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Clássicos de Prestígio

Por Gabriel Carneiro

Beco sem Saída
Direção: William Wyler
Dead End, EUA, 1937.

Primeiro grande filme de William Wyler, célebre diretor clássico, que faria na mesma década Jezebel e O Morro dos Ventos Uivantes, é bem sintomático em relação ao contexto histórico retratado. Beco sem Saída é um filme de gângster, na década dos filmes de gangsteres – acuados pelo recesso econômico da Grande Depressão e com o decreto da Lei Seca, os EUA se viram ofuscados pela miséria e pela ascensão do criminalismo, em especial do gangsterismo.

O filme relata a história de um bairro pobre, que fica atrás de um prédio de ricaços. Enquanto crianças e adolescentes ficam marginalizados, pelos cantos da rua, alguns poucos adultos honestos tentam se sustentar e buscar uma vida melhor. Esses adultos são representativos do american way of life, da esperança na América, do sonho – mesmo que humilhados e maltratados, eles continuam a luta quase solitária que travam a cada minuto. Os jovens não têm perspectiva, só pensam em brigas, balbúrdias e em conseguir dinheiro fácil – esses jovens, em 1937, são os que quando muito novos viram o colapso de uma sociedade, são filhos da desesperança. Quando aparece um gângster profissional, ‘Baby Face’ Martin, que foi criado naquela vizinhança, vê-se o perfeito contraponto dos esperançosos – em um momento do filme, Martin diz que foi esperto de não estudar e trabalhar como camelo, como um dos antigos colegas, porque pelo crime ele havia obtido muito mais sucesso financeiro do que o outro que estudara.

Era um tanto comum que esses filmes tratassem com muita sinceridade a realidade da época, de forma romantizada, claro, mas sem esquecer a essência e angústia dos dramas contemporâneos – porém, anos antes do estilo noir infiltrar-se nos dramas criminais, o final era sempre feliz (e isso é parcial – até que ponto é feliz mesmo só porque o bandido perde?). Assim como fizera Howard Hawks em Scarface – A Vergonha de uma Nação, William Wyler filma a decadência do gângster – e filmar a decadência do gângster é filmar a decadência do homem e daquela sociedade marginalizada. Reflexos claros daquele mundo pós-1929 e pré-2ª Guerra Mundial, da incerteza.

‘Baby Face’ Martin, interpretado por Humphrey Bogart em um de seus primeiros grandes papéis, é a síntese do sistema – e é também a solução. Ele representa a falência como um todo: não só a falência moral e do homem – ele é incrédulo ao moralismo e aos costumes -, mas do sistema financeiro – ele é reflexo da crise e da Lei Seca -, penal – ele passou pelo reformatório juvenil –, e matrimonial – ele não pensa em casamento; quando pensa, descobre que a garota da juventude tornara-se prostituta. Nesse último segmento, vemos mais uma falência, tudo por conta da miséria da depressão: a mulher, para não passar fome e submeter a péssimas condições de vida, vende seu corpo, abnegando-se do sistema – ela é marginalizada por ela mesma.

Para isso, a fotografia de Gregg Toland (um dos mais importantes e prolíficos diretores de fotografia do cinema clássico, que trabalhou em As Vinhas da Ira e Cidadão Kane, entre outros) é essencial. Sóbria, escura e bem contrastada, é a emoção viva das personagens de Joel McCrea e de Sylvia Sydney (em seu grande ano no cinema, tendo também feito Vive-se Só uma Vez). Wyler sabe que para criar a atmosfera necessária para um conto urbano cáustico, as emoções devem estar claras na ambientação – herança aprendida dos expressionistas alemães -, e ninguém melhor do que Toland.

Porém, como em todo bom filme clássico, as questões levantadas refletem o manancial de problemas da sociedade americana – mas as soluções são sempre os heróis que, convictos na decência e nos valores morais, encarregam-se de provarem, no seu individualismo, que conseguem reverter a situação. Em Beco sem Saída, as personagens vividas por Joel McCrea e por Sylvia Sydney provam que existe esperança – e nada melhor do que esperança para a população acreditar que seu futuro mudará.




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