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Dossiê CONRADO SANCHEZ
Zingu!entrevista
Conrado Sanchez

Por Matheus Trunk,
enviado especial a Rua do Triumpho, Boca do Lixo.

Conrado me atendeu numa tarde de quarta-feira, na Cinearte, a última empresa cinematográfica paulistana localizada ainda na Boca do Lixo.

Ele colabora em projetos do dono da empresa, o produtor e diretor Aníbal Massaini Neto, que herdou a produtora do pai, Oswaldo Massaini. Conrado é um cara simples e nos atendeu muito bem, disponibilizando seu tempo sem nenhum tipo de problema. Conrado não possuía nenhuma cópia de nenhum de seus quatro filmes feitos na Boca. Consegui uma em VHS da “Menina e O Estuprador” e levei pra entrevista, que ele copiou uma nova em DVD. Na verdade, Conrado dirigiu poucos filmes mas trabalhou bastante como assistente de direção de verdadeiros mitos do cinema paulista como Ody Fraga, Osvaldo “Carcaça” de Oliveira e Walter Hugo Khouri. Ao longo da entrevista, Conrado conta um pouco de sua vida, sempre ligada ao cinema. De seu pai Plínio Sanchez documentarista e professor de cinema, do produtor AP Galante, dos filmes que participou e das pessoas que conheceu.

Ao longo da nossa uma hora e meia de conversa, pude compreender não só melhor a opção dele e de outros intelectuais em ingressar numa indústria de cinema popular como também pude entender melhor o que foi esse importante período da nossa cinematografia.

Depois transcrevi a entrevista sem maiores problemas. Conrado foi também extremamente prestativo, passando o telefone e referência de outros nomes do período ao qual conheceu ou ainda mantém contato. Essas pessoas poderão num futuro próximo também darem o seu depoimento a essa revista Assim não estaremos se restringindo a uma ou outra entrevista, mas fazendo diversas para o amigo, o fiel em cinema ter uma noção maior do que foi essa indústria de cinema no coração da capital paulistana. A lista de todos os filmes que Conrado participou está no fim do dossiê.

MT- É verdade que o pai do senhor deu aula pro Ozualdo Candeias ?
CS- É verdade. Meu pai era do Museu de Arte e tinham no museu uma escola de cinema. Um dos primeiros alunos foi o Candeias.
MT- E foi o Máximo Barro ?
CS- Aí, eu não sei. Mas provavelmente, toda essa geração passou por lá, pelo museu de arte.
MT- Ele conheceu aquele cara que influenciou o Biáfora: Carlos Ortiz ?
CS- Ai eu não sei dizer, provavelmente se conheciam. O grupo de cinema aqui era uma dúzia e meu pai trabalhou na Vera Cruz e na Maristela. Então ele passou por todo cinema de São Paulo. Mas eu não conheci esse cara.
MT- O acervo do pai do senhor está na Cinemateca Brasileira ?
CS- Algumas coisas, outras coisas estão perdidas por aí. Durante um tempo ele fez muitos curtas-metragens.
MT- Ele produziu foi assistente de produção daquele filme do Carlão...
CS- Isso...“Império do Desejo”, eu trabalhei nesse filme também.
MT- O senhor começou como fotógrafo de cena ou como assistente de produção ?
CS- Comecei como assistente de produção. Na verdade eu comecei até antes, como técnico de som dos documentários do meu pai e câmera de vez em quando. Mas depois em longa-metragem, eu comecei com o Sylvio Back como assistente de produção.
MT- Pelo que eu sei, o senhor não tem preferência como função. Tanto como direção, como assistência, ou fotografia. Eu queria perguntar pro senhor, se o senhor se considera um polivalente do cinema ?
CS- Não, preferir eu prefiro fotografia. Mais até que direção, mas não é sempre que aparece um filme pra ser fotógrafo, então eu faço outras funções. A parte também ligada a produção, organização eu gosto muito de fazer e é o que eu faço normalmente, na maioria dos filmes.
MT- O senhor trabalha aqui na Cinearte desde quando ?
CS- Eu não trabalho na Cinearte. Eu faço serviços quando tem um projeto. Nós terminamos o “Pelé Eterno”, que nem terminamos ainda porque estamos na versão internacional e estamos começando uma grande produção agora, que vai levar mais uns três anos.
MT- Pode revelar ?
CS- “A Família Real”, que vai ser lançado em 2008, ano de 200 anos da chegada da família real no Brasil. Então eu preparo todo projeto e depois eu fico na parte de estruturação do projeto e quando vai começar o filme eu tenho uma função mais técnica.
MT- E quem vai dirigir ?
CS- O Massaini.
MT- O próprio Massaini ?
CS- O próprio Massaini. No momento, ele só faz filmes pra ele, só ele dirigindo. Ele desistiu de trabalhar com outros diretores.
MT- O senhor foi assistente de muita gente. Eu queria que o senhor citasse as melhores lembranças e os envolvimentos pessoais que o senhor teve com três pessoas: Ody Fraga, Osvaldo “Carcaça” Oliveira e do Walter Hugo Khouri.
CS- Com o Khouri eu fiz vários filmes. Como assistente, foi no “Forever”, mas os outros eu sempre ficava ligado a direção o tempo todo. Na realidade, eu sempre fui assistente do produtor e controlava o Walter. Ficava sempre no meio do caminho entre eles. Olha, o Ody pra mim, em termos de estruturação de um filme, de um roteiro era o melhor que tinha. Ele sabia fazer um roteiro exatamente como deviria ser filmado e seguia bem o esquema tradicional, até uma linha americana de surgimento dos personagens. Criando situações até um plot principal e depois ter um desenlace. O Carcaça já era bem diferente, era um cara mais rudimentar, não era uma pessoa tão intelectualizada, mas tecnicamente o Carcaça sabia tudo, era perfeito. Ele entrava num local pra filmar sabendo os pontos que iriam ter câmera, os que iam ter iluminação e rapidamente resolvia tudo. Com o Ody eu aprendi a trabalhar com roteiro e com o Carcaça eu aprendi a filmar. Eu gosto de ser muito rápido filmando, até tenho problemas com outros diretores que fazem muita onda, que ficam na dúvida no meio de uma seqüência, coisa que eu não consigo entender o por que. Afinal, tudo deve estar muito bem organizado antes de começar. E com o Khouri eu aprendi a dirigir atores, ele era o melhor que eu conheci. Principalmente pra dirigir atrizes, a maneira que ele envolvia as atrizes: todas achavam que eram as principais, com essa maneira dele, conseguia manipular também. Jogar, me usava muito pra isso aí, mandava eu falar com determinada atriz uma determinada coisa, mas sabe pra deixar ela mais agressiva ou mais sossegada, mandava um docinho pra outra, pra na hora de rodar elas estarem no ponto que interessava ele.
MT- O senhor que participou do “Convite Ao Prazer”, diga uma coisa. É verdade essa história que ele namorou a Sandra Bréa e saiu de casa atrás dela ?
CS- Isso pode ter acontecido, mas acho que foi antes do “Convite”. No “Convite” a Sandra já não estava muito bem de saúde, eu acho que não teve nada.
MT- Ela já tava com AIDS ?
CS- Não, ainda não. Em 81, não se falava sobre isso. Mas ela era muito dependente de drogas, porque que um pouco antes disso aí parece que ela teve problemas de alcoolismo. E essa época, ela não tava mais mas ela tinha drogas que impediam o alcoolismo, alguma coisa assim. Então, ela nunca estava muito bem.
MT- Ai o senhor não sabe me confirmar ?
CS- Ai não sei confirmar.
MT- Mas se ele namorava as atrizes o senhor pode me confirmar ou não pode ?
CS- Olha, eu não sei até que ponto ele namorava as atrizes. Ele cantava muito (risos), até que ponto ele ia eu não sei, não acompanhava. Dizem que ele teve várias namoradas, mas não foram também tantas assim. Teve algumas que ele foi apaixonado.
MT- O senhor pode dizer quais ?
CS- Olha, eu não sei te dizer o nome agora.
MT- Do Ody o senhor foi bem amigo ?
CS- Durante um tempo sim. No início, que eu comecei aqui na Boca 80,81 sim. Que o Ody ficava num escritório num prédio próximo aqui, ele chegava todo dia no início da tarde e ficávamos reunidos conversando sobre cinema durante horas e horas.
MT- Ele conhecia bastante cinema ?
CS- O Ody conhecia, não só cinema como literatura muito, muito bem.
MT- O senhor é formado em arquitetura seu Conrado ?
CS- Eu fiz arquitetura, mas não cheguei a me formar. Eu me formei em comunicação visual.
MT- Onde ?
CS- Na FAAP.
MT- Vamos falar do senhor dirigindo. Eu queria saber como surgiu o convite do Galante, porque o senhor antes era assistente e se antes ele aproveitou porque o Concórdio, que era assistente de câmera tornou-se fotógrafo.
CS- Olha o Galante nos pegou simplesmente porque era mais barato que os diretores da época (risos). Só por causa disso. Ele me pegou, eu já tinha feito vários filmes com ele, tava mais ou menos amigo dele. Ele falou: “Vamos fazer um filme”, porque ele cismava, ele ia até a Sul, uma distribuidora e cantava o Magalhães: “Escuta, vamos fazer um filme, fica meio a meio”. O Magalhães topava e entre o escritório que ficava na São João e aqui ele inventava uma história (risos). Chegava aqui no escritório, o primeiro que ele via: “Ah, vamos fazer um filme”. E queria começar a produção na semana seguinte, eram produções muito baratas, muito baratas.
MT- Não dá pra fazer um filme hoje como “A Menina e O Estuprador”
CS- Não, dá pra fazer. Hoje se faria até em vídeo, mas pra época, em comparação com um filme mais bem estruturado, um filme mais sério, custava um décimo do valor. A equipe era mínima, os atores eram muito simples.
MT- A equipe cabia numa Kombi ?
CS- Uma não digo, mas duas (risos).
MT- O Aguilar me falou que a equipe inteira cabia numa Kombi.
