigo gringo. Senta no pau, filho da puta. Agora eu vou cortar o seu pau fora !”. Eu sou muito louco da cabeça, eu ia cortar o pau do chileno fora. Lógico: lá no Chile ele fez eu passar o pão que o Diabo amassou e agora ele ia se ver comigo, estava no meu país. Eu falava: “Vou cortar seu pau fora ! Eu vou te matar desgraçado !”, e ele: “No !”, se ajoelhou e tudo. “Pega essas roupas e vai embora desgraçado, cai fora”. Lógico é complicado...eu nunca comi tanto pojo na minha vida. Pojo é frango...cara você não sabe o que eu passei por lá. Mas tudo foi experiência, sou mais patriota hoje entendeu ? O país que tem mais gente...o melhor povo de todos os países que eu tive é o povo uruguaio. Muito hospitaleiro...

Z- Você chegou a ir na Argentina ?

SB- Argentina eu só atravessei. Depois eu te conto a história: no Uruguai eu me encontrei com uma advogada chilena e tive uma coisa muito gostosa na minha vida...uma coisa interessante. Eu acho que eu não devo bater bem da cabeça, que eu não bato bem eu já sei. Mas nós fomos no escritório junto com uns caras de uma boate, os caras estavam fazendo show na boate e a gente estava tentando armar um lance pra entrar com sexo explícito no Uruguai, Montividéu. Aí chegamos no escritório do advogado, conversamos com o cara lá e marcou de um outro dia a gente ir lá. Fomos no outro dia mas era uma advogada muito gostosa assim, de minissaia, toda boa assim...ela sentou assim num sofá com aqueles pernões...eu fiquei olhando pra ela, me dando bola. Eu quase dei um beijo na boca dela, aí eu tive que sair de Montividéu pra vir a São Paulo buscar um casal. Aí eu estava na rodoviária que eu não gosto muito de avião, liguei pra ela. Na volta, eu fiquei quatro meses lá e vivi um romance muito legal com ela. O tesão dela era transar no meio da avenida 19 de Julho numa caminhonete dela, uma Nissan. Ela separou do marido dela porque ela gostava de ter uma relação anal e o cara falou que não era pra aquilo, os caras são muito caretas. Uruguaio é muito careta nesse lado. Fiz esse lado pra ela, ela se apaixonou...viemos pra São Paulo, eu estava num hotel na Alameda Santos. Um dia ela me mostrou uma pistola automática e falou: “É meu, se você me trair eu pego essa pistola e disparo na sua cabeça”. Aqui em São Paulo, ela estava maluca. Por isso, eu vim embora e nunca mais vi ela...mas nós tínhamos uma coisa muito gostosa, a gente transou dentro do carro numa madrugada. O pai dela era juiz...um lance muito louco, ela era muito louca e eu era maluco e foi um negócio muito legal. Todo o elenco foi embora e eu fiquei lá três meses curtindo, Punta del Leste, Uruguai o maior barato. Fiquei amigo dos dois filhos dela, um de sete e outro de oito anos. Ela era prima do Daryo Pereira na época que ele era treinador do São Paulo, um grande romance muito louco só que ela se apaixonou de uma forma...lá eles levam muito a sério o casamento. O brasileiro não está nem aí, hoje está com outra é normal mas lá eles não tem essa coisa, levam muito a sério esse lado. Terminou, terminou e pronto e a gente não é assim, eu não sou assim. Aqui nós temos uma liberdade muito grande pra isso, lá não é assim eles levam muito a sério.

Z- Isso você só percebeu quando viajou ?

SB- Não, eu já estava percebendo lá. Mas enquanto estava gostoso ela gostava, ficava louca, gritava: “Ai meu culo”. Gente bem, não é porque ela é gente bem...mas é uma pessoa legal, alegre, ela me falou: “Sady, você me deu uma alegria que eu não tive. Eu tenho trinta anos hoje e não tinha uma alegria que eu queria ter, o meu marido não me dava isso”. O cara era advogado, já tinha separado a um ano e pouco por causa dele não ter uma cabeça aberta pra esses lances sexuais...Ele só transava no escuro. Tem muita gente com cabeça fechada, não é só lá aqui também tem. O que acontece ? Não dá certo, você precisa ter uma liberdade, uma expressão, uma liberdade de se expressar com o companheiro, a companheira. Então, esse lado eu aprendi com o tempo e ela se soltou comigo, só que ficou censurada, falando: “Você é meu !”. O caralho ! Eu não sou de ninguém e isso eu falei em rede nacional, falei que o meu futuro vai ser morar debaixo da ponte com os cachorros. Mas isso é normal, pelo menos pra mim é normal.

Z- Embora você tenha feito teatro, você prefere o cinema ?

