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Clássicos de Prestígio

Por Gabriel Carneiro

Entre Secos e Molhados
Diretor: Edward Sedgwick
What! No Beer?, EUA, 1933.

Em 1933, o cinema sonoro já havia se estabelecido. Mesmo com a Crise da Bolsa, em 1929, o público ainda ia ao cinema, e procurava o que havia de novo. O cinema sonoro pegou. Com isso, muitos astros do cinema mudo sumiram, perderam a glória. O exemplar Crepúsculo dos Deuses, de Billy Wilder, fala muito bem sobre essa decadência, tendo participação, inclusive, do astro desse Entre Secos e Molhados. Para continuar fazendo filmes, Buster Keaton se rendeu ao cinema sonoro, muito antes de seu “rival” Charles Chaplin.

Entre Secos e Molhados é uma ótima sátira aos tempos conturbados da Lei Seca. Quando a população vota ‘não’ à Lei Seca, um barbeiro tem a idéia de montar uma fábrica de cerveja, para já ter pronta entrega no dia seguinte. Para isso, precisa do dinheiro do seu amigo taxidermista. Ele é convencido e gasta suas economias. Só que eles não sabem fazer cerveja e a lei ainda não fora revogada: o negócio não vinga. Quando descobrem os artifícios, tornam-se clandestinos, e as confusões com os mafiosos é só uma questão de tempo.

O filme é quase um duelo entre o cinema mudo e o sonoro. Uma deliciosa mistura de um Keaton decadente e de um Durante aspirante. Buster Keaton foi um grande astro, que se perdeu, não soube se inovar. Jimmy Durante foi um grande comediante da era do cinema falado. Durante havia começado no cinema três anos antes, Keaton teria ainda muitos anos de papéis pequenos e ingratos. E Entre Secos e Molhados seria o casamento perfeito de duas diferentes artes cômicas.

Jimmy Durante é quem comanda as piadas. O pastelão para ele coloca-se em segundo plano, fazendo sempre uso do verbal. É ele quem conduz a história, quem faz as decisões. Keaton é seu oposto. Fala pouco, e é sua ausência de falas que cria os momentos de graça. Ao contrário do parceiro de cena, que só tem uma gag, ele as domina, usando-as sempre quando quer extrair algo mais do momento. Keaton mantém no filme inteiro a cara séria, e isso é um dos motivos para ele se achar em tantos problemas. É o típico ingênuo, de bom coração, que só quer constituir uma família, com a garota por quem se apaixonou, e que nem sabe quem é. É o motivo para ser apelidado de “gênio”.

Uma das cenas mais emblemáticas desse confronto é quando a polícia está preste a invadir o local. Enquanto Jimmy argumenta com os bandidos, lamenta a derrota, e chama o parceiro de louco, Buster simplesmente levanta e se joga dentro de um barril, a ser rolado à saída. É o físico a parte funcional da cena, é engenhoso, certamente, mas é assim que o pastelão deveria ser.

Entretanto, é notável ver a criatividade das situações engenhosas. Muito mais engenhosas do que em parte dos filmes anteriores de Keaton. Em Marujo por Encomenda (1928), o ator-diretor preocupa-se muito mais com a manutenção dos objetos, pois são eles que propiciam as gags. O tempo todo está interagindo com algo. No filme acerca da Lei Seca, os objetos sofrem com as gags. Keaton provoca as situações, é ele que faz a cerveja, é ele que usa um martelo para prender a tampa na garrafa. Entre Secos e Molhados coloca em prova a natureza do bom roteirista, que consegue conjugar de maneira tão envolvente a comédia do melhor de Buster, com as tiradas de Durante. O comediante do período mudo cria uma atmosfera ao seu redor, e o do sonoro a manipula. O filme funciona como um dueto, muito mais do que um duelo.

Entre Secos e Molhados funciona como uma sinfonia em perfeita harmonia entre os instrumentos dissonantes. De um lado a glória do passado, e do outro a voracidade do futuro. Incrível como Keaton soa mais autêntico falando, e como consegue explorar tão bem mo que está ao seu redor. Um filme a se conhecer, certamente.




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