CS- Ás vezes era realmente. É verdade, é verdade: cabia sim porque não levávamos nada, equipamento as câmeras eram muito pequenas, a câmera RSC que é uma maleta. O equipamento de luz eram três, quatro cabeças só de luz. Então ia embora, arranjava as locações.
MT- Foi gravado onde ? A casa parece um ambiente meio rural.
CS- Fazenda, não era uma casa.
MT- Aqui em São Paulo ?
CS- Aqui em São Paulo, lá em Guarapiranga. Uma casa urbana mesmo.
MT- Uma hora tem uma praia é na Guarapiranga ?
CS- Era em Guarapiranga, exatamente. Fizemos tudo por lá, não me lembro agora exatamente das cenas, mas foi praticamente todo filmado lá.
MT- E como foi trabalhar com o Zózimo Bulbul ?
CS- Ele era super tranqüilo, e totalmente aberto. Não estava preocupado se era uma pornochanchada ou um filme sério. Ele topava qualquer negócio, um cara muito legal. Eu não conhecia ele, pensei que seria uma coisa mais complicada.
MT- Você ficou com medo ?
CS- Com medo não, eu só achei que ele ia acertar numa boa. Mas que nada, não teve nenhum problema.
MT- E a Vanessa Alves na época era só Vanessa nos créditos ?
CS- Acho que é o segundo ou terceiro filme dela. Ela começou num filme do Carcaça. Puxa...
MT- Tem antes o “Paraíso Proibido” do Carlão, mas do Carcaça é a “Filha de Emmanuelle” ?
CS- Isso, “A Filha de Emmanuelle”, exatamente. Esse foi o primeiro filme dela e o nome dela é Zilda, foi aí que o Galante inventou esse nome: Vanessa. Então, nos primeiros filmes acho que ela deve tá somente como Vanessa e depois ela deu o sobrenome dela.
MT- Mas ela era novinha na época né ? Muito bonita
CS- Ela tinha dezoito anos. Esse filme ela tinha dezenove, no filme do Carcaça ela tinha dezoito, foi o primeiro filme dela.
MT- E fazia as cenas tranqüilo ?
CS- Não tinha o mínimo problema.
MT- Uma pena ela não se consagrado, porque ela sempre foi uma grande atriz, ficou resumida a Boca
CS- É, isso é uma coisa muito pessoal dela, porque ela chegou a fazer alguns trabalhos na Globo.
MT- Ela ganhou prêmio em Gramado por “Anjos do Arrabalde”.
CS- Ela ganhou em Gramado e fez algumas pontas na Globo, mas não saltou, eu não sei dizer isso aí.
MT- A Patrícia Scalvi também...
CS- A Patrícia Scalvi também, uma atriz muito boa e também virou dubladora. Isso aí eu não sei dizer o que faz uma pessoa estourar ou não, e ficar por aqui. E não é o caso da Boca, porque quase todos os outros atores que estão hoje com 50 anos passaram por aqui.
MT- O Ewerton de Castro.
CS- O Ewerton. O Nuno Leal Maia fez pornochanchadas e fez filmes seríssimos.
MT- O Antônio Fagundes, mas esse tenta fugir.
CS- O Fagundes começou aqui e não sei porque tenta fugir. Aí o que faz um ator estourar ou não eu não sei te dizer.
MT- Como surgiu a idéia do Jairo Ferreira fazer a trilha sonora ? Foi o senhor que sugeriu ou o Galante ? O senhor conheceu bastante ele ?
CS- O Jairo era da turma aqui do Carlão, da Boca. Ele já tinha feito de outros filmes, então fui eu, mas ele estava sempre conosco. “Quem ia fazer ?”, o Jairo pô ! Ele tava sempre do lado. Ai não tem, era a turma que andava por aqui. O Jairo fez de outros também.
MT- Não eu sei, ele fez do Cláudio Cunha, por exemplo. E é muito boa a trilha dele, dá um aspecto interessante ao filme.
CS- É, ele selecionava e conhecia bem.
MT- Tem o “Breaking The Wall”, o filme nunca poderia passar no Exterior né seu Conrado ?
CS- Não, não. Nós nunca pagamos direito nenhum, todos esses filmes aí hoje.
MT- O Carlão não consegue passar os filmes dele lá fora por causa disso.
CS- É, o bom seria mudar as trilhas. Mas como antigamente a gente não tinha dolby, nada você fazia uma trilha única e na realidade, todos os filmes estavam juntos, você não pode separar, não tem como separar a locução da música, então você teria de dublar de novo. Aí passa a ficar complicado, porque você não tem nem mais os atores pra fazer isso.
MT- E aí foi assim com o Jairo ?
CS- Foi, foi. Aqui a Boca, todo mundo se conhecia, sei lá cinqüenta pessoas.
MT- Mas não havia divisões na Boca ?
CS- Aqui não. Não, muito pouco. Alguns diretores e alguns produtores tinham algum problema, tiveram filmes anteriores. Mas fora isso aí não tinha não.
MT- Tem uma turma que depois foi pra Vila Madalena né ?
CS- É mas isso foi antes de eu chegar.
MT- E como que era o relacionamento do Galante com o David, com o Massaini, com os outros produtores ? Tinha uma concorrência muito forte ?
CS- Não, não tinha concorrência. Era amigável, cada um na sua cada um disputando o seu. Eles ficavam e todos eles ganhavam dinheiro dos distribuidores e exibidores. Então, todos queriam fazer primeiro o contrato com os esses caras antes que os outros e era essa a única disputa que tinha.
MT- O resto era (interrompido)
CS- O resto não tinha problema.
MT- Todo ia no Soberano ?
CS- É, os que bebiam. Não era muitos não, produtores não eram muitos. Ali eram só os técnicos, alguns técnicos, a maioria não. Eu não bebia, eu sou do café, o Carlão Reichenbach também não.
MT- Mas isso é só um ponto, de ficar de frente. É que sempre falam...
CS- Mas não é tanto assim, inclusive eu não me considero uma pessoa da Boca. Eu peguei já no final, nos anos 80, não peguei as pornochanchadas, o começo. E eu ficava aqui durante a semana, alguns dias da semana e a maioria do tempo eu tinha outras coisas pra fazer, não ficava só aqui. Eu trabalhava com fotografia, com comerciais. Na realidade não fiquei muito aqui.
MT- Na época, o senhor ganhava mais dinheiro com esses outros trabalhos ou com o cinema ?
CS- (enfático) Muito mais com os outros trabalhos.
MT- Aqui era mais por tesão mesmo ?
CS- É, e também pra aparecer filmes e quando aparecia você ficava fora, não ficava aqui. Era mês que você ficava viajando por aí.
MT- Queria começar a falar da “Menina e O Cavalo”. Deve ser aproveitada o título do primeiro. Também produção do Galante e foi filmado em Itanhandu, Minas. Isso foi coisa do Galante, com parceria de prefeitura ?
CS- Não, parceria não, era o sítio do Galante e então nós fomos fazer no sítio dele.
MT- Mas é que eu sei que uma série de filmes ele fazia isso, “Tensão e Desejo” de Alfredinho, por exemplo.
CS- Ah, mas esses filmes pequenos não tinha mais parceria. Era com dinheiro dele, que na realidade era dinheiro do exibidor, ele pegava 50% dele e 50% do exibidor, mas é claro que com 50% ele fazia um filme todo e ainda embolsava algum (risos). E fizemos lá, simplesmente porque era o sítio dele, tinha os cavalos dele e tudo mais.
MT- Era um filme na mesma linha:uma menina de tem delírio com homens negros e depois tem com cavalos, era a mesma linha ?
CS- Sim, era alguma coisa assim.
MT- “A Menina e o Estuprador” foi um grande sucesso de público ?
CS- Olha, foi um dos filmes que mais deu dinheiro no Brasil, deu um dinheiro absurdo. O número de público, olha passou dos cinco milhões, coisa que poucos fizeram, até hoje.
MT- O dinheiro ficou com o Galante ?
CS- Não, ficou entre ele e o exibidor.
MT- Mas o senhor ganhou um pouquinho ?
CS- Não, tive um salário pra fazer e mais nada. E claro, que o exibidor embolsa uma grande parte, o que sobra pro Galante não é muito, mas ele ainda ganhou um bom dinheiro. Hoje você não tem mais noção de valores. Passou uma dúzia de planos.
MT- É hoje diretor é produtor, um pouco diferente mesmo.
CS- É, hoje é bem diferente.
MT- No “A Menina e o Cavalo”o senhor trabalha com o Sérgio Hingst, um ator mitológico trabalhou com o Khouri, com o Biáfora. O Genésio, outra figura da Boca, também atua nesse filme do senhor. Fale um pouco desses monstros sagrados.
CS- O Sérgio Hingst eu conheço desde criança, ele era muito amigo do meu pai, desde pequenininho realmente. Ele era uma pessoa experiente, então não tem muito o que você dirigir era só falar pra ele: “O seu papel é esse” e ele criava o papel dele, não tem problema. O Genésio topava qualquer negócio, era só falar qualquer loucura com ele que ele fazia. “Se pinta de preto”, e aí ele se pintava. No filme, ele ficava todo preto de fuligem, ele vira um monstro. Eu queria ver esse filme de novo. Não tem cópias.
MT- O Genésio morreu ?
CS- Eu acho que sim, eu nunca mais vi ele e nunca mais ouvi falar dele.
MT- O Sérgio morreu, deu em jornal.
CS- É o Sérgio morreu há pouco tempo a seis meses.
MT- Já tava velhinho.
CS- Já, não era tão velho não. Tinha uns...Devia estar próximo duns oitenta anos...
MT- Depois do Wilson Grey é o ator que mais fez filmes no Brasil.
CS- Aí eu não sabia
MT- Foi o ator que mais fez filmes em São Paulo, mas também.
CS- Já fazia um tempo que ele não fazia filmes.
MT- Mas mesmo assim, é um recordista e o pessoal não o valoriza.
CS- Desde filme do Khouri a qualquer pornochanchada.
MT- É Biáfora também, Alfredinho, enfim.
CS- É todo mundo , todo mundo chamou ele.
MT- Até no Carlão, no “Liliam M” ele aparece.
