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Especial Jovem Cinema Paulista dos anos 80

Ícaro Martins e José Antonio Garcia

O Olho Mágico do Amor
Brasil, 1981.

Onda Nova
Brasil, 1983.

Estrela Nua
Brasil, 1985.

Por Sergio Andrade

No início dos anos 1980, dois jovens paulistas provocaram uma pequena revolução em nosso cinema ao lançarem um pequeno filme chamado O Olho Mágico do Amor, que teria passado quase despercebido não fosse o crítico Rubem Biáfora, que se entusiasmou de tal forma a ponto de considerá-lo “o que de mais feliz, consistente e artístico o cinema brasileiro produziu nos últimos 30 anos”.

Estudantes de cinema na ECA/USP, José Antônio Garcia e Ícaro Martins misturaram, de forma inédita, o cinema erudito aprendido nas salas de aula com aquele, popular, aprendido na prática nas ruas da Boca do Lixo.

A trama é bem simples: uma garota, Vera, vai trabalhar como secretária no escritório da Sociedade Amigos da Ornitologia, localizada no meio da Boca do Lixo. Com a ausência constante do patrão e sem nada para fazer, começa a mexer nos quadros, até que descobre um buraco na parede que dá para o quarto da prostituta Penélope. Vera passa então a acompanhar a rotina de trabalho de Penélope, que recebe os mais variados tipos de clientes. A garota vai ficando cada vez mais fascinada pelo estilo de vida da prostituta. O filme é repleto de referências a, entre outros, Hitchcock, Buñuel, Khouri, ao udigrudi, à pop-art, transbordando criatividade e fazendo, ao final, a celebração do amor entre iguais.

O elenco traz uma constelação de figuras cultuadas no cenário underground paulistano de então: Arrigo Barnabé, Cida Moreyra, Jorge Mautner, Nelson Jacobina, Antonio Maschio, Luiz Roberto Galizia, o jogador Wladimir, o bailarino Ismael Ivo, Leonor Lambertini. E dois grandes atores: Sergio Mamberti (o patrão de Vera) e Ênio Gonçalves (o cafetão). Mas quem dá o show são duas maravilhosas mulheres: Tânia Alves, como Penélope e, estreando no cinema, Carla Camurati, como Vera.

Em Onda Nova, o deboche e o desbunde predominam. O roteiro, episódico, acompanha as jogadoras do Gayvotas (atentem para o y) Futebol Clube e seus conflitos com pais, namorados e namoradas. Brincadeira com o gênero masculino e feminino, o filme tem várias cenas de sexo em todas suas formas e variações. Para os marmanjos, o melhor são as cenas passadas no vestiário no qual as garotas vão se banhar após os jogos. Entre elas, novamente a musa Camurati e Vera Zimmerman, em sua estréia no cinema. De O Olho Mágico do Amor vieram, além de Carla, Tânia, Ênio, Cida, Wladimir e Cristina Mutarelli (que no outro foi diretora de arte), com o acréscimo de Patrício Bisso (como a mãe de uma das jogadoras), Luiz Carlos Braga, Regina Casé, Sérgio Hingst, Casagrande, Osmar Santos e até Caetano Veloso (como ele mesmo!). Onda Nova é um filme libertário, com uma pitada de angústia juvenil.

Terceira e última parceria da dupla (melhor dizendo, do trio, já que Carla Camurati participou ativamente dos três filmes), Estrela Nua é sua obra mais densa.

De novo produzido pelo grande Adone Fragano, da Olympus Filmes, gira em torno de Glória, atriz contratada para dublar Ângela, profissional que se suicidou antes de terminar o trabalho. Aos poucos, a dubladora passará a incorporar a personalidade da atriz (ou de sua personagem no filme?). Filme sobre o cinema, repleto de citações e referências (a mais clara sendo o Persona, de Bergman), rico em significados - muitos ainda a serem descobertos em futuras revisões. Estrela Nua antecipa, em alguns anos, o Almodóvar de Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos e o Lynch de Cidade dos Sonhos. E por que não podemos acreditar que esses dois gênios do cinema se inspiraram em nossos conterrâneos?

Fecho da trilogia, o filme marcou também a última parceria com o diretor de fotografia Antônio Meliande e a atriz Cida Moreyra (nos três filmes), Arrigo Barnabé (dois filmes, agora como músico) e, após Onda Nova, o montador Eder Mazzini e os atores Bisso e Zimmerman. Completando o elenco, gente talentosa como Cristina Aché (a atriz suicida), Ricardo Petraglia, Selma Egrei e Jardel Mello, sem esquecer as habituais participações dos dois diretores.

Separados, José Antônio Garcia dirigiria mais dois filmes, O Corpo (1991) e Minha Vida em Suas Mãos (2001), antes de morrer prematuramente, aos 50 anos, em 2005. Ícaro Martins virou produtor e volta à direção, ao lado de Helena Ignez, em Luz nas Trevas, a Volta do Bandido da Luz Vermelha, sequência do filme de Rogério Sganzerla, que promete ser um dos grandes lançamentos de 2010.

Com sua trilogia dos anos 80, Zé Antônio e Ícaro serviram de exemplo para outros jovens e talentosos cineastas de São Paulo (Chico Botelho, Wilson Barros, etc.) iniciarem suas carreiras naquele período que ainda precisa ser melhor estudado. Mas essa é outra história.



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