SB- Eu não gosto de teatro. Teatro foi uma opção porque quando o cinema aqui o cinema de São Paulo começou a decair muito em 90, eu tive uma idéia de comprar um ônibus e fazer. O ônibus que eu tive era muito louco, eu tive idéia e comprei um ônibus do jeito que eu quis. O teatro quando eu fiz, o arquiteto não sabia fazer a estrutura do teatro e eu ia falando: “É assim, assim que você vai fazer”. Porque a minha cabeça viaja muito...se eu vejo um casal, eu logo penso neles pelados ou transando como eles se gostariam de se sentir. A minha cabeça é assim...só que eu respeito todo mundo. Outro dia um cara estava no meu escritório: “Poxa Sady, a fulana que trabalhou com você e você nunca deu bola”. Eu respondi: “Eu respeito as pessoas”. Eu gosto, mas não é porque eu gosto que eu vou atacar alguém...eu gosto de respeitar as pessoas que trabalham comigo, as pessoas que convivem comigo. Porque você dando respeito, você recebe respeito também só que eu gosto de achar os porra loucas que bate com a minha cabeça. Está cheio de pessoas aí que tem aquela vontade de se expressar e fazer, só que tem medo de falar pra pessoa, tem medo de se expressar, de se abrir. Se a menina quer se abrir, contar um lance que curte o cara pode pensar que ela é uma puta. Está cheio de bundão, não vou falar que eu sou um esperto, eu sou mais um. Mas está cheio de cara caretão, eu acho que você tem que fazer o que se sente bem e o que te dá vontade de fazer. Quando eu boto um negócio na minha cabeça, eu vou fazer. Vai dar problema ? Foda-se. O importante é que eu vou fazer. Vai dar cadeia ? Não importa, eu vou lá fazer.

Z- Nem dinheiro ?

SB- Não ! Eu não me preocupo com dinheiro, o caralho. Se eu morrer um dia, o dia que eu morrer se eu tiver um monte nego vai brigar pra pegar o que é meu. Irão pensar: “Porra esse velho do caralho não morre nunca ?”. Então, eu quero curtir, quero comer buceta, buceta que eu vou montar apartamento...


No filme Come Tudo, produzido por Sady,
em que um menino de 7 anos praticou cenas de sexo explícito.

Z- Com quantos anos você perdeu a virgindade ?

SB- Eu comecei com galinha ou com gente ? (risos). Você sabe a história da galinha ? É o maior barato. O primeiro serviço que eu tinha era num galinheiro, eu tinha que pegar as galinhas pra botar o dinheiro nos cu delas pra ver quais tinham ovo. Então, separava, aí vi uma com um cu legal e comecei a comer galinha (gargalhadas). Ali eu comecei, mas com mulher foi com onze, doze anos. Aí eu comecei, peguei um facão e fui pra cima e falei: “Ou dá ou eu te corto”. Sou eu, isso é tudo coisa da minha cabeça. Pegara um caminhão, botaram uma mulher dentro numa cabine e falaram: “Dá um picote”. Nossa, quando eu dei o primeiro picote da minha vida eu me senti o máximo, achei que podia comer todo mundo. Comecei a comer a empregada de um médico na minha cidade, o médico deu um monte de tiro nas minhas costas. É um rolo do caralho...bicho, se não fosse por causa de buceta hoje eu era um cara milionário. O que adianta ser milionário se eu não posso fazer o que eu sempre quis fazer ? Sou feliz porque eu faço o que gosto. A maior felicidade que eu tenho é a liberdade de sair na rua, de cabeça erguida, ter as pessoas que eu conheço, me conhecem e fazer o que eu gosto. O que importa você ter um monte de grana e não fazer o que você gosta ? Eu não tenho um monte de grana mas faço o que gosto. Sou feliz porque faço o que gosto. A coisa mais importante é de fazer e de se expressar porque esse país é tão livre, de falar tudo que você sente e em canal de televisão também, porque nesses países aí fora você não tem essa liberdade que você tem aqui. Então, a maior felicidade que eu tenho são essas lindas mulheres que tem no Brasil.

Z- A sua primeira real parceria de direção foi com o José Adauto Cardoso. Como foi isso ?

SB- Foi porque eu não sabia dirigir. Eu sabia dirigir um carro, mas não sabia dirigir um filme. E foi em contatos daqui, contatos dali. O cara mais louco que dirigiu filme pra mim chama-se Arlindo Barreto, hoje ele é pastor de uma igreja lá em São José dos Campos. Esses dias eu fui lá pra ver os negócios de um ônibus e encontrei ele. Ele falou: “Esses crentes do caralho, esses bundões dos caralho”. Ele é um puta porra louca, continua meio porra louca fazendo as partes dele lá. E o Zé Adauto é um cara legal, gosto muito dele inclusive falei com ele esses dias. Ele tá uma bolinha.