CS- Ah no “Liliam M” é verdade !
MT- Como foi pro senhor fazer um filme sem o Galante que é o “Como Afogar o Ganso”, que é um filme do senhor? E aí o senhor trabalha com o Satã, inclusive. Fala como que foi essa tentativa de fazer um cinema independente.
CS- Foi uma época em que todos os diretores resolveram fazer filme por conta própria. Já que o negócio era pegar dinheiro com os exibidores, então eu tinha alguns produtores amigos, o Enzo Barrone que era um produtor, o Clóvis também era outro e o Meliande era outro também. Então, eu resolvi fazer um filme. Eu falei com o Meliande que era o que tinha mais contatos, e ele me falou: “Pode fazer, vai fazendo”. Tá certo que na hora, o que estava prometido pra mim ficou um décimo e nós tínhamos uma equipe realmente pequenininha. Mas esse foi o único filme que eu fiz meu, com história minha.
MT- O senhor tem orgulho desse filme ?
CS- Sim, nessa parte sim, porque é uma história minha. E eu fiz como eu quis.
MT- Eu li a sinopse e é interessante, dum cara que não consegue transar com nenhuma moça e depois transa logo com duas.
CS- É engraçado o filme, aí eu fiz com duas meninas vizinhas por quem ele é apaixonado e quando não deu nada mais certo elas entram no quarto dele. Esse filme tem um momento que ele vira pra câmera e fala: “Eu sou um punheteiro como vocês”, uma coisa assim e você precisa ver o público do cinema, gritava. Eu fiz de propósito esperando uma reação, mas não esperava uma reação tão grande.
MT- Mas esse filme de público não foi tão bom quanto “A Menina e O Estuprador” ?
CS- Não foi tão bem, mas foi muito bem, também. Mas a minha parte eu não vi nunca. Aí não sei se o produtor majoritário manipulava os valores.
MT- O filme que o senhor tem mais nostalgia ?
CS- É, o único filme que eu fiz de um roteiro meu. O resto foi de roteiros meus, mas o Galante chegava com a história. Então, tinha de montar uma história de acordo em cima da cabeça do Galante e aí montava rapidamente e isso foi até na “Cinderela Baiana”. Ele que inventou a história, e tampouco “Como é que eu faço essa história aqui ?”.
MT- O senhor volta a trabalhar com a Vanessa ?
CS- Não...Ah não trabalho sim ! Trabalho é verdade, trabalho. É a namorada do cara.
MT- E a Zilda Mayo quer era uma mulher sensacional
CS- Faz uma ponta.
MT- O principal é esse Paulo César ? Ele fez mais filmes ?
CS- Ele fez um único filme aqui “As Feras” e ele morreu depois. Ele morreu um pouco depois disso aí.
MT- E o Satã e o John Doo, que era diretor como que foi essa participação deles ?
CS- O John Doo topava qualquer negócio, era amigo de todo mundo aqui. É uma comédia esse filme, o John Doo é um comediante. O Satã também tava aqui pra fazer qualquer coisa, precisava de uma cara de mal era o Satã que fazia metade das pornochanchadas que se faziam aqui. Com eles, não tinha problema. Tipo o Satã, não era um ator, era uma pessoa rude, uma pessoa que não dava pra exigir muito.
MT- Uma figura.
CS- Exatamente. Então, você só trabalhava com a figura dele e isso ele fazia muito bem. Você mandava: “Anda aqui, para ali, faz isso” numa boa.
MT- O senhor também é fotógrafo desse filme ?
CS- De todos os meus filmes sou fotógrafo tirando o primeiro, todos os outros eu sou o fotografo.
MT- Como foi pro senhor fazer tudo isso nesse filme: direção, argumento, roteiro, fotografia. Foi muito trabalhoso ?
CS- Olha eu acho filme pequeno mais fácil você fazer que outra pessoa fazendo. Porque você já rapidamente sabe o que você quer, que cena você vai fazer e ao mesmo tempo que você vai preparando os atores, você vai mandando os eletricistas botarem a luz que é muito pouco e os assistentes de câmera botarem a câmera onde você quer. Eu acho mais rápido que ter outra pessoa, um fotógrafo. Porque o fotógrafo vai querer tomar cuidado: iluminar um pouco melhor e eu não tenho tempo pra isso aí.
MT- O “Como Afogar o Ganso” o título não é do senhor é de quem ? Por que o título é muito interessante, muito chamativo.
CS- O título agora me lembrei o nome dele, dum cara chamado Renato Grecchi.
MT- Conheço seu Renato Grecchi que foi produtor.
CS- Ele foi produtor de uma porção de filme, trabalhou em muitas produtoras e trabalhava justamente com o Enzo Barone na época. O Enzo era sócio do filme. E foi ele que viu o título que era “Vivendo e Aprendendo” e ele disse: “Isso não é título nosso !”, aí ele veio com esse título: “Como Afogar o Ganso” e aí ficou.
MT- O Carlão contava que ele ia andando do Jabaquara até aqui, na Boca
CS- Pode ser, aí eu não to sabendo.
MT- Era uma figura folclórica.
CS- Era um cara que teve aqui desde o início até o final da Boca.
MT- Que nem o Ody.
CS- Mais o Ody morreu um pouco antes. Não e no início o Ody não era daqui, ele era de televisão da Excelsior e fez uma novela da Excelsior que acho que demorou dois anos pra ir ao ar... E ele era o diretor. Feita lá em São Bernardo do Campo e eu não me lembro o título, uma novela muito famosa e ele era o diretor. Aí depois o Ody, já tinha uma certa idade, já tava meio doente e começou a fazer os filmes aqui. Tinha um produtor chamado Augusto Cervantes, e ele trabalhava com esse produtor.
MT- Mas ele trabalhava com todo mundo: com o David, com o Galante.
CS- É com o David também. Com Galante acho também.
MT- O David figuraça ?
CS- Ah o David é...O David não era aqui, era um pouco retirado daqui com o escritório dele, casa dele. Aqui ele não vinha muito não.
MT- Que nem o Mazzaropi. Aqui era mais essa turma: o Carlão, Mário Vaz.
CS- É.
MT- E depois o senhor volta a trabalhar com o Galante nas “Prisioneiras do Sexo”, que não era explícito com a Vanessa, Mário Benvenutti, Fernando Benini e com o John Doo. Fala um pouco como foi esse filme.
CS- Esse filme você não tem o nome das atrizes, que são de teatro e são boas atrizes. O grupo era muito bom de atores, foi o maior grupo de atores que eu reuni. Era uma comédia, feita em Paraty numa fazenda.
MT- Era parceria ou era uma fazenda do Galante em Paraty ?
CS- Não, a fazenda dele é em Itanhandu.
MT- Não, eu sei seu Conrado. Mas como que surgiu fazer em Paraty com parceria com a prefeitura ?
CS- Não, não fez nada. Esses filmes todos não tinham parceria, todos eram pagos, totalmente pagos.
MT- Mas eu recebi a informação que filmes como “Tensão e Desejo” do Alfredinho, por exemplo era parceria com a prefeitura de Mongaguá, por exemplo.
CS- Não, aí não foi o Galante foi o filho dele, mas não era uma grande parceria não. Eles cediam hospedagem, alimentação mas isso era raro, não tinha muito não.
MT- Como foi pro senhor trabalhar com o Mário Benvenutti, ator mitológico do cinema paulista: trabalhou com o Khouri, com o Candeias.
CS- Com esse pessoal não tinha problema de trabalhar, ainda mais em comédia você não exigia dos atores, você usava o que eles podiam te dar. Se eles te davam muito: ótimo. Se não te davam: tudo bem. O Benvenutti era comediante também, sabia exatamente o papel que tinha de fazer e não tem mistério. Ele era muito engraçado, era muito bom trabalhar com ele. Ele gostava de carrões, inclusive ele morreu dirigindo um carrão. Então cada dia ele aparecia com um carrão novo: um Galaxie.
MT- Puma.
CS- Não, carros grandes ele gostava, porque ele era muito grande. O Dodge Dart, já eram velhos naquela época. Não sei se ele colecionava, mas sei que ele sempre tava com um carrão.
MT- O Charger também
CS- O Charger, Dodge Charger também. Eu já tinha feito outras comédias com ele e com o Mário Vaz e fiz outro filme com ele não me lembro qual que era agora.
MT- “Amado Batista em Sol Vermelho”.
CS- Amado Batista é verdade.
MT- Amado Batista que é com Aguilar inclusive, estagiário.
CS- Foi o primeiro filme em que o Aguilar apareceu é verdade. Nós tínhamos feito uma parte em Goiânia, depois viemos fazer em São Paulo e apareceu um magrela lá e terminamos o filme aqui. Esse foi um dos primeiros videoclips que foi feito e foi muito mal. Foi um fracasso monumental.
MT- Acabou com a EMBRAPI ?
CS- Não acabou com a EMBRAPI, porque todos os filmes da empresa foram um fracasso (risos).
MT- Mas o do Carlão não foi ?
CS- Foi. Foi mal, todos foram mal.
MT- Mas o Carlão diz que pagou as contas da EMBRAPI com o “Extremos do Prazer” ?
CS- Ai eu não sei, não sei. O Éder é que vai poder te responder isso, se você entrevistar ele.
MT- Ele montou todos os filmes da empresa ?
CS- Eu não sei te dizer, mas acho que sim. Ele era um sócios, mas não sei te dizer se todos.
MT- O “Tchal Amor” era da EMBRAPI ? Do Jean com o Fagundes ?
CS- Não, esse não era da EMBRAPI. Esse não era, acho que era do Jean mesmo, não era da EMBRAPI não.
MT- O Inácio o senhor conheceu ?
CS- Conheço ele.
MT- Ele vinha aqui ?
CS- Muito pouco, porque ele era jornalista trabalhava já na “Folha” e não tinha tempo de vim aqui.
MT- E o Rubens Ewald Filho ?
CS- Ah ! Ele não vinha aqui.
MT- Não vinha não !?
CS- Não, nunca. Nunca vi ele aqui. Conhecia ele, mas não daqui. Aqui ele nunca veio.
