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Clássicos de Prestígio

Por Gabriel Carneiro

Tarde Demais para Esquecer
Direção: Leo McCarey
An Affair to Remember, EUA, 1957.

Tarde Demais para Esquecer é o clássico por excelência no sentido da atemporalidade – e da eternidade -, pois da primeira à última cena, não nos vemos presos a um contexto definido. Não há um painel histórico por trás – como em Casablanca -, nem um objeto a qual se prender para desenvolver a história – como em Desencanto, em que o trem assume um papel (quase) central, e hoje é algo quase obsoleto -, menos ainda uma ideologia clara – como nos filmes do Capra. O grandioso foi estabelecer uma linha de desenvolvimento simples, que mesmo tendo pontos notáveis de certos períodos – é evidente que a televisão em massa estava apenas no começo, por exemplo -, contando uma história de amor universal, sincera e de apelo emocional sem abusar dos artifícios melodramáticos. É um filme belo, por assim ser, não por te fazer chorar e/ou soluçar.

Refilmagem de Duas Vidas, também dirigido por McCarey, Tarde Demais para Esquecer usa artifícios badalados no gênero. Há, não só no habitual romance, mas em qualquer forma de narração o intuito de criar uma atmosfera que possa ser ao menos recompensadora. Ou seja, devem-se criar obstáculos e imprevistos para uma história ter em sua continuidade o interesse. Seria chato, de tão fácil, se simplesmente Nickie e Terry não tivessem estabelecido um prazo ou uma condição para o reencontro no topo do Empire State Building (o mais perto do céu em NY). As dificuldades que surgem, e a não aparição de Terry, dão ao filme um novo impulso, e o uso da ironia dramática nos apreendem para o momento final. Pois sabemos o que ocorre com cada um, e sabemos o que cada um sabe. O discurso de Terry e sua postura diante do ocorrido ganham grande dimensão numa história intrincada, em que o dito verdadeiro amor está acima de tudo, exceto do orgulho.

Analisando a película mais friamente, percebe-se que ela não passa de uma batalha entre o verdadeiro amor e o orgulho. E quem dita as regras na maior parte das vezes é o orgulho; raras são as ocasiões em que a paixão fala mais alto. Um dos melhores exemplos é a cena em que, após brigarem, sentam-se um de costas para o outro, sem saberem, tendo ao fundo as gargalhadas dos tripulantes e passageiros. O orgulho assume um papel de obstáculo. Nickie é orgulhoso demais para fazer com que seus quadros sejam vendidos sob a égide do playboy solteirão mais famoso da cidade, assim como Terry esconde o verdadeiro motivo de ter faltado ao encontro. E é nesse último caso que o confronto se finca. A beleza é de que independente do vencedor, ambos continuam com seu papel importante no desenvolvimento da história. Afinal, privam-se do amor pela dita dignidade pessoal. E que obstáculo é mais humano do que si mesmo?

Outro caráter importante na película é a transformação dos indivíduos pelo simples fato de trabalhar. Sustentados pelos respectivos cônjuges, Nickie e Terry, ao se prometerem em casamento, abandonaram o “sangue-suguismo” e foram à luta. Terry volta a cantar em bares e cabarés, profissão que deixara de lado ao se juntar com o ex-noivo. Nickie segue sua vocação e se dedica à pintura, um tanto quanto amadora, que se estabiliza na qualidade com as guinadas e baques de sua vida amorosa. O auge vem com o quadro da “santa”. A importância que suas respectivas novas carreiras ganham, mudam a cabeça das personagens, visando a passagem do tempo e assim de suas amarguras.

À parte das estrelas Cary Grant e Deborah Kerr, as cenas são roubadas por Cathleen Nesbitt, como a avó Janou. Ela é a voz da emoção racional. É ela que mostra a singeleza e harmonia na convivência até então turbulenta entre os protagonistas. O “paraíso” que é sua morada é engendrado num plano religioso, com inclusão da capela, mas o tom bucólico é o que mais chama a atenção. Plantas cercam o local, assim como o silêncio e a tranqüilidade. Não há meios de comunicação externos com visibilidade, e é esse encanto que cria a atmosfera de romance na película. Aliás, a conveniente parada na França faz com que engatinhemos para o segundo ato da trama, em que a música passa a ser fundamental. O uso dá música acaba se dando como ponto de encontro entre as almas das personagens. O tema “An Affair to Remember”, de Hugo Friedhofer, torna-se recorrente na obra à medida que os dois parecem se afastar. A interrupção dele pelo sinal sonoro do navio funciona como pista para o que ocorrerá, e o que parece, só Janou consegue restabelecer a harmonia de volta aos seus corações. Em outros momentos vemos exaustivamente números musicais na vida de Terry, que poderia ser muito bem interpretado como à volta de um momento para ela glorioso, que em sua nova realidade refuta.


"de costas para o outro, sem saberem, tendo ao fundo
as gargalhadas dos tripulantes e passageiros"

Talvez o maior mérito do filme seja a condução de Leo McCarey. Notório por comédias, faz em Tarde Demais para Esquecer algo que não se torna grudento. Tão presente quanto o romance, está a comédia, sem, em momento algum, se tornar uma típica comédia romântica atual. Isso que é maravilhoso em diretores como McCarey, são poucos que atingem um grau de elegância em sus filmes sem cair em banalismos. Um exemplo disso, para quem viu a última apresentação do Oscar (2007), é a montagem de Nancy Meyers em homenagem aos roteiristas. Pomposa e rechaçada, ela mostra com a vida de um roteirista é difícil ao som do tema de Missão Impossível. É essa mulher que faz comédias românticas hoje em dia. O filme não se enquadra propriamente nesse gênero, mas a descontração das personagens e do espectador corrobora para o clima despretensioso. Embora nos deparemos com uma linda história de paixão, são os momentos cômicos que carregam boa parte da trama.

E tudo graças à supressão das imagens melodramáticas, cortando bem quando elas irão começar.




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