Z- Mas ele dirigia os filmes que vinham na sua cabeça ?

SB- Mas ele ia muito na parte dele, entendeu ? Inclusive aquele filme do garoto, foi ele que dirigiu (Sady refere-se ao filme “Come Tudo” em que uma atriz maior de idade faz cenas de sexo explícito com um garoto menor de cinco anos de idade). Eu dei a idéia, mas foi ele que dirigiu. Só que estourou na minha, eu falei: “Deixa que eu compro essa bronca aí”. Quando eu fui viajar o processo estava continuando e eu deixei o processo correr, não estava nem aí. Lá no Sul um cara me ligou: “Olha Sady, você foi condenado a três anos e nove meses”. Fiquei bem comportadinho, dirigi o ônibus, fiz espetáculos, tal. Em Balneário de Cambúriu, quatro anos atrás um funcionário meu se envolveu com uma menor em uma panfletagem. Levaram pra delegacia e a delegada me ligou: “Você pode vir aqui ?”. Eu perguntei: “Se é pra ir preso eu já vou com a roupa” (risos). Ela falou: “Não”. Cheguei lá era uma intimação, e eu falei que o cara trabalha muito tempo comigo, não sabia que ele estava se envolvendo com uma menor e saí. Isso foi as duas e pouco da tarde, quando chegou as seis e pouco da tarde eu estava tomando banho no meu apartamento que era em cima do teatro. A menina que estava fazendo o almoço me falou: “Sady, tem um cara querendo falar contigo. Respondi: “Se for polícia manda esperar”. E não era que era polícia rapaz ? Um guarda-roupa, um elefante lá embaixo...e caralho. Cheguei lá embaixo ele falou assim: “Você pode me acompanhar ?”. Eu perguntei: “Pode ser no meu carro ?”. Ele simplesmente respondeu: “Não, tem que ser comigo”. Pensei que eu já estava preso, me algemaram por trás como bandido, sabe que por trás é bandido ? Chegando lá, eu falei pra delegada: “Sabe delegada, eu tenho direito a uma ligação”. Mas aí tocou meu telefone na hora e olha aqui o que está escrito no telefone: bucetão ! (rindo). Eu sei que quando ela pegou no meu telefone, a vontade dela era pegar o telefone e enfiar dentro da minha boca. Mas como tinha mais gente, ela não pode fazer isso, me liberou, eu liguei pra um advogado e eu quis ligar pro diretor do presídio, que era meu amigo pra arrumar um lugar legal pra mim lá. Resumindo: eu cheguei no presídio o meu amigo estava de férias mas ligaram pro cara e ele me liberou. Eu fiquei dois dias em cana por conta desse processo aqui em São Paulo do garoto, não fiquei os três dias, paguei um monte e saí. Então, esses conhecimentos foi importante entendeu ? Esse filme do garoto foi um erro que foi feito mas um erro que todo mundo fez de boa vontade, ninguém fez nada forçado. O pai do garoto estava junto, então são coisas que aconteceram.

Z- Não foi premeditado ?

SB- Não, aconteceu. Se me falarem que vai dar problema não tem problema. A gente se informa e eu não me arrepende de nada que eu faço. Nada, nada. Só pra resumir: aquele teatro pra mim era uma aposentadoria porque toda temporada eu podia livrar sessenta, setenta paus numa boa ou mais, líquido. Fiquei só três meses lá mas aquilo é só a tijolo e ferro que fica lá, você vai terminar em cana. Prefiro a liberdade que é a coisa mais gostosa do mundo, com um monte de buceta pra comer. Ficar em cana o cara vai pensar até em dar a bunda porque não tem buceta pra comer. Se ficar sem buceta eu morro ! Deus me livre. Se eu ficar...Nossa Senhora ?

Z- É a sua filosofia ?

SB- É o meu alimento. Meu alimento. Se eu tiver que ficar um mês sem comer e ainda ter de optar por comer ou ter uma buceta, eu quero morrer dentro de uma buceta. Não se importa se gorda, magra, branca não tem. O importante é ter buceta, o meu prato gosto e pronto, acabou.

Z- Você tem idéia de quantas mulheres você namorou ?

SB- Ah...Eu vou completar um número redondo agora no final do ano. Eu tenho uma média tinha que comer duas por semana, duas ou três por semana diferentes. Então, doze por mês, cento e quarenta e quatro por ano...aquele negócio até 2009 vai dar umas seis mil pessoas, esse é o meu limite. Depois, o que vier é lucro...sei lá, eu gosto.

Z- Como é a sua relação com o David Cardoso ?