MT- Mas ele trabalhou naqueles filmes do Silvio de Abreu.
CS- Ah sim, trabalhou.
MT- E naquele filme do Candeias com o David.
CS- Até no Khouri no “Amor, Estranho, Amor” ele fez uma pontinha.
MT- O Biáfora vinha ?
CS- Ah, o Biáfora de vez em quando, ele já não tava bem desde eu venho aqui, desde 80.
MT- Mas ele era amigão do Juan Bajon ?
CS- Ai eu não vou saber te dizer. Ele conhecia todo mundo.
MT- O Alfredinho vai saber me dizer melhor.
CS- Ah sim, com certeza. O Alfredo está aqui desde os anos 70 e ele sabe tudo. E eu não tinha muito contato com as pessoas não, aqui. Eu só conhecia aqui assim e não tinha.
MT- Amigo pessoal o senhor foi de quem ?
CS- Do Carlão, foi o que eu mais tinha contato e nós tínhamos contatos, amizades normalmente eram fora daqui. Não tinha nada aqui, tinha os Campos, os irmãos Campos.
MT- O senhor ia com o Carlão nesses encontros mais intelectuais ? CS- Na UBE a União Brasileira de Escritores, que o Jairo também ia. Mas na realidade, nos encontrávamos aqui, ficávamos aqui mas aqui não tínhamos tanto contato com esse pessoal.
MT- Ia o senhor, o Carlão, o Jairo mas o Jean não ia ?
CS- Não, não tinha contato.
MT- O Ody ia ?
CS- Não, não ia.
MT- Só esse pessoal mais jovem ?
CS- É.
MT- Mais intelectualizado, enfim.
CS- É, mas nós não tínhamos muito contato com esse pessoal. O Carlão teve, nos anos 70. Mas nos anos 80 já tinha tanto contato. As pessoas não eram tão unidas aqui, cada um ficava num canto e acabou (risos).
MT- Chegou a informação pra mim que o senhor praticava nos anos 80, uma série de esportes radicais. Porque o senhor não tentou botar isso nos seus filmes ? Não sei se você ainda pratica.
CS- (surpreso) No momento eu não pratico mais, mas realmente praticava. Fazia muito alpinismo, esquiava, esquiava na neve, voava, mergulhava, velejava muito. O tipo de filme que nós fazíamos aqui não tinha muito que por isso aí. Isso depende de atores, o que nós não tínhamos e um tipo de filme de aventura que não tinha mercado aqui.
MT- Mas era um tipo de filme que o senhor gostaria de ter feito ?
CS- Sim, eu fiz vários roteiros utilizando isso. Até um pouco, o Ramalho no “Os Filhos e Amantes”, eu levei ele num lugar de alpinismo em Itatiaia mas os atores não sobem duas pedras, então esquece não tem o que fazer. Eu gostaria de ter feito filmes sobre esporte.
MT- Que tipo de projeto o senhor tinha na época ou tem até hoje que o senhor não conseguiu fazer ? Algum grande projeto pessoal ?
CS- Eu tinha um grande filme que eu ia fazer com o Galante, mas na última hora o Galante ficou com medo e resolveu não fazer. Foi quando nós fizemos o “Anjos do Arrabalde” pra substituir o filme que eu ia fazer, que é um grande roteiro que eu ainda pretendo fazer. Mas hoje de certa maneira, ele ficou um pouco superado sobre “Pixote” e filmes nessa linha. Era a vida no interior de uma instituição de crianças abandonadas, mas não uma FEBEM, locais menores e na realidade um pouco a vida do Galante. O Galante não tinha pais e viveu num local que não era uma FEBEM, era um local muito melhor naquela época e você conseguia sair lá dentro com uma certa estrutura de vida. E encima disso aí eu tinha montado o roteiro.
MT- A história do Galante e depois o cara virava um produtor de cinema ?
CS- Não essa parte final era bem diferente.
MT- Mas virava marginal alguma coisa assim ?
CS- Não, não virava marginal mas era uma história muito pesada.
MT- Bem diferente dos filmes que o senhor realizou aqui na Boca ?
CS- Ah sim, bem diferente. Era um filme sério e um filme pra atores, que eu não fiz até hoje um filme pra atores.
MT- Quais atores o senhor pensou ? Chegou a falar com algum ?
CS- Não, não chegamos a ver atores. Talvez o Fagundes.
MT- O senhor falou com ele ?
CS- Nós falamos com ele. E ele tinha topado, mas depois o Galante resolveu não fazer porque o custo de produção ia ser um pouco alto.
MT- Tipo o “Anjos do Arrabalde” ?
CS- Ia ser mais que o dobro.
MT- Qual é o nome do filme ? Chegou a ter nome ?
CS- Não, não tinha nome.
MT- O senhor ainda sonha em fazer esse filme ?
CS- Eu tenho o roteiro ainda, que eu pretendo utilizar.
MT- É o projeto que o senhor mais quer fazer até hoje ?
CS- Não, é um projeto que eu quero mais fazer. Não o que mais, eu tenho um outro que eu destacaria em primeiro lugar, mas eu não acredito que vá fazer algum dia.
MT- Nenhum dos dois ?
CS- É, eu acho muito difícil fazer.
MT- Por causa do sistema hoje de fazer filme no Brasil ?
CS- Exatamente, exatamente. É por causa disso.
MT- Dinheiro só pra quem mora no Rio.
CS- Não, aqui também. Mas eu trabalho com isso, levantamento aqui da Cinearte. É um jogo muito duro, muito pesado.
MT- O Cláudio Cunha e o Fauzi Mansur também tentam fazer projetos hoje e não conseguem.
CS- O Mansur até ganhou um dinheiro aí, mas insuficiente pra uma grande produção. Então eu prefiro trabalhar pros outros, levanto pros outros, faço projeto pros outros, levanto dinheiro pros outros e não pra mim.
MT- Mas aí o senhor tenta com esse dinheiro um dia fazer um projeto do senhor ?
CS- Não sei dizer, talvez se surgir uma oportunidade. No momento não tenho esperança nenhuma.
MT- Um sonho ?
CS- Não, não chega.
MT- Uma vontade ?
CS- Uma vontade, não chega a ser um sonho. Não é uma coisa fundamental também. Eu acho porém mais fundamental velejar no final de semana que fazer um filme (risos).
MT- Eu queria saber como eram as relações da Boca com a bandidagem da região ?
CS- Olha, isso eu não sei dizer exatamente, o que eles diziam é que aqui na nossa quadra da Rua do Triumpho não se roubava carros. Você podia largar o carro, eu nunca tranquei carro, nem me lembrava de trancar. E nunca tive problemas realmente, diria que tinha um certo, não diria acordo mas como todos eram vizinhos e se conheciam então, eles não mexiam conosco, aqui. Mas não que houvesse um acordo. Só que como você olha pro sujeito todo dia e no caso deles você não vai ter coragem de mexer no carro e depois ele vai olhar na tua cara e saber que é você. Então, aqui nunca houve problema nessa época. Essa quadra aqui era meio oásis bem diferente do que acontecia ao redor, principalmente na rua de trás que era o começo da Cracolândia, no meio dos anos 80. Mas aqui não que houvesse acordo, mas como todos se conheciam de vista, eles não acabavam mexendo conosco. E realmente, você podia sair de madrugada daqui e nunca ouvi falar de problema aqui. Agora não, agora é bem diferente.
MT- Eu soube uma vez que roubaram o Cervantes e depois devolveram o dinheiro pra ele.
CS- Ah é verdade, tem uma história sim. E quando um dos chefes soube, mandou buscar de volta justamente porque eram todos conhecidos. Porque todo mundo sabia quem eram os líderes, então se acontecia alguma coisa você podia reclamar com os líderes.
MT- Isso tem até no filme do Clery: “O Rei da Boca” e tem outro “Eu Matei O Rei da Boca”, acho que do Custódio, já no explícito.
CS- Pode ser, pode ser. Esses filmes eu conhecia muito pouco, eu não assistia esses filmes.
MT- O senhor não curtia muito cinema da Boca ?
CS- Não. Muito, muito pouco.
MT- Nem o Fauzi ? O Cláudio Cunha ?
CS- Nada.
MT- Nem o Ody ?
CS- O Ody muito pouco, também. Só os últimos filmes dele que eu trabalhei em todos e eu só assisti porque fiz. Porque senão não assistiria. Realmente, era pelo prazer de fazer mas você sabia que o resultado não era nada de se esperar grandes coisas.
MT- Como o senhor vê o cinema da Boca hoje ? A relação dele com a Embrafilme ? E se o senhor sente nostalgia da Boca daquele ambiente ?
CS- Não, talvez um pouco de nostalgia só do grupo que eu acompanhava que era o Reichenbach, o Jairo Ferreira, o Éder. Mas na realidade nós não éramos de Boca, se encontrávamos aqui.
MT- O Éder também era desse time intelectual ?
CS- Também. Só que ele era um cara mais prático, não tinha saco pra ir numa união dos escritores escutar papo furado. Ele era um cara bem mais prático, mas ele pertencia assim.
MT- Mas ele conhecia cinema ?
CS- Ah sim, conhece bem cinema.
MT- O Carcaça já era um cara mais povão
CS- É, que era um eletricista.
MT- O Fauzi...
CS- O Fauzi não, o Fauzi tinha uma certa cultura. Ele começou a fazer filmes bem simples depois, mas ele começou com filmes muito bons.
MT- O Juan Bajon também
CS- O Bajon também. Realmente o caminho que se achou de fazer filmes aqui. Ou você fazia isso, ou então ia procurar outra coisa e não fazer cinema.
MT- Tem uma coisa interessante que o senhor foi assistente do John Herbert no “Tessa A Gata”. Como que foi essa experiência ?
CS- O Johnny também eu conhecia desde bebê, desde criança, ele era amigo do meu pai. Foi divertido, ele era um cara muito animado, muito divertido, entendia muito de cinema e de direção. E o que eu mais tinha de fazer era ficar controlando a produção que era muito de vagar. Então tinha de ficar correndo em termos de ver se estava tudo em ordem, num dia de filmagem porque senão não estaria nada acertado e nada daria certo. Mas com o Johnny trabalhar com ele também...
