Coluna Estranho Encontro
CINEMA BRASILEIRO PELA ÓTICA FEMININA
Por Andrea Ormond
CINEMA BRASILEIRO PELA ÓTICA FEMININA
Por Andrea Ormond
Contos Eróticos
Direção: Roberto Santos, Roberto Palmari, Eduardo Escorel e Joaquim Pedro de Andrade.
Brasil, 1977.
Como em quase toda a filmografia brasileira dos anos 70 e princípio dos 80, que ninguém se engane com o título: o que era “erótico” em 1977 hoje em dia transparece tão delicado e cuidadoso que fica difícil acreditarmos que, de fato, os produtores do filme buscavam vendê-lo com o apelo do sexo.
Dividido em episódios, “Contos Eróticos” (1977) é uma coletânea filmada das quatro histórias vencedoras do Concurso de Contos Eróticos da extinta Revista Status, uma espécie de Playboy – inicialmente, antes mesmo do aparecimento da Playboy brasileira – publicada pela Editora Três e de conteúdo sofisticado, o que permitia anualmente à revista promover um concurso de textos, onde os melhores iam parar em livro.
E de uma das edições do concurso nasceu o filme. São quatro episódios sem qualquer ligação entre si, cada um deles dirigido por um cineasta diferente e com elenco diverso. O primeiro “Arroz com Feijão”, por Roberto Santos; o segundo “As Três Virgens”, por Roberto Palmari; o terceiro “O Arremate”, por Eduardo Escorel e o último “Vereda Tropical”, por Joaquim Pedro de Andrade.
“Arroz com Feijão” traz como maior mérito a utilização da música “A Dona do Primeiro Andar” dos Originais do Samba, em harmonia com a história popularíssima, do rapaz pobre (Cássio Martins) que se encanta pela dona da pensão (Joana Fomm) onde almoça diariamente. Sugestionado pelo refrão intrigante (“Estou apaixonado/ apaixonado estou/ Pela dona do primeiro andar/ pela dona do primeiro andar”), o espectador aguarda ansioso as cenas de nudez farta da atriz, que no final são tão discretas que a câmera vira quase apenas observadora do cotidiano na casa de Joana, em um exercício cinematográfico singelo.
A segunda história, “As Três Virgens” merece maior atenção: três velhinhas (Carmen Silva, Eva Rodrigues e Maria Anita Shut) vivem juntas em um casarão rememorando o passado até que recebem a visita da sobrinha adolescente, Beta (Paula Ribeiro). Ela perdeu a virgindade com um namorado motoqueiro e precisa ser protegida dos perigos da vida. O roteiro é afiado e quando as senhoras maldizem o presente turbulento, o fazem com tanta precisão que nos perguntamos o que elas achariam do mundo de hoje, três décadas depois do convescote.
Quando se convencem de que não há motivos para impedir Beta de ver o namorado, proporcionam uma noite de amor para o casal, a quem oferecem licor e bolinhos. A colocação final da história: “Tia Biloca, Tia Tunica e Tia Cotinha não existem mais” soa lírica no aviso do quanto o tempo é efêmero e tudo leva.
Quando pulamos para a terceira história “O Arremate”, a mais fraca do filme, ficamos com saudades da segunda, já que temos aqui apenas a exibição maquinal de um estupro em uma fazenda, onde o senhorio (Lima Duarte) vai cobrar uma dívida do seu empregado e possui a filha deste (Liza Vieira) como pagamento.
Mas tudo parece o preparo para a quarta história, a incrível “Vereda Tropical”, dirigida por Joaquim Pedro de Andrade e que fez para sempre a fama do filme, constando nas melhores (e piores) antologias do cinema popular brasileiro. “Vereda Tropical” é a história de um estranho professor universitário (Cláudio Cavalcanti), morador da Ilha de Paquetá, que mantém relações sexuais apenas com frutas, sendo a preferida uma rechonchuda melancia.
Mostrada em detalhes, a corte do homem à melancia (que ele lava, acaricia e cobre de talco antes do intercurso) rende inúmeras piadas, tornando-se quase uma lenda entre os cinéfilos. A performance de Cláudio Cavalcanti no papel de tarado é outro espetáculo à parte, valendo-se de uma simulação de volúpia e delícia que colore e humaniza o bizarro.
“Contos Eróticos” teria um contexto diferente sem esse delírio final- e aos curiosos que procuram o filme no barato sensacionalista, vale a pena reavaliá-lo como um mini-panorama de quando, mesmo involuntariamente, se fazia bom cinema no Brasil. É a arte de quatro grandes nomes exercitando em cima de histórias desiguais o prazer de filmar, oferecendo um produto de bom gosto ao público, que ao longo dos anos se desacostumou a ser tratado com tamanha deferência e respeito.