SB- O primeiro filme que eu fiz eu peguei equipamento alugado do David Cardoso. Eu peguei alugado, paguei tudo direitinho pra ele, um cara muito legal, gosto dele, admiro ele. Só que hoje ele está muito mal de cabeça, está bebendo. A partir do momento que você entra nesse meio, você tem problema por ficar parado. Se eu não ficasse em Balneário do Camburiu por não estar mais viajando eu ia ficar neurótico, neuro. Não, não é isso, não tem nada haver estou administrando aquilo que eu tenho pra fazer uma estrutura legal pra aqui e pra fora. Estou com tudo na mão agora, o mais difícil já foi, graças a Deus está tudo comprado e eu vou fazer umas produções diferentes em cima daquilo que eu gosto de fazer que é o cinema, é o pornô, é as mulheres, uma coisa diferenciada e vai dar certo. Vai ter que plantar uma bandeira, no ano que vem eu vou estar na Feira Erótica com o “Soltando a Franga”.

Z- Que tipo de público os seus filmes atingiam na época ?

SB- Eu acho uma coisa interessante que na época eu atingi um nível assim povão. Hoje eu saio muito na rua, de carro ou a pé e a juventude me acompanha, que eles não viram os filmes meus. Não sei, acho que foi da televisão que eles me acompanharam da forma que eu sou, de me expressar, falar tudo que eu sinto. Porque normalmente as pessoas que fazem pornô não querem assumir: “Não, não fiz. Não, não sei”. Fala que fez por dinheiro, ninguém quer assumir nem os donos de produtora chegam em televisão e falam que são donos de produtora: “Não, eu tenho um negócio lá” e bate um testa de ferro e não quer assumir. Eu acho sexo uma coisa bonita porra ! Não tem nada haver se o cara dá a bunda é problema do cara, mas assuma o que tu faz então é essa facilidade de expressão que tema juventude. Não tenho nada contra ninguém, que fique bem claro isso mas eu estou pegando uma fatia da juventude. A partir do momento que eu lançar o filme no mercado, eles vão entrar de cabeça comigo porque eu falo a língua deles. O que eles gostam ? Gostam de liberdade porra ! Festa, eles não estão preocupados com o que vai acontecer amanhã, se vai dar filho, se não vai eles querem vincar o pau. É o que eu gosto.

Z- Você acha que com o Renalto Alves você estabeleceu uma parceria maior do que com o Zé Adauto ?

SB- Veja bem:o Adauto era diretor e o Renalto é câmera, ele ajudava na direção mas o negócio dele é câmera. Ele vai é meu câmera até hoje, inclusive está com um material novo meu fazendo teste que eu comprei pra pegar todos os dados, direitinho, como que vai ser feito, manuseio. Porque hoje é uma outra linguagem, não é 35 mm, é DVD, é diferente com menos luz. O Renalto vai continuar comigo.

Z- É seu maior parceiro em cinema ?

SB- Ah sim. É o meu maior parceiro meu porque faz o que gosta. Eu sempre trabalho com pessoas que fazem o que gostam, não pode fazer só por dinheiro porque se fizer porque gosta sai com tesão, amor. Tudo tem que ter tesão: é que nem uma foda, a mesma coisa. Se você gosta de fazer isso, vai fazer com tesão então vai fazer bem feito. Ou senão, vai tentar chegar ao melhor. Ele é um cara que eu nunca briguei, nunca discuti, um cara legal, cabeça e meu amigo. Amigos são poucos e ele é um deles.

Z- Onde você conheceu o pessoal que fazia filmes com você ? Porque era um elenco quase fixo: Feijoada, X-Tayla...Onde você conhecia essas pessoas ?

SB- Eles apareciam no meu escritório como apareceu o Zé do Cheque, apareceu muitas pessoas. A primeira vez eu não dava trela, mas a pessoa tinha que insistir, insistir pra dar papel porque aparecia tanta gente, muita gente. Então, eu só pegava os fixos, os Feijoada da vida, pessoas que trabalhavam comigo porque eu precisava ter uma equipe boa. Eu só olhava pro cara e ele já sabia o que eu queria, então isso é bom pra você estar numa equipe: você olha pro cara e ele já sabe o que você quer. Isso é o mais interessante porque você não faz nada sozinho, eu dependo das pessoas. O Feijoada é um cara que sempre dei conselho pra ele: “Feijoada, você é um baita cara legal, gosto de você mas para de beber, não pode beber”. Pegou um carro, deu contra um poste matou dois amigos e ficou cego das duas vistas. Fazer o que ? A gente dá a letra se o cara quis. Eu quero morrer afogado dentro de uma buceta, o cara quis dentro de um poste.

Z- Como é a sua dieta ? Porque me falaram que você se alimenta a base de banana.