MT- Tranqüilo. Dos que o senhor trabalhou todos tranqüilos ? O senhor se arrepende de algum ?
CS- Não, isso não. Alguns mais complicados, tipo um Khouri é uma pessoa muito complicada, trabalhar com ele então você não poderia falar diretamente. Você tinha de criar toda uma roda pra ás vezes falar alguma coisa, ele era um cara muito difícil ás vezes. Mas também como direção foi a pessoa que eu mais aprendi, ele realmente de todos esses diretores, o único realmente diretor de atores era ele. Ele sabia também como levar os atores, os outros não, os outros nenhum diretor realmente. O Carlão, mas o Carlão outra maneira. É um outro tipo, mas o Carlão também não é um grande diretor de atores. Ele sabe montar o que ele quer e os atores normalmente são bons, sabem o que ele quer levar uma estrutura, uma linguagem de uma história e os atores entram nesse sistema. Mas em detalhes muito sutis de direção, também fica meio que só o Walter percebia isso. Ele realmente era bom nisso aí.
MT- É verdade que o Ody dizia que o Walter parecia homossexual ?
CS- (risos) Isso é uma lenda que tem, ai eu não sei. O pessoal de comercial sempre dizia que o Walter era veado. Eu acho que não era verdade, eu nunca vi nada nesse sentido. Ele era um tipo de pessoa realmente que ás vezes gritava, punha a mãozinha na cintura. Mas não que tivesse algum sintoma de homossexualismo nisso aí, muito pelo contrário. Mas ele gostava muito de fazer um charme, ele criava uma figura o Walter. Ele usava um chicotinho, ele era muito baixo então usava um salto alto, não salto alto um sapato de alto maior que o normal. Ele criava um personagem e era muito estourado e quando as coisas não começavam a dar certo: ele gritava, jogava as coisas no chão, ia embora, ia pra casa dele e largava todo set montado e ia embora. Aí você tinha que sair atrás dele, conversar com ele.
MT- Era difícil então ?
CS- Era uma pessoa difícil.
MT- E a relação dos produtores com ele ?
CS- Era muito difícil.
MT- Ele teve alguns problemas com o Aníbal inclusive ?
CS- Teve, no final ele teve. Que alguns problemas que até ficaram na Justiça, mas nunca foi adiante ficou por isso mesmo. Foi justamente numa época justamente em que o Walter ficou muito doente, e o Aníbal queria montar de qualquer maneira e aí...
MT- Depois que o irmão dele morreu que ele ficou pior ?
CS- Eu acho que talvez, eu não sei bem. Mas eu acho que sim, porque o irmão era um cara que organizava a vida dele. Era quem comandava a Vera Cruz, o espólio Vera Cruz e que parece que organizava financeiramente tudo. A hora que o irmão morreu, o Walter não tinha muita cabeça pra essas coisas. Ele era um cara que gostava de ficar sozinho, viver sozinho, fazer as coisas dele durante o dia. E a hora que ele teve de organizar o mundo aí acho que ele se complicou um pouco.
MT- Ele morreu novo.
CS- É, ele não era muito velho não. Acho que elenão tinha setenta, ou uns setenta e poucos só.
MT- Ele ia no Soberano muito ? Convivia com esse pessoal ?
CS- O Walter...Não, o Walter não vinha aqui. Inclusive quando tinha produção e mesmo o Galante estando aqui na Cinearte, ele não vinha aqui eu é que ia na casa dele.
MT- Ele morava onde ?
CS- Na Martins Fontes. O filho dele ainda mora lá, não no mesmo apartamento dele, mas no mesmo lugar. Onde tem aquela rua que sai da biblioteca e que vai dar na Augusta, naquela rua no meio daquela rua.
MT- O acervo da Vera Cruz ainda dele ?
CS- É da família dele. É do filho dele e não sei se é de algum primo também, que era de algum irmão. Eu não sei bem como é que é.
MT- Falando do Khouri, o senhor sabe porque ele assinava a câmera com aquele pseudônimo Rupert Khouri ?
CS- Pra não por o nome dele, ele punha Rupert.
MT- O Carlão também tem isso no “Paraíso Proibido” e na “Ilha dos Prazeres Proibidos”, ele botou Alfred Stinn mas é ele mesmo...
CS- Pra não por o nome deles, botavam outro nome. E quando você faz uma outra função assim e você não faz com tanto cuidado, você prefere botar um outro nome.
MT- O maior sucesso comercial do senhor como diretor foi mesmo “A Menina e O Estuprador” ?
CS- Foi o filme que mais foi bem. Os outros foram caindo um pouco e o Galante comprou um grande sítio com esse dinheiro (risos).
MT- Ele gostava de sítios o Galante ?
CS- Gostava, eu acho que o fato de viver numa instituição a vida toda. Ele saiu do nada realmente, o Galante e se fazer acho que ele queria uma coisa no interior.
MT- Ele era bem amigo do seu pai também ?
CS- Conheciam porque o meu foi produtor de um ou dois filmes dele. Mas não eram amigos.
MT- Que os outros filmes da Boca o pai do senhor participou ?
CS- Não fez muitos aqui não.
MT- “O Império do Desejo” do Carlão...O senhor que fez ele participar desse filme ?
CS- Não, ele que optou. Ele que fez o do Khouri, porque o Khouri não queria produtor da Boca, muito ruinzinhos, então chamaram o meu pai. E depois surgiu o próprio Galante e nós íamos fazer um filme do Biáfora e eu ia fazer a cenografia. Porque na realidade eu entrei em cinema pra fazer direção de arte e nunca fiz. Íamos fazer um filme do Biáfora e acabou não dando certo, e fizemos um mas não me lembro se era do Carlão ou do Carcaça o primeiro. Um dos dois e o do Carlão logo em seguida. Acho que foram os únicos da Boca que ele participou.
MT- Ele morreu quando ?
CS- Foi 81.
MT- E a experiência com o Castelini ? O Carlão conta, que o Cláudio Cunha dava muito problema pra filmar a esposa dele a Simone Carvalho. E o Castelini dava muito pra filmar a Scalvi ?
CS- Não, isso não tinha nenhum problema e não tinha nenhum ciúme de largar a Patrícia com os atores. Principalmente que os atores eram sempre muito conhecidos deles e não tinha nenhum problema. O Castelini entendia bem de cinema e sabia o que tava fazendo. Com ele não tinha problemas assim.
MT- Era meio filmes de terror ?
CS- É, foi a linha que ele tentou seguir, mas ele também não teve muita sorte em termos de público, então, não teve êxito. Que eu saiba não e depois ele não conseguiu mais produtores.
MT- Ele era dessa turma do senhor, do Carlão ?
CS- Não, não era. Mas tava sempre por aqui, aqui na Boca.
MT- O Mário Vaz era dessa turma ? Estava por aqui ?
CS- Não. Estava sempre aqui, mas não era da nossa turma também. Ele era mais ligado a um outro pessoal: Cláudio Portioli e eles não eram muitos ligados a nós.
MT- O senhor trabalhou com o Portioli ?
CS- Bastante, bastante.
MT- É verdade que ele não tinha muita paciência ?
CS- Ele era um cara meio estouradão, inclusive ele fez conosco aqui o “Cangaceiro” do Aníbal.
MT- Deve ter sido o último filme dele
CS- Longa-metragem, acho que foi o último.
MT- O senhor participou desse filme ?
CS- Fiz.
MT- O senhor fez o que ?
CS- Fui assistente de direção.
MT- Pô...Não tem esse dado seu Conrado...Nem no IMDB, nem no livro do Leão. Nem do Luiz Felipe Miranda.
CS- Eu tenho mais de quarenta filmes, eu não sei dizer o que tem. Uma fez eu até eu entrei nesse site e vi que faltava alguma coisa. Eu vi que você podia acrescentar, mas você precisa pagar pra acrescentar (risos). Pagar anualmente, então eu não vou acrescentar nada e vai ficar assim mesmo. Inclusive eu tinha filmes eu não sei se você tem aí, tem uns dois, três filmes puseram o meu nome. O Miziara fez, e pos o meu filme.
MT- “Curras Alucinantes” o senhor foi câmera e o senhor foi diretor musical do “Sem Vaselina” do Miziara.
CS- Não tenho nada, não fiz nada (risos). Então, mas não fiz, não fiz (risos).
MT- No livro do Leão, eu conferi, tá assim também. O senhor fez tá lá.
CS- Não fui eu, eu não fiz nada (risos).
MT- Eu ia te perguntar disso dessa história de trilha sonora mas deixa pra lá. Com o Ary Fernandes o senhor trabalhou mesmo ?
CS- Eu fiz um filme com ele que eu me lembro.
MT- Entendia de cinema ou era mais na linha do Carcaça ?
CS- Mais na linha do Carcaça. Ele não entendia de cinema, mas sabia fazer filmes. Tinha bastante experiência fazendo filmes.
MT-Ele fez “O Vigilante Rodoviário”, mas ele fez explícito também.
CS- No final ele fez. Teve uma época ou você fazia isso aí ou você não fazia cinema no meio dos anos 80. Na realidade esse mercado era muito pequeno dessas pornochanchadas, era um mercado de centro de cidade e centro de cidades de interior. Não existia mais cinemas. Então, quando esses cinemas passaram a passar só explícito você não tinha onde exibir outro tipo de filme, esse filme sem ser explícito.
MT- Ai foi morrendo
CS- Em seguida morreu..
MT- Qual a visão pessoal do senhor sobre o fim do cinema da Boca seu Conrado ?
CS- Justamente o fechamento de cinemas de cidade. Só existia esse cinema ainda aqui porque existiam essas salas. Quando acabaram essas salas, acabou.
MT- Acabou o circuito, acabou a distribuição.
CS- Que eram filmes baratos e rudimentares.
MT- Artesanais.
CS- Totalmente artesanais. Quando acabou a distribuição, acabou o cinema aqui também.
MT- 86, 87 por aí seu Corando ?
CS- Um pouco mais, acho que até 89.
