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O Lamento Surdo

Por Melody Westenra

Jay Gastby, o “herói” que nós somos levados a conhecer durante a leitura de O Grande Gatsby, me causou pena. Tinha grandes expectativas em relação a esse livro, e ele foi gravemente decepcionante. Haviam-me contado sobre a genialidade de seu autor, sobre o retrato fiel e luxuoso dos anos 20 americanos, sobre a densidade do protagonista, sobre o romance infeliz e inquestionável entre ele e sua musa... e o que restou de sua leitura foi a história de um homem fraco, submisso e