SB- Eu se for no zoológico eu brigo com macaco porque eu gosto muito de banana. Eu sempre fui assim, nunca fiz dieta. Eu sempre tive tendência de engordar, mas eu nunca engordei sempre tive o mesmo peso desde o tempo que eu jogava futebol. Eu não como muito, passo fome. Eu como muita fruta, fruta eu como todo dia. Jantar, eu nunca janto, como fruta e a sobremesa é sempre buceta, o mais importante. Agora eu não gosto de ficar em churrasco, essas coisas não é comigo não.


Sady: pai de 35 filhos de 35 mães diferentes em seu habitat

Z- Mesmo assim, você está com 53 anos e funciona normalmente ?

SB- Graças a Deus. É lógico, normal...bicho, eu penso dessa forma: eu nunca fumei, eu nunca bebi e isso me ajudou muito. Nunca fiquei doente, me alimento legal e você sabe que você tem que dormir legal pra você transar legal e eu estou dormindo muito pouco, nervosismo. Mas quando me dá sono eu tenho que trepar, aí eu trepo, me dá sono e vou dormir. Eu não sei, lógico quando eu tinha vinte anos dava sete, oito fodas hoje posso diminuir duas, três mas continuo normal todo dia. Eu se não transar todo dia, eu tenho que bater uma punheta. Eu sou um punheteiro, por isso eu admiro os moleques punheteiros porque eu sou um punheteiro.

Z- Por isso você quer falar com esse público ?

SB- Mas esse é o meu público porque a maioria das pessoas da minha época eles até se lembram de mim mas eles são meio restritos. Ou viraram caretas ou eu continuei porque hoje em dia você tem que acompanhar a evolução da tecnologia e da juventude senão você vai ficar pra trás. Eu não estou aqui pra discriminar ninguém, nem a idade de ninguém, nem a classe social da pessoas mas sim a divulgação do sexo mais livre. Antes, não tinha esse espaço na televisão, rádio ou mídia mas hoje tem, então eu falo. Eu falo porque as pessoas, a juventude tem que saber disso porque tem poucas pessoas que vão na frente da televisão e falam e acho que eu vou transmitir via filme o que eles tem que fazer. Eu acho que um filme que eu quero mostrar muito pra juventude é o “Local Proibido”, esse filme vai ser rodado tudo em lugar proibido, tudo. Eu sei que vai dar problema, eu sei que vou pra cadeia, vou me complicar mas eu vou filmar “Local Proibido”, porque tudo que é lugar proibido eles vão trepar porque juventude não tem lugar pra dar uma foda, eles querem fuder, eles querem enfiar o pau, eles querem gozar. Eles não querem saber se a mulher gozou, eles querem eles gozar. Mas fazer o que ? Nem todo mundo tem essa expressão, então eu acho que tem que mostrar que é assim que é feito, normal. Eu quero entrar na língua deles.

Z- Como funciona essa determinação sua ? Que quando você quer fazer uma coisa você faz, não importando as conseqüências...

SB- Eu acho que foi porque com doze anos eu fiquei sem pai, sem mãe, sem irmão, sem irmã não tinha ninguém. E desde os doze anos eu tinha determinação por mim, eu fui aprendendo com determinado tempo. Geralmente, quando as pessoas ficam sozinhas, ficam abandonadas, vai pra estrada da vida ou vai roubar, mas eu aprendi a trabalhar. E com dezesseis anos eu tinha carro na mão e você com carro na mão, a maioria das mulheres é Maria Gasolina, e eu aprendi um caminho que se chama buceta. Então, carro, buceta, casa. Aí o que acontece: eu comecei a me determinar sozinho. Eu não dependia de ninguém, de trocar idéia com ninguém ou o conselho de ninguém. Eu fui continuando com as coisas da minha cabeça. Pra você ter uma idéia quando foi pra comprar o ônibus aqui a dezesseis anos atrás, os caras disseram pra mim: “Você vai bater a cara”. Se conselho fosse bom era vendido, se desse errado era problema meu e se desse certo também era problema meu. Então, quando eu tenho uma idéia na minha cabeça- como quando construí aquele teatro. Peguei todo meu investimento e construí, deu certo. Só parei porque os meus problemas de pensão alimentícia, então quando tem um negócio na minha cabeça eu cobro de mim. A minha expressão...acho que a liberdade é a melhor coisa do ser humano chama-se liberdade e eu sempre lutei pela minha liberdade.

Z- E a dos outros também ?

SB- Sim, exatamente. Ajudar as pessoas que eu puder ajudar. Se eu puder ajudar uma pessoa, eu ajudo com o maior prazer do mundo eu ajudo. Eu acho que eu não vou levar nada dessa vida no dia em que eu for embora. Então, porque eu não vou ser legal com as pessoas ? Se eu puder ajudar, eu ajudo mas não serve pra dialogar comigo as pessoas careta, aí não casa, não vira, eles falam que eu sou louco, então deixa pra lá. Se eu sou louco eu não sei, mas eu gosto e admiro as pessoas que tem liberdade de expressão.