MT- O senhor participou de filmes explícitos seu Conrado ?
CS- Fiz vários. Com o Ody, um dos primeiros filmes explícitos “Fome do Sexo”, um dos primeiros com o Ody Fraga,
MT- E pro senhor não tem problema ?
CS- Não tem problema nenhum.
MT- O pessoal ás vezes tem vergonha.
CS- Não, não tenho problema nenhum.
MT- O Carlão fez ?
CS- Ele fez também com o Jean Garret.
MT- Foi fotógrafo ?
CS- Fotógrafo.
MT- “Excitação”, “Noites Em Chamas”.
CS- Eu não sei dizer, porque eu não fiz esses filmes, então eu não sei dizer.
MT- O Mário Vaz, passamos filmes dele na mostra e ele foi. Ele mora em Sorocaba, e passou o filme dele e ele achou que não ia mostrar as cenas de explícito, eu acho que ele pensou que não ia passar. E ele ficou meio com vergonha.
CS- Ele é uma pessoa intelectualizada. Mas nessa época todo mundo entrou, todo mundo fazia ou você fazia isso ou você não fazia mais cinema aqui.
MT- Mas vocês já estavam vendo na época que esse cinema explícito ia terminar o cinema na Boca ?
CS- Estava, porque era um custo de produção tão baixo que não dava pra ter uma equipe. Então tava dispersando todo mundo: os eletricistas. Fotógrafos de melhor qualidade, pessoas que não tinha mais.
MT- O Éder por exemplo.
CS- O Éder...Não sei se ele chegou a montar algum...Porque não tinha mais trabalhos pra fazer e foi todo mundo dispersando, indo pra outras coisas ou pra comerciais. Mas dava pra se perceber claramente que não ia ter mais cinema. Então, os produtores que já tinham um certo nível, um certo poder perceberam que não tinha mais o que fazer aqui e foram arrumar alguma outra coisa pra ganhar dinheiro. O Galante foi um deles.
MT- Que faz o Galante ?
CS- Agora ele cuida de vaca. Mas nessa época, ele tentou fazer um grande filme que era “O Cangaceiro”, ele que ia fazer esse filme. Mas depois ele acabou se associando com o Massaini e no final acabou passando tudo pra Massaini, porque ele percebeu que ele já não tinha mais pra fazer. Ele era uma pessoa simples, que sabia fazer cinema simples. Quando entrou uma coisa mais elaborada, ele falou: “Opa, isso não é mais comigo”.
MT- Ele sabia fazer isso que o senhor falou: falar com um distribuidor, já bolar uma história.
CS- Exatamente, ele não sabe ir numa grande empresa e pedir um dinheiro através de incentivo fiscal. Ele não tem linguagem pra isso, ele sabia conversar com o distribuidor e arranjar uma graninha pra fazer um filme simples aqui, que ele chama as pessoas. O roteiro ele edita, nem escreve, então quando ele percebeu que o negócio ficou mais sofisticado, ele percebeu que o negócio não era pra ele.
MT- Mas os filmes do senhor mesmo sendo pornochanchadas tinham roteiro ?
CS- Não, você faz tudo mas de acordo com a cabeça dele.
MT- Aquela cena na “Menina e O Estuprador”, que termina em uma cachoeira foi filmado na Guarapiranga também ?
CS- Cachoeira ? Não.
MT- O filme termina numa cachoeira, a Vanessa e o ator que faz o namorado dela.
CS- Olha não to me lembrando da cachoeira. Guarapiranga não era mas não estou me lembrando da cachoeira não. Eu conhecia a Serra do Mar, porque eu fazia muitas caminhadas e talvez eu tenha ido no começo na Serra do Mar em alguma cachoeira. Eu não sei dizer agora, não me lembro da cena pra te falar o que é.
MT- Quando tempo durava em média um filme da Boca nos anos 80, quando o senhor dirigiu e participou ?
CS- Olha, até o início dos anos 80, 81 durava de três a quatro semanas. Aí foram diminuindo: três semanas, duas semanas. No final fazíamos filme em uma semana.
MT- “A Menina e O Estuprador” durou quanto tempo, por exemplo ?
CS- Três semanas, eu acho que três semanas.
MT- Rapidinho, se filmava rapidinho ?
CS- Sim.
MT- Filmava quanto por dia: cinco minutos ?
CS- Ah, não existe uma proporção assim. Umas três, quatro seqüências por dia, depende da locação que utilizávamos. Mas rápido, tudo muito rápido. Você não exigia muito dos atores, você não repetia muito. Quando você que os movimentos foram corretos e a interpretação estava razoavelmente boa, estava pronto.
MT- Então não se refazia ?
CS- Só se havia tivesse algum problema no meio, se não houvesse problemas a gente não refazia a cena.
MT- Vocês gravavam o filme na seqüência do roteiro ou gravava uma parte aqui, outra ali ?
CS- Não tem ordem nenhuma até hoje, vai de locação. Isso não tem nenhuma ordem.
MT- O senhor trabalhou com o Alfredinho em “As Prostitutas do Doutor Alberto”. Como foi ? Ele era meio cult: crítico, tinha sido assistente do Walter Hugo em “Noite Vazia”.
CS- Mas ele é um bom diretor. Ele é um cara bem intelectualizado também, entende bem de cinema. O Galante uma época resolveu montar um estúdio. Inclusive eu fui o projetista do estúdio, fui eu que fíz o estúdio. De repente, ele resolveu fazer filmes em série lá. Então ele fez um filme com o Carcaça e em seguida um com o Alfredinho. Então, ele quis aproveitar as mesmas locações, os mesmos cenários, um da “Prisão” do Carcaça e em seguida surgiu esse “As Prostitutas do Doutor Alberto”, então o Alfredinho Sternheim criou uma história utilizando uma prisão. Mas era com bons atores, com o Serafim Gonzalez e eu fui assistente de direção dele.
MT- Não sei se o senhor sabe mas esse filme do Carcaça, virou cult nos Estados Unidos e vende.
CS- Qual deles ?
MT- Esse da prisão, que o senhor foi assistente dele. No IMDB tem imagem inclusive porque é vendido e esses filmes de prisão tem uma porrada de fãs no mundo afora aí.
CS- Eu não sabia, eu não sabia disso não (risos). O terrível desses filmes é que não tem mais relançamento nada, de DVD, absolutamente nada.
MT- Do Fauzi Mansur e do Clery tiveram. “Noite do Desejo” e “Joelma Vigésimo Terceiro Andar”.
CS- É foi feito a pouco tempo, mas os do Galante não tão relançando e de outros diretores aí.
MT- É muito triste. Eu acho que o Galante era um produtor de vanguarda.
CS- Agora estão relançando todos da Cinedistri e da Cinearte. Todos os filmes antigos da Cinedistri.
MT- Afinal de contas, a Cinedistri faliu ou mudou de nome ?
CS- Não faliu. Simplesmente o antigo Oswaldo Massaini parou de produzir.
MT- Aí ficou o Aníbal
CS- Não, mas aí ele tinha a empresa dele não era nem aqui, era em outro andar.
MT- Eles tinham duas empresas então ?
CS- Ele tinha a empresa dele não era nem aqui, era em outro lugar. Tinha a Cinearte, aí o filho começou a partir daí a Cinearte e a Cinedistri simplesmente parou de trabalhar. A Cinedistri está ressurgindo agora, nós vamos fazer agora “A Família Real” pela antiga produtora.
MT- Mas as duas são do Aníbal ?
CS- Hoje sim, dele e do irmão dele.
MT- O senhor sabe se o seu Oswaldo tinha meio receio de fazer pornochanchada ?
CS- Nunca quis fazer, isso pra ele não interessava. Como o cinema foi pra essa linha, ele resolveu não produzir mais.
MT- O senhor chegou a conhecer ele ?
CS- Sim, já no finalzinho da vida dele não trabalhando. Ele já não trabalhava mais.
MT- Ele fez “O Marginal” do Manga que é um filmaço.
CS- O último foi “O Caçador de Esmeraldas”.
MT- Foi um grande fracasso ?
CS- Não deu lucro, simplesmente não deu lucro. Depois esses filhos tavam mais nessa linha mais de chanchada, essas coisas e ele falou: “Não, esse cinema não é o meu” e aí ele parou simplesmente. E ele resolveu fechar a distribuidora porque não queria mais trabalhar com isso, os filhos não queriam mais acompanhar. Então, fechou. Aqui ficou uns cinco, seis anos totalmente vazio com ele vindo sozinho aqui ver as cartas dele. Aí o Aníbal resolveu voltar pra cá, com outra empresa já não tendo nada haver com a Cinedistri. Que se chama Cinearte.
MT- O senhor disse que o que você mais gosta de fazer em cinema é fotografia. Por que você fotografou tão poucos filmes ?
CS- Porque eu nunca me dedique a ser somente fotógrafo e isso surgiu outras coisas. Porque além disso aí, eu sempre fiz muito documentário e nos anos 90 todinho eu fiquei fora do Brasil, eu fazia documentários pra empresas japonesas e ficava baseado nos Estados Unidos. E trabalhava muito pela África, pela Ásia e aí sim, o que eu realmente gosto de fazer é documentários, mas do que ficção.
CS- Isso seria por influência do pai do senhor ?
CS- Mais ou menos, outro tipo de documentário.
MT- Ele era mais de cinejornal ?
CS- É ele foi muito de cinejornal, ele trabalhou muito com o Primo Carbonari e com outros aí e ele era um pouco nessa linha de produção. Eu gosto de fazer documentários, um pouco menores mas específicos. Tipo, eu fiz muito na África, sobre massacres principalmente, sobre guerras. Eu estive em todas as guerras da Croácia, da Bósnia. Tive na Somália e outros médicos também, fiz.
MT- Serra Leoa ?
CS- Serra Leoa não. Haiti, por exemplo.
MT- Angola ?
CS- Angola.
MT- Conta um pouco pra gente isso.
