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Especial Augustas
Entrevista com Francisco César Filho

Por Gabriel Carneiro
Fotos de Tainá Tonolli

Francisco César Filho, o Chiquinho, já trabalhou em muitos setores culturais e do jornalismo. Aos 50 anos, e dirigindo seu primeiro longa-metragem, um projeto ficcional, ele já tem em sua bagagem prêmios do festival de Brasília e de Festival de Oberhausen (Alemanha), além de competir nos festivais de Locarno, Roterdã e Nova York. Nos últimos anos, paralelo à sua carreira audiovisual, trabalhou com curadoria e produção de eventos culturais e assessor de imprensa, entre outros. É também o mestre de cerimônias oficial do Prêmio Jairo Ferreira. Muito simpático, não hesitou em falar do cinema brasileiro atual, e de seu novo longa como um produto essencialmente paulistano.

Z – Como surgiu a idéia de fazer o Augustas, de adaptar A Estratégia de Lilith?


FCF – Foi uma proposta do próprio autor do livro, o jornalista Alex Antunes. Um dia ele me perguntou: “você gostaria de adaptá-lo para o cinema?” Eu já conhecia o livro - sou meio personagem do livro –, e respondi que não sabia. Ele insistiu: “leia de novo, leia com olhos de cinema”. Quando reli o livro, percebi que - além da história maluca que o livro conta, de muitos transes xamânicos, da procura do entendimento das mulheres, etc -, havia a captação muito feliz de uma certa pulsação, de uma certa energia, que eu reconheço na cidade de São Paulo. Nunca a tinha visto captada com tanta felicidade em alguma obra de arte, fosse filme, livro, ou outra forma. Se o filme conseguir transpor parte da energia, parte da pulsação, parte da vibração, que o livro contém como pano de fundo, seria o filme que melhor captaria a São Paulo que eu vivo e conheço. Propus-me a esse desafio, então. Nesses últimos anos, tive que desenvolver o roteiro, captar o dinheiro para a produção, para então A Estratégia de Lilith virar Augustas.

Z – Por que depois de tanto tempo voltou para o cinema?

FCF – Na realidade, o meu entendimento de audiovisual é um pouco mais amplo do que direção de longas-metragens, ou de curtas-metragens, por exemplo. Nesses últimos dez anos, eu dirigi muita coisa para televisão, fiz documentários... Em 1996, fiz um documentário para a abertura do longa Um Céu de Estrelas [da Tata Amaral]. Em 2001, fiz um documentário com um adolescente do ABC, co-dirigido pela Tata Amaral, chamado VinteDez. Em 2007, fiz um documentário sobre a região do Jabaquara, para uma série da Secretaria Municipal de Cultura e da Secretaria Municipal de Educação. E fiz um filme para celular. Ao longo dessa última década, realizei uma vasta gama de atividades ligada ao audiovisual, isso sem falar à produção de eventos, curadorias, etc, que não são exatamente direção de longas-metragens. Para mim está tudo no mesmo campo, não tenho fetiches. Não acho que longas-metragens seja mais nobre do que um filme para celular, por exemplo. Considero que nunca parei de mexer com audiovisual, essa é minha profissão.

Z – É um filme essencialmente paulista...

FCF – É muito São Paulo! Sou muito fissurado, muito apaixonado pela cidade de São Paulo. Os meus curtas, em sua maioria, já tratavam de aspectos da realidade paulistana, focando principalmente em movimentos transformadores, e tendo como protagonistas jovens. No Augustas, não há protagonistas exatamente jovens, são pessoas um pouco mais maduras. Todas elas, porém, têm um pano de fundo de efervescência cultural, que aconteceu nos anos 80. Esse pano de fundo está no livro, e ele se preserva no filme. Foi uma década muito especial para São Paulo, porque eclodiram movimentos muito em sintonia com a vanguarda do mundo – a vanguarda londrina, a vanguarda nova-yorkina, etc -, que não tinha parentesco com outras cidades do Brasil. Isso vale principalmente para a música - um certo movimento de música underground que aconteceu naquela década -, vale para o jornalismo – aqui aconteceu uma verdadeira revolução no jornalismo naquele momento -, vale para o cinema de curta-metragem - que originaria um dos mais importantes princípios da retomada do cinema brasileiro. O livro, o Alex Antunes, e a turma que está retratada no livro, foram protagonistas naquele momento, e é uma turma na qual eu estava inserido. Ao contar essa história, de certa maneira, estamos resgatando um pouco dos ideais, da vivência daquela turma que era muito jovem nos anos 80.

Z – Se a trilha sonora é a música underground de São Paulo, porque foi chamar justamente artistas underground de outros estados, como o Vanguart, que é do Mato Grosso?