Z- Você quando novo ia muito em cinema ?

SB- Sempre, sempre. Eu sempre fui em cinema, eu jogava futebol e ia no cinema. Eu me lembro que em Erechim que fui assistir uma vez um filme do Mazzaropi, nunca esqueço aquele filme. Ele pegava uma mala de dinheiro e queimava aquele dinheiro. Aí eu fiquei triste pra caralho, eu chorei de noite pensando que ele era burro, mas eu era mais burro ainda por não sabe que era um filme. Eu sabia que era filme mas não sabia que o dinheiro que estava queimando não era de verdade. Então, são coisas de criança mas eu sempre gostei de cinema. Eu sou fã do Sylvester Stallone.

Z- Até hoje você vê filme de vez em quando ?

SB- De vez em quando não, eu assisto filme todo o dia. Ontem a noite até assisti “O Fugitivo”, com o Harrison Ford, eu gosto desse tipo de filme, assim. Eu queria estar numa Hollywood da vida, lá os caras se arrebentam todo, tem estrutura. Mas nesses países que não tem, você tem que fazer o que é possível. Não dá pra fazer uma superprodução daquelas...eu quando vejo um monte de câmeras é o meu mundo, meu mundo é isso.

Z- Por isso nos seus filmes você bota um pouco de ação ?

SB- Ação ! Ação porque tu tem que não ter só sexo. Se você vai ver um filme começa com sexo, termina com sexo fica decadente, repetitivo, bota a mulher de quatro...quatro cenas de sexo, cinco cenas de sexo num filme fica tudo igual. Eu quero fazer diferente, agora vou entrar numa linha diferenciada e legal. Nos primeiros filmes, eu posso até errar alguma coisa por não ter uma equipe legal mas com o tempo eu vou ter uma equipe legal e vou chegar onde eu quero. Eu vou ser feliz, eu sou feliz até hoje porque eu tenho expressão, estou livre porque a cadeia é ruim pra caralho (rindo).

Z- Sady, dos seus filmes qual foi mais complicado você rodar ?

SB- Vários, assim. Mas eu acho que “Emoções Sexuais de Um Cavalo” complicou um pouco mais a minha cabeça porque foi o primeiro filme que eu fui dirigir, então aí me complicou um pouco. Eu fiquei sem alicerce, foi um desafio e eu caprichei mais naquele filme e foi um sucesso, foi legal. Um filme muito legal que o Feijoada era um cachaceiro e pegava as pessoas na rua, eu gosto de filmar na multidão, eu gosto de filmar externa com um monte de gente, eu me sinto bem. E aquele foi um desafio, agora o “Ônibus da Suruba II”, também foi complicado que a Polícia Federal me pegou, me prendeu, então foi complicações que eu tive. Mas eu fiz sabendo que ia acontecer...mas foi gratificante.

Z- Por exemplo, você fez uma continuação do “Ônibus da Suruba”. Você pretende outros filmes fazer outros assim ?

SB- Não. Eu tenho uns dezoito roteiros de títulos prontos e eu espero começar com “Atração Sexual” que é com a minha filha, senão eu vou começar com outro. “Local Proibido”...mas eu tenho várias, quando eu começar vai ser um atrás do outro, na paulera porque hoje vai ser diferente de antes. Antes demorava um mês e quarenta dias pra filmar e seis meses pra lançar, hoje não. Os caras estão fazendo um filme por dia, mas eu vou fazer um por semana, a cada dez dias fazer um filme tentar caprichar um pouco.

Z- O que você está achando dos jornalistas Fausto Salvatori e do Gio Mendes estarem fazendo a sua biografia ?

SB- Ah, eu acho muito legal. Eles tiraram isso da minha cabeça e eu liguei pra eles, e o Gio me falou: “Pô, nós estávamos afim de falar contigo pra fazer um livro”. E eu dei a idéia do título, não sei se você sabe o título do livro.

Z- Não sei.

SB- Ah ! Não sabe ?

Z- Não sei.

SB- O título que eu criei e não sei se eles vão fazer é “Toda Buceta Tem Um Preço” (gargalhadas). Se tu parar pra analisar todas elas tem um preço, elas não vem de graça. Se ela vem de graça hoje, amanhã ela vai complicar contigo, amanhã vai ter um filho com você ou vai te cobrar alguma coisa. Se tu casar, tem que conviver com ela, todas elas tem um preço. Se for sair com uma garota de programa, você tem que pagar pela buceta. Porque não vai lá pela pessoa, você vai lá por um fincão pela buceta, então toda buceta tem um preço.

Z- Você já foi apaixonado por alguma mulher ?