CS- No início dos anos 90, não podia entrar canais estrangeiros no Japão, eles limitavam muito. Então, japoneses precisavam muito de jornais de fora, de coisas que aconteciam fora porque não podia por lá dentro. Por isso, eles tiveram aqui no Brasil fazendo um filme sobre favelas e essas coisas assim e eles tiveram muito dificuldade em fazer. No caso, eles tinham uma distribuidora de filme e eles eram amigos de distribuidores aqui do Brasil, que me indicaram pra fazer pra eles esse trabalho. E depois desse trabalho, então eles chamaram pra trabalhar pra eles e me mandavam pro mundo todo pra fazer gravações e documentários e coisas que eles não poderiam fazer, eles achavam que era muito difícil de fazer e então eles mandavam brasileiros pra lá. Iam mandar pro Japão e eles faziam jornais pra executivos, jornais que diziam o que tava acontecendo no mundo e eles gostavam de cenas muito violentas. E faziam também outros tipos, faziam Faces da Morte, eu fiz uma grande parte da Faces da Morte.
MT- O que é Faces da Morte ?
CS- É uma porção de filmes, na época muito famoso só de cenas muito pesadas. Só de gente morrendo, tragédias.
MT- Era difícil psicologicamente ?
CS- Não (rindo), não tinha nenhum problema em absoluto. O problema era não levar tiro e não morrer (risos), o resto tava pouco ligando o que acontecia. E depois passamos a fazer documentários mais sérios, trabalhei também pra outras empresas Sportv, CNN e outras coisas pra fazer certos tipos de documentário.
MT- Pra filmar futebol seu Conrado ?
CS- Isso, depois que eu comecei a fazer o “Pelé Eterno” começou a surgir do mundo todo pra fazer futebol, eu fiz muito pra televisão. Eu fiz “Fifa Television” da Fifa, durante um tempo e depois eles terminaram o programa.
MT- Pra TV a cabo ?
CS- Passava aqui no Brasil pela TV a cabo, eu fazia parte dos latino- americanos. Até começar o filme do Pelé, eu não sabia o que era futebol. Eu nunca gostei, nunca acompanhei. Eu não, nunca gostei e nem sabia o que era futebol direito, nunca joguei futebol na minha vida, de repente eu teve de virar um grande expert em futebo, (rindo).
MT- O senhor torce pra algum time ?
CS- Não sou nada, não consigo torcer prum time ainda mais depois de ter entrevistado mais de 150 jogadores já não acredito mais em futebol.
MT- O senhor entrevistou tudo isso ?
CS- Pro filme do Pelé entrevistamos, fizemos 150 entrevistas. Que não entraram todas no filme e todo pessoal antigo nós entrevistamos.
MT- Qual foi o mais marcante de todos esses ?
CS- Tem os que são melhores, o Pepe é um cara que você consegue mais conversar, tem mais consciência do que passou. A maioria já tava com pouca memória, então eles exageravam nas cenas.
MT- Dá pra fazer mesmo assim ?
CS- Claro, você faz que você nunca sabe como vai ser a edição depois você precisa aproveitar tudo. Você precisa ter 30 horas de material pra tirar uma hora, mas não teve assim um mais forte não.
MT- Esse “Faces da Morte” é vendido somente pro Japão ?
CS- Não, pra todo o mundo aqui toda locadora tinha era uma coleção duns dez filmes. Eu não fiz os primeiros, eu fiz os últimos.
MT- Nos anos 90 ?
CS- Isso nos anos 90, uma época que não teve praticamente filmes pra fazer aqui. Ou se fazia comerciais e trabalhava fora.
MT- Fez bastante comerciais seu Conrado ?
CS- Não fiz muitos não. Eu fazia como técnico, muitos como fotógrafo e muitos na parte de assistente de direção, que não era bem assistente de direção, que coordenava a produção toda e contratava o fotógrafo e o diretor, mas eu participava sempre das filmagens. Mas eu não era bem assistente, em comerciais se chama coordenador de produção.
MT- Mas o senhor nunca imaginou ir da Boca do Lixo pra “Faces da Morte” ?
CS- Olha eu nunca me imaginei na Boca do Lixo, isso realmente foi inusitado.
MT- O senhor pensava em seguir carreira no cinema, mas de algum modo diferente ?
CS- Nunca, nunca pensei em fazer cinema. Eu comecei em fazer cinema, pensando em fazer cenografia que eu era designer, mas era mais ligado a fotografia, eu queria continuar como fotógrafo, fiz fotografia pra revistas de casa, moda.
MT- O senhor chegou a participar de fotonovelas do Jean Garret ?
CS- Não, não cheguei não. Foi antes de eu começar de fazer cinema aqui. Eu entrei aqui meio por acaso e acabei ficando, até hoje mais ou menos. Agora depois de um tempo, você entra e não sai mais. Mas o cinema de Boca, acabou faz um bom tempo e a única produtora que permanece aqui é essa, você não tem nenhuma outra. É o único andar, esse prédio todinho, todinho era de produtoras.
MT- Esse prédio se chamava Soberano mas não tinha nada a ver o nome ?
CS- Não, o Soberano é que botaram o nome por causa desse prédio.
MT- Era aqui pra frente ?
CS- Era um pouco mais pra lá (diz apontando para a esquerda), agora não existe mais é uma loja de material velho de informática.
MT- O Galante era num sobrado ?
CS- É era seguindo aqui, também uma loja de resto de informática também, uns três prédios seguindo aqui, só de um andar.
MT- Tudo na rua do Triumpho ?
CS- Tudo nessa quadra aqui.
MT- O Cervantes ?
CS- O Cervantes era no mesmo prédio embaixo.
MT- O Clóvis ?
CS- O Clóvis era aqui no sétimo andar, uma salinha aqui.
MT- Nelson Teixeira Mendes ?
CS- Todo mundo era aqui.
MT- Nesse prédio ?
CS- É. Esses tipo de produtores tipo o Clóvis, nunca foram produtores, foram investidores de filme. Eles não tinham produtora, ou melhor eles tinham uma empresa que eles chamavam de produtora mas nunca foram produtores, eles nem sabiam o que era cinema direito. Eles tinham dinheiro e chamavam um diretor, que apresentava uma história pra eles e fazia o filme. Eles tinham um escritório, mas somente pra fazer os cálculos, porque nunca entenderam de cinema. O Clóvis nunca soube o que era cinema.
MT- E o Galante ?
CS- Não, o Galante trabalhou como técnico e começou em estúdio varrendo estúdio.
MT- Ele começou na Maristela, mas numa função muito simples né ?
CS- Exatamente.
MT- É verdade uma história que ele trabalhou como faxineiro ou outra função simples com o Khouri e um dia o WHK meio que humilhou ele e ele falou: “Você vai ver, eu ainda vou produzir filme seu” ?
CS- Aí eu não sei se é verdade. Pode ser, pode ser.
MT- O senhor recebeu o livro do Alfredinho de cineastas da boca ?
CS- Eu recebi o livro do Alfredinho, me deu um. Eu fui a pouco tempo entrevistá-lo pro Canal Brasil, foi o Ricardo Pinto e Silva e eu fui fotografar.
MT- O senhor ás vezes faz alguma coisa pra eles ?
CS- Só de vez em quando, que precisa gravar alguma coisa porque o Aníbal é um dos diretores.
MT- Ele, o Farias e quem mais ?
CS- O Barreto, o Cacá, uns cinco ou seis. Hoje mesmo está tendo reunião lá no Rio.
MT- Ele se marcarmos dia de vim aqui ele topa ?
CS- Olha, topa mas é muito difícil de marcar, nós estamos num momento muito difícil aqui. Hoje foi por acaso que ele foi pro Rio e tinha que apresentar um projeto hoje pro BNDES que foi adiado, senão não ia dar pra fazer ia ficar muito complicado. E correr pra escrever 20 horas, por dia não tá fácil. Eu to montando ainda de noite um curta que eu fiz em Santos com o Nuno Leal Maia.
MT- Ele voltou pra Santos ?
CS- Não, ele mora em Santos.
MT- Ele dirigiu ?
CS- É, ele dirigiu e eu iluminei.
MT- Ele marcando um dia ele topa ?
CS- Depende tempo, agora tá no Rio, não sei quando volta, acho que só de final de semana.
MT- Ele tava com problema de saúde ?
CS- Ele tá bem, não sabia que ele tava com problema de saúde.
MT- Mas porque ele perdeu o cabelo né ?
CS- Eu sei que ele perdeu por idade, mas não sei se perdeu por doença.; MT- Como foi trabalhar com o Anão Chumbinho nas “Prisioneiras da Selva Amazônica” ?
CS- Com ele era um terror, ele é uma pessoa muito simples e ele mal entendia o que você pedia pra ele. Então, você tinha de usar ele pela ingenuidade dele, então: “Vai pra lá”, “Fica quieto”, “Dá uma risada” e ele fazia. Era uma pessoa muito complicada, ele como pessoa era tranqüilo, era simples, mas era muito difícil você tirar alguma coisa dele. Então, você tinha já de cara que ele era assim e usar somente o que ele podia te oferecer. E ele tava mendigando um tempo atrás, quando eu vi ele.
MT- Isso faz quanto tempo ?
CS- Faz uns dois anos.
MT- Já velhinho ?
CS- Não, a cara dele era mesma.
MT- Aqui na Boca ? Onde ?
CS- Na Consolação eu vi ele, no início da Consolação.
MT- O senhor não tentou falar com ele ?
CS- Não, eu estava passando de carro, na beira da rua
MT- Mas o senhor logo reconheceu ele ?
CS- Reconheci logo, tava todinho estropiado mendigado.
MT- Tem uma enquete na Internet o que aconteceu com o Anão Chumbinho, se ele foi fazer um filme na Patagônia, umas histórias.
CS- Eu não sabia não, parece o Gabinha sabe dele. Deixa eu ver se o Gabinha está aí (saindo, após a pausa voltamos a entrevista).
MT- O filme da Carla, como foi ? Foi uma proposta do Galante também ? Como foi pro senhor fazer em Salvador ?
CS- Foi uma proposta do Galante e do sócio dele, de distribuidor o Magalhães.
MT- Sempre o distribuidor dele foi o Magalhães ?
CS- Olha 90% dos filmes foi o Magalhães. Foi o grande financiador dos filmes do Galante e depois lançavam os filmes e dava participação do Galante sempre. E o Galante diz que sempre foi roubado, mas isso eu não sei. Essa parte você nunca vai ficar sabendo porque eles fazem uma contabilidade muito furada, muito superficial. Mas foi o Galante queria voltar a fazer cinema, e quando surgiu todas essas partes de incentivos fiscais e muita gente começou a produzir, então ele falou: “Opa, eu vou entrar nessa também”. E ele veio pra São Paulo, preparou o projeto de três filmes, eu fui que preparei os projetos inclusive pra ele que não tinha o da Carla no meio. E conforme nós fomos levando adiante esses projetos, ele começou a sacar que o negócio não ia ser tão simples como ele pensou, mas ele queria fazer um filme, tava doido pra fazer um filme e encontrou o Magalhães, que era apaixonado pela Carla Perez. Você não acredita que tinha todos os recortes de “Notícias Populares”, “Última Hora”, tudo sobre a Carla.
MT- Mas em que sentido essa fixação dele ?
CS- De fixação da imagem dela, de olhar aquela imagem. Eles foram almoçar no clube Nacional num sábado e saíram de lá combinado que iam fazer um filme com a Carla Perez. Mas pô, quem vai fazer o filme pela Carla Perez ? Aí, eu pô (risos). Quando era uma coisa que diretor mais sério, tipo o Reichenbach não ia fazer então ele olhava pra minha cara: “Vai lá e faz” (risos). E fomos lá e fizemos, mas a realidade esse filme é metade do filme, nós fizemos somente metade do filme. Mas nós só filmamos 50%.
MT- O Perry Salles tá sensacional.
CS- Tá, tá muito bem. Por sorte encontramos ele lá em Salvador, ele tinha um teatro lá e então pegamos ele como ator , porque não ia ter ator o filme. Senão não ia ter ator. Tinha só o Lázaro Ramos.
MT- Como que foi o começo do Lázaro ? O senhor se sente descobridor dele ?
CS- Não. Nós chamamos uma porção de atores e ainda temos o teste com ele aqui gravado. Fizemos o teste com uma porção de atores e ele de cara, você vê que ele se destaca. Eu criei dois garotos pra ficarem com a Carla, porque ela eu sabia que não ia tirar nada como atriz, então tinha de ter alguém do lado pra levar alguma coisa. Fizemos o teste com vários atores e ele é um deles. Ele é de Salvador, de teatro amador. Ele trabalhava ainda num posto de saúde e coisa assim, então nós tínhamos que acertar os horários, os dias que podia e não podia, mas valia a pena porque você sabia de cara que ele era ator. Então e ele foi muito bom, se não fosse por ele ia ser uma tragédia lá, ele e o Perry que seguraram tudo. Porque já sabíamos que não ia tirar absolutamente nada da Carla.
MT- E o Alexandre Pires também participa ?
CS- É, porque era namorado dela na época, só por causa disso.
MT- E tinha problema com ele ?
CS- Não tinha problema nenhum. No nosso local de produção ele nunca ia, ia uma vez ou outra.
MT- Mas era uma loucura gravar com ela em Salvador ?
CS- Um terror. Tem uma hora que fizemos nos Alagados numa favela, que nossa...Fizemos metade só porque tínhamos de fugir de lá. Deu pra fazer uma cena dela entrando num caminho feito todo de tábuas em cima dos Alagados. Uma parte inicial deu, mas depois o que tava pretendido não deu mais. Só que tivemos problemas seríssimos com ela, que atrasou de chegar lá duas semanas. E com toda a produção montada, ela simplesmente não apareceu. Aí quando apareceu porque eu fui na vara de processo, mas de vez em quando ela também sumia. Aí morreu aquele cantor, o Leandro & Leonardo um deles e ela simplesmente sumiu no dia, foi no velório e apareceu lá. “Cadê a Carla ?”, não sei, aí alguém ligou a televisão e disse: “Tá chorando em cima do túmulo do cara”. Portanto, nós simplesmente não conseguimos terminar o filme todo, simplesmente filmamos 50% do roteiro. Porque, com ela foi impossível. Ela topou fazer, porque puseram um cheque na mão dela. Mas a Carla, a hora que ela percebeu que ela tinha de ficar conosco 24 horas por dia, ela deu pra trás. Isso não é o mundo dela, ela disse: “Opa, não é aqui que eu vou ficar”. Ela imaginou algo tipo videoclipe, tipo show que é uma coisa de minutos e acabou.
MT- O senhor sabe que tem comunidade no Orkut da “Cinderela Baiana” na internet ?
CS- Eu não sabia. Você tem esse endereço ?
MT- Eu nem tenho, porque eu não tenho Orkut. É meio idolatrado por esse pessoal mais intelectual. Ficou cult.
CS- Engraçado, eu não sabia disso. Foi um filme que nós fizemos tecnicamente com muito cuidado, mas em termos de atores nós não tínhamos nada. Tínhamos o Lázaro, o Perry e ela, que realmente não dava pra tirar nada.
MT- Mas ela era gente boa ?
CS- Era. Porque quando você conseguia por ela no set de filmagem não tinha problema, ela topava fazer qualquer coisa, não criava problema. Só que sumia, o negócio dela não era isso. Quando tinha show e na Bahia tinha show toda noite, ela ia embora e pra achá-la no dia seguinte ? Ela atrapalhou muito a produção.
MT- Foi um grande fracasso ?
CS- Foi, aí eu acho que o grande erro foi um grande erro também do Magalhães, o distribuidor. Ela era uma estrela popular e lançou em shoppings, nos grandes shoppings. Não tinha público, nos shoppings prum filme dela, eu acho que eles erraram um pouco o mercado que eles tentaram alcançar. Entrou nessa linha de distribuição de shoppings, que não era público pra esse filme, e também teve outro problema muito sério. Os dois: o Galante e o Magalhães brigaram no final da produção. Brigaram seriamente, então o Magalhães pegou o filme e distribuiu escondido em todo o Brasil. Então, você não tem registro de onde passou o filme, então tinha de passar correndo num lugar sem grandes movimentos pra anotar quantas pessoas tinham ido lá. E mesmo se tivesse ido bem, você não sabe porque não deixou vestígio. Aqui em São Paulo eu sei, porque foi um lugar que deu pra controlar. Mas foi mal porque se lançou em shoppings. Ela não era uma figura pra lançar em shoppings e fora daqui você não sabe onde passou. Então, acredito que tenha dado de qualquer maneira um dinheiro suficiente pra pagar o investimento.
MT- Mas pagou o investimento ?
CS- Não sei, mas acredito que tenha pago, mas você não sabe onde tenha pago. Por acaso, o meu assistente de câmera que em seguida foi filmar em Manaus me ligou e disse: “Olha o filme tá passando aqui” e não tinha registro, ninguém sabia que tava passando lá. Então ele passou no Brasil todo sem informar ninguém, pro Galante não saber.
MT- Mas eles pensavam na indústria daquela época também né seu Conrado ?
CS- É, a cabeça deles era muito antiga, eles estavam muito fora da história. Totalmente do Galante. Quando alguém estourava no cinema, tipo Helena Ramos, ele sabia que fazer um filme com ela ia ser um estouro e pensaram o mesmo da Carla. Mas era outra época já que...
MT- É na época o pessoal pagava pra ver a Helena Ramos no cinema, mas hoje o pessoal não paga pra ver mulher no cinema.
CS- É, não é uma bunda a mais que atrai. Hoje mudou, é outro público. Esse cinema que eu sempre falo de centro de cidade, acabou e esse público não existe mais.
MT- O público popular de cinema brasileiro não existe mais.
CS- Acabou, acabou.
MT- Muito caro o ingresso hoje. Na época era mais barato ?
CS- É, eu to fazendo os cálculos aí. Hoje, um ingresso médio saí por sete reais e dezesseis centavos, é um valor muito alto pra cá. Então, realmente é pra shopping e pra casal de namorados, não é pra outra coisa mais. Ou é pra criança de shopping, de nível médio em diante.
MT- O público de pornochanchada era completamente popular. Certo seu Conrado ?
CS- Muito popular, sabe de office-boys, desocupados.
MT- Masculino né ?
CS- 80% de masculino.
MT- O pessoal não se masturbava em salas de cinema na época da pornochanchada seu Conrado ?
CS- Existiam salas que diziam que era praticamente pra isso, mas eu não acompanhei muito isso aí. Nem o Aguilar acompanhou muito, ele pegou muito o final. O Carlão falava muito de coisas assim, da noite mas era uma fase um pouco anterior a nossa no final dos anos 70, principalmente. No início dos anos 80, mas aí eu não sei. Eu nunca freqüentei esses cinemas de centro.
MT- O senhor somente fazia ?
CS- Eu somente fazia. E na realidade, eu não tinha consciência desse público e desse tipo de cinema. Eu fazia o filme, mas não sabia.
MT- O senhor nunca foi em lançamento de filme ?
CS- Não, nunca. Eu fui em lançamento de grandes filmes, que eram coquetéis, mas era diferente. Um filme do Khoury, um filme do Ramalho, um filme do Babenco. E eu só percebi esse cinema do centro, quando praticamente acabou.
MT- O Ramalho fez filme aqui na Boca ?
CS- Não, não fez.
MT- Mas “Filhos e Amantes” não é produzido pelo Galante ?
CS- Aí que tá: o Galante era produtor mas o Ramalho nunca foi daqui. Nós fazíamos a produção, na produtora do Ramalho e não aqui.
MT- Que nem o Silvio Back.
CS- Não vá me falar que o Silvio Back seja cineasta da Boca...
MT- Não seu Conrado, nunca. Isso até está no livro do Alfredinho e eu acho errado. O João Batista freqüentava aqui ?
CS- Olha, freqüentou até 1980, depois nunca mais veio aqui. Depois do primeiro filme que ele ganhou um prêmio, ele nunca mais apareceu aqui. Nunca mais apareceu aqui, eu vi ele uma única vez aqui logo no início quando ele acabou de ganhar o prêmio e depois nunca mais.



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