FCF – Vou te responder de acordo com as palavras do Alex Antunes, que é o produtor dessa trilha. Ele foi um observador daquela cena dos anos 80, como jornalista, e foi protagonista enquanto músico, na banda Akira S. e As Garotas que Erraram. Ele considera que hoje, no Brasil dos anos 2000, estamos vivendo um momento que tem um certo parentesco com aquela inclusão dos anos 80. E se naquele momento era em São Paulo, hoje está acontecendo no circuito que podemos denominar de fora do eixo. Ele, enquanto produtor musical, identifica alguns dos momentos criativos mais interessantes da atual música pop brasileira em Cuiabá, em Belém, em Fortaleza, em vários outros centros. Há gente de São Paulo também, tem gente de Recife... Hoje essa inclusão é mais nacional, e as bandas, que hoje que seriam equivalentes àquele momento, estão espalhadas. Se naquele momento era Fellini, Voluntários da Pátria, Mercenárias, Akira S. e As Garotas que Erraram, todos paulistanos, hoje é Vanguart, que é de Cuiabá, é Montage, que é original de Fortaleza, é Madame Satã, que é de Belém do Pará, e por aí vai.

Z – O que você acha da Academia Brasileira de Cinema? Você acha que ela tem algum papel maior agora no cinema, algum reflexo na própria divulgação do cinema?

FCF – Academia que faz o prêmio Grande Prêmio de Cinema Brasil?

Z – Isso.

FCF – A Academia tem um papel a cumprir numa certa institucionalização dos valores da indústria cinematográfica brasileira perante a opinião pública. Percebemos que nesses poucos anos de existência, ela já criou uma imagem pública muito interessante, principalmente centrada no Grande Prêmio de Cinema Brasil. É importante para uma indústria cinematográfica que se pretenda ser indústria. É bacana isso, é necessário, é uma das facetas necessárias. Não é exatamente a minha praia, mas é uma das facetas necessárias.

Z – Você acha que a formação dessa indústria é tentar fazer algo fora do padrão Globo Filmes?

FCF – Esse é o grande desafio. Uma das coisas mais bacanas do cinema é que não tem ciência. Se houvesse fórmulas seguras, Hollywood acertava todas, e acerta um em dez. Sempre tem o fator do imponderável, que é o fator surpresa. De qualquer maneira, é necessário que uma cinematografia, independente da nacionalidade, manifeste-se nas várias estéticas, nos vários modelos de produção. Nesse sentido, tão importante quanto ter um cinema de ponta, de pesquisas de linguagem, que traga novas possibilidades para a linguagem cinematográfica, é importante que exista um cinema com uma vocação mais industrial, com vocação de chegar a ponto de ser auto-sustentável. Isso tudo é uma utopia, é um sonho, um objetivo, mas é uma utopia que nós devemos perseguir. Deve-se coexistir. O ideal seria que coexistissem vertentes mais populares, mais industriais do cinema, ao lado de outras que pesquisem e desvendem novas possibilidades de linguagem.

Z – Ao fazer esse filme, você teve alguma influência? Inclusive na retratação de São Paulo, como o Khouri, que retratava a urbanidade da década de 60 como ninguém?

FCF – Quando fazemos um filme, ou alguma outra forma de expressão artística, está-se colocando tudo que você recebeu de influência ao longo da vida. Eu tenho meu panteão particular de cineastas, e trabalhos de cineastas que abordaram a cidade com muita felicidade. O Khouri é um deles, mas, mais que o Khouri, o Luís Sérgio Person, do São Paulo S/A, é uma influência muito grande. O impacto que São Paulo S/A, até hoje, cada vez que o revisito, exerce sobre mim é muito grande. Eu vejo ali o lado dramático e o lado feliz de viver numa metrópole como São Paulo, retratado de um jeito muito profundo, muito denso, muito lancinante, muito vigoroso. Os filmes do Carlão Reichenbach, que tem a cidade como personagem, como paisagem, também são muito influentes. Além de toda a minha geração, que retrata São Paulo. Os filmes da Tata Amaral, os filmes do Beto Brant, os filmes do Roberto Moreira... São todas obras que tiveram um impacto sobre mim, e, de alguma maneira, já fazem parte do meu imaginário, da minha expressão.

Z – Como estão as filmagens? Estão sendo tranqüilas?

FCF – Incrivelmente. Temos um orçamento muito pequeno - é um filme chamado de baixo orçamento -, que ganhou o edital de baixo orçamento, um edital feito para filmes baratos e que te impede de ficar captando novos valores. É para ser feito naquele valor. Estamos filmando na rua, com som direto. Há algumas equações que poderiam ser complicadas, complicadoras, por exemplo, filmar em poucos dias, filmar com pouco negativo, etc. Hoje é o último dia de filmagem, e estamos encerrando essa etapa do filme tendo cumprido plenamente o plano de produção, sem estourar nenhum dia. Estamos cumprindo essa etapa com sobra de negativo, que é uma coisa que no começo do trabalho ninguém acreditava que pudesse acontecer. Mais tranqüilo que isso, impossível. Estamos muito felizes, do ponto de visto da produção do filme.

Z – Já tem previsão para acabar o filme?

FCF – Nós já temos o planejamento de ter um corte do filme em setembro, para submeter a alguns festivais no Brasil e no exterior, e ter cópias no final de novembro. E a partir daí trabalhar o lançamento, que deve ocorrer no primeiro semestre de 2009.



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