SB- Não, nunca. Eu nunca fui apaixonado. Os caras dizem que eu sou muito gelado, muito frio nesse lado mas eu sou apaixonado por uma foda, por uma buceta tipo por essa morena que está vindo (Sady aponta para uma mulher que passa pela reportagem da Zingu! no mesmo momento). Não sei, eu sou assim. Eu sou apaixonado pelo ato, pela mulher. Mas paixão assim que nem os caras não dormem, se matam por causa da mulher ? Ora, dá um tempo cara...Oh brother ! Eu acho muita burrice dessa parte. Porque eu respeito os amigos e as pessoas que trabalham comigo, principalmente os caras que tem namorada, tudo porque eu acho que um amigo é difícil você ter e mulher tem um monte por aí. Eu não misturo as coisas porque mulher é o que mais tem pra dar. Então, se você se apaixona por uma pessoa você vai conviver só com ela, eu não posso cumprir a minha meta. Como eu vou ter uma mulher em casa e sair por aí trepando com as outras ? Então, eu sou um cara que gosto de dormir com uma hoje, dormir no apartamento da outra amanhã, dormir num motel ali, no carro, seja onde for. Eu gosto de liberdade, chama-se liberdade sexual.

Z- Da sua época você namorou a Zilda Mayo, mas teve outra que se tornou famosa ?

SB- Não, eu tive um rolo com a Matilde Mastrangi e aí foi a separação da Zilda. Mas umas por ai que nem cito, que nem estão no mercado faz tempo. Mas é uma buceta a mais, não muda nada. A única frase que ficou da Matilde Mastrangi pra mim é uma frase: “Homem é que nem papel higiênico, a gente usa e joga fora”. Boa, gostei, boa. A frase está comigo até hoje.

Z- Qual o tipo de mulher que você mais gosta ?

SB- Gosto de loira, alta, peitão, grandona. Maior que eu. Eu sempre gostei de mulher maior que eu. Eu tenho uma frase: “Pequeno chega eu e o meu ordenado” (rindo). Eu gosto de mulher alta, peitão. Eu não gosto de vaca, mais gosto de peito grande.

Z- Na época dos seus filmes na Boca, nos anos 80 você aparecia muito no “Notícias Populares”. Como isso acontecia ? Você gostava de aparecer ou eles corriam atrás de você ?

SB- Não, eles que corriam atrás de mim, eles nunca vinham atrás de mim tipo televisão agora que deu esses problemas todos. Até esses dias eles me ligaram pra ir fazer o “Super Pop” de novo, mas eu falei: “Deixa eu começar a filmar que eu vou de novo”. Eu nunca fui de correr atrás, eu faço um trabalho e se acontecer, normal. Mas eu era um pouco diferenciado naquela época e por isso eles me procuraram. Porque tem muita gente que faz um pequeno trabalho e quer dar uma de metido, não dá bola pras pessoas. E eu não sempre fui legal com os repórteres, pessoas que me queiram entrevistar e isso é uma coisa que você ganha das pessoas. Você não ganha mais que ninguém, eu sou um ser humano igual a todos os outros, não tem nada haver. Eu nunca fui dar uma de metido, eu sempre fui humilde. Eu me sinto bem sendo assim, tem muitas pessoas que me perguntam: “Por que você é assim ?”. Mas eu sou assim e vou procurar continuar sendo assim, eu gosto de ser assim. Eu não sou mais que ninguém, então é aí que a imprensa corta muito essas pessoas e é aí que o espaço que sobra pra mim.

Z- Você acha que de cinema de sexo extremo da Boca você foi o único realizador ?

SB- Não, eu não posso me classificar, eu acho que são as pessoas que podem me classificar, me julgar. Mas cada um tem um segmento, uma cabeça, um lado profissional que vai prum lado, vai pra outro. Mas eu sempre tentei ser diferente e eu gosto de ser diferente.

Z- E você gostava de ver os filmes de pornochanchada da época ?

SB- Gostava, lógico. Eu quando entrei em São Paulo, no mercado eu ia assistir, fazer participação na “Família Bozo” que eu levava bolha e água na cara todo dia, eu ficava feliz da vida por levar bolha e água na cara. Carlinhos Aguiar quando trabalhava comigo é meu irmão, meu brother o que faz as pegadinhas, meu amigão. Então, eu me sentia bem com aquilo e eu ia assistir filmes das pornochanchadas e já me imaginava na tela.

Z- Já se imaginava na tela ?

SB- Já, por isso eu me desliguei do mercado e falei: “Esse é o meu caminho”. Eu sempre procurei o meu caminho porque eu acho que você tem que procurar, porque ninguém vem atrás de você pra te dar oportunidade. Você tem que correr atrás dela e sabe por que eu me sinto bem ? Porque eu vivo num país de cento e oitenta e cinco milhões de brasileiros. E pra tu viver num país de cento e oitenta e cinco milhões de brasileiros e você ser alguém tendo destaque você tem que ser um pouco diferente, você tem que correr atrás dela. Por isso, eu admiro um jovem como você com a cabeça que você tem porque já me falaram que você é muito inteligente. Se fosse burro, estava fazendo outra coisa.

