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Dossiê John Huston

UMA AVENTURA NA ÁFRICA
Direção: John Huston
The African Queen, EUA /Reino Unido, 1951.

Por Daniel Salomão Roque


"Uma Aventura na África" é uma perfeita iniciação à filmografia de John Huston: o leitor que não conhece nenhum dos filmes do cineasta pode muito bem começar por esse, e terá uma idéia bem nítida do que esperar dos outros. A obra em questão não apenas é muito representativa de um tipo de cinema que já não existe mais, como também reúne algumas das principais obsessões do diretor: o espírito aventureiro, a preferência pelo exótico, intriga, romance e, claro, Humphrey Bogart.

Tudo tem início em terra firme; Rose Sayer (Katharine Hepburn) é uma missionária católica que, em plena Primeira Guerra Mundial, alfabetiza e ensina catequese aos nativos de uma colônia britânica na África. Durante uma ofensiva alemã, a aldeia em que vive é incendiada e o terror toma conta dos habitantes. Em meio a toda essa confusão, o irmão de Rose - também missionário - machuca-se seriamente, vindo a falecer poucos dias depois. Profundamente entristecida, a dama encontra apoio emocional na figura de Charlie Allnut (Humphrey Bogart), o desocupado e alcoólatra capitão do barco African Queen. Movida por um imenso patriotismo e uma vontade louca de se vingar, a missionária convence Charlie a embarcar com ela numa missão quase impossível: juntos e a bordo do African Queen, eles atravessarão um enorme rio e dinamitarão o imponente navio militar da Alemanha.

Ao contrário do que se poderia imaginar a respeito de uma co-produção norte-americana e britânica que tem a África como cenário, a fita não é abertamente eurocêntrica. O colonialismo, longe de servir como propaganda ou afirmação de uma suposta superioridade da civilização ocidental, é mostrado apenas como pano de fundo do relacionamento entre Charlie e Rose. Afinal de contas, muito mais do que uma epopéia grandiosa no continente africano, a obra é um pequeno fragmento de duas vidas e personalidades diametralmente opostas. Se por um lado ela é fina, educada, elegante e aparentemente cheia de auto-confiança, por outro ele é rústico, indisciplinado, cínico e beberrão. Ao decorrer da trama, este contraste extremo, por força da convivência, se transforma em grande empatia, que por sua vez será o fator determinante para o início de uma relação amorosa entre os dois. O African Queen, além de servir como palco deste verdadeiro caleidoscópio de emoções humanas, é também um personagem à parte: as falhas no funcionamento de suas engrenagens, a influência que exerce no andamento do enredo e o forte grau de ligação existente entre o barco e Bogart fazem com que nos afeiçoemos pelo singelo veículo como se este realmente fosse um ser dotado de sentimentos.

Para o cinéfilo que já teve a oportunidade de assistir "Uma Aventura na África", não é difícil de entender o porquê deste filme ter se tornado um clássico. As atuações são viscerais, dotadas de uma enorme carga emotiva; a fotografia explora com maestria a deslumbrante e riquíssima geografia do continente; o roteiro desenvolve de forma espetacular as personagens, sem ser chato ou redundante; e por fim, temos a direção de um Huston no auge de sua forma: sóbrio, discreto e equilibrado.

Uma pequena curiosidade: apesar de estar muito convincente no papel de religiosa, Katharine Hepburn era atéia convicta.



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