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Lançamentos

Por Vlademir Lazo Correa

Intriga Internacional
Direção: Alfred Hitchcock
North by Northwest, EUA, 1959.
Edição especial Aniversário de 50 anos.

(Contém spoilers)

Alfred Hitchcock vinha de duas obras-primas (O Homem Errado e Um Corpo Que Cai) profundamente negativas, pessimistas e trágicas quando, no final dos anos cinqüenta, coroou o grande período de ouro de sua carreira com um filme que pode ser considerado o negativo dos dois anteriores, especialmente de O Homem Errado - que também gira em torno de uma das mais recorrentes obsessões do diretor, a de contar a história de alguém acusado de um crime que não cometeu, só que de um modo sombrio, angustiante e inteiramente depressivo (e sem humor algum). Hitchcock não concebe o seu Intriga Internacional apenas como algum tipo de complemento, negação, justificativa ou oposto dos dois outros filmes citados mais acima, mas o negativo, em que os tons claros e escuros de um Vertigo aparecem invertidos, e todas as cores e matizes empregadas são complementares em relação às de Um Corpo Que Cai. E ao contrário do personagem de Henry Fonda em O Homem Errado, que se deixa prender e engaiolar e que é incapaz de se defender, o protagonista de Intriga Internacional não hesita em desenvolver a sua luta pela sobrevivência e liberdade, prezando o seu lugar que lhe é de direito e exibindo a sua astúcia e resistência diante do sentido de impotência ante o vazio que aprisiona o homem comum quando defrontado com uma força maior com a qual não consegue lidar, seja esta uma troca de identidade, uma acusação infundada ou uma perseguição que visasse suprimi-lo.

São três verdadeiras obras de arte que confirmam Alfred Hitchcock não apenas como um dos maiores diretores da história do cinema, mas sobretudo como um legítimo autor, que construiu o seu universo todo particular e sua visão de mundo, seus delírios e pesadelos mais profundos, e trabalhou durante muito tempo em torno deles, no sentido de um desenvolvimento gradual, de uma evolução estética natural ao longo de toda sua carreira, e que encontra o seu cume em Intriga Internacional. Se este não é seu maior filme, certamente é o que melhor sintetiza os temas recorrentes em sua obra, na completa quintessência do universo hitchcockiano, com um roteiro dos mais perfeitos do cinema (no qual Ernest Lehman e o cineasta trabalharam por cerca de um ano), buscando especialmente evitar dois pontos: a lógica tão cara aos racionais e minimizar o valor do segredo que impulsionava a trama, que jamais deveria ser predominante nela (os chamados mcguffins).

Há uma perfeita simetria na estrutura de Intriga Internacional, claramente dividida em três partes distintas. O publicitário Roger Thonrill (Cary Grant) é um executivo bem-sucedido que por engano e por um golpe do acaso se torna vitima de uma inversão de papéis, envolvendo-se involuntariamente numa trama com espiões que o identificam como George Kaplan, um agente especial que não existe, criado pelas forças do serviço secreto norte-americano. Em meio a uma narrativa frenética e pontilhada de comicidade, seus inimigos procuram matá-lo em uma série de “acidentes” e tentam fazê-lo passar por culpado de um assassinato, e à medida que Thonrill busca investigar a solução do seu problema, mais ele vai sendo confundido com o suposto Kaplan. A isca fictícia (criada para desviar a suspeita do verdadeiro agente que age às escuras) se transforma em alguém real, e cabe a Thonrill se desvencilhar dessa segunda pele que o encobre, o que inclui conflitos edipianos bastante engraçados com a própria mãe (Jessie Royce Landis) que desacredita em suas histórias e um jogo de gato e rato com seus adversários, em uma eletrizante escapada por várias cidades norte-americanas enquanto busca provar a sua inocência.

O segundo ato começa com a revelação de que o suposto Kaplan não existe e prossegue com o encontro de Thonrill com Eve Kendall (Eva Marie Saint) no trem, e a partir daí há um erotismo bastante acentuado na maneira como a personagem feminina se entrega e se envolve com o protagonista, e no modo como o ajuda, bem como na maioria das cenas românticas entre os dois. É o jogo de aparências, a ambigüidade latente nas relações, algo presente em toda obra do nosso cineasta inglês favorito, e que encontra um dos seus ápices em Intriga Internacional, que conta também com alguns dos melhores exemplos de perseguições como emulação do perigo e recurso de vitalidade: Cary Grant dirigindo embebedado em uma estreita estrada a beira de um precipício e cheia de curvas sinuosas; a fuga do avião pulverizador no campo de milho; o clímax nas faces presidenciais esculpidas no Monte Rushmore, etc. É quando Hitchcock mais se dirige diretamente a um cinema físico e de ação em sua obra, e no filme todo de uma carnalidade mais sucinta e aflorada. E para quem, por muito tempo, era visto apenas como o mestre do suspense, Hitchcock oferece um encontro demolidor de gêneros, com os já citados momentos cômicos, um toque de romance, graças à presença lasciva de Saint, e muita aventura, das mais perfeitas e bem acabadas de todos os tempos.

Ainda sobre a relação de Cary Grant com Eva Marie Saint, trata-se de uma série de obstáculos que Hitchcock interpõe em seus caminhos antes que os dois possam finalmente terminar juntos, com o protagonista a partir de determinado momento ser obrigado a superar as ameaças não só pela própria vida como pela união com a garota. O terceiro e último ato é sobre Thonrill enfim recuperar a própria identidade que precisava ser resgatada e fazer por merecer a mulher que ama. Ao contrário de James Stewart no anterior Um Corpo Que Cai, Roger Thonrill não permite que sua musa despenque no abismo que em perigo contemplam lá no alto. O que possibilita que Intriga Internacional se encerre num dos desfechos mais irônicos já realizados, o do plano fálico com o trem entrando no túnel escuro.




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