Z- Por exemplo, o David Cardoso nos filmes dele gosta dele pegar a mulher, participar das cenas eróticas, fazer o ato. Nos seus filmes, você mais incita as pessoas a fazerem.

SB- Eu sempre fazia um tipo assim, um vilão porque ás vezes eu não tinha um ator bom do meu lado, então ás vezes me prejudicava na minha cena porque eu estava ensinando a pessoa com outra que estava contracenando comigo e me preocupar em cortar a cena. Isso me prejudicou o meu trabalho...você estar do lado de um fera, de um bom ator, a tua interpretação vai ser melhor, então se você se ocupa muito de ficar com mulher foge o outro lado. Eu tinha que ter cabeça, a história tinha que ter cabeça. Eu sempre fui nesse lado, uma coisa que eu me sinto bem nisso.

Z- Como você conseguiu juntar dinheiro pra ser produtor ?

SB- Quando eu me desliguei dos meus pais adotivos e naqueles anos de casa eu fiz meu acerto e caí fora. Eles falaram pra mim: “Você vai voltar”. Eu sabia que ia, mas não voltava porque você tem que ter uma força de vontade muito grande pra tu vencer porque esse mundo, é um mundo cão que ninguém é amigo de ninguém nesse mercado. É um mercado muito podre, mas amigo: esse mundo é um país de cobra, então tem que se virar no meio delas. Fui eu que procurei esse caminho, então eu tenho que me virar nelas.

Z- Qual era a maior dificuldade na época ao fazer um filme explícito ? Distribuição ? O que era ?

SB- A parte chata e delicada é essa parte. Porque você fazia o filme, entregava na distribuidora e você não tinha o controle de quantas cópias...quer dizer, as cópias você sabia: uma estava aqui, outra na Bahia, no Nordeste, no Sul ou no Mato Grosso. Você não sabia se no Nordeste veio dez milhões ou veio cinco...Pra resumir tudo isso: depois que todo roubava sobrava pra mim. É complicado, mas eu fazia porque gostava. Hoje o controle já é diferente, então por isso que hoje eu estou montando a minha distribuidora, além da produtora uma distribuidora. Por isso, estou demorando um pouco, pra entrar a pessoa certa e cada uma pegar o seu lado e fazer. Então, acontece o seguinte: hoje tu vai ter mais controle, mas nem tanto porque tem a pirataria. De uma forma ou de outra, você sempre vai ser roubado. Mas sempre sobra algo pra mim. O importante é as bucetas.

Z- Mas na época você sabia que era roubado ?

SB- Lógico, eu sabia que era roubado. Eu chegava na distribuidora e dizia: “Depois que todo mundo roubou, quanto sobrou pra mim ?” (risos).

Z- Sady, o que era mais difícil: ser ator, diretor ou produtor ?


SB- Difícil não tinha nada. Porque quando você faz um negócio que você gosta, você faz com tesão, então não tem dificuldade nenhuma. Então, nada era difícil porque eu não acho dificuldade nessas coisas, porque você faz o que gosta. Acho que a coisa mais gostosa é isso: fazer o que eu gostava que pra mim era ótimo.

Z- Você se descobriu no cinema ? É a coisa que você mais gosta de fazer ?

SB- Sim, é o meu rumo, minha vida. Eu já tive oportunidade de ter outros negócios, mas eu falei: “Não, porque vou fazer uma coisa que eu não gosto ?”. Não é a parte financeira, é aquilo que eu acabei de falar pra você, eu poderia ser milionário mas o que me adiantaria ? Eu seria infeliz. A minha felicidade é estar com você, falando com você que é jovem, garoto que está aprendendo, se descobrindo e uma das coisas mais felizes que a gente tem na vida porque o tempo passa. O que adianta eu chegar lá com setenta anos, rico e me perguntar porque eu não fiz aquilo lá ? Já foi amigo, aproveita hoje e amanhã já era meu. Então, eu aproveito e se eu morro hoje, morro feliz.

Z- Você é religioso?

SB- Sou, sou católico.


A primeira comunhão do mestre do explícito extremo.
Rio Grande do Sul, 1963

Z- Você freqüenta igreja?

SB- Vou, vou. Não é sempre, mas esses dias eu estava numa igreja na Consolação mas quando fui marcar no carro duas senhoras falaram assim: “Olha ali, mas é um cara de pau”. Eu não ia discutir com as duas senhoras, não importa as cabeças delas, não vou discutir, explicar nada mas eu sou católico. E não sou contra quem é crente, quem tem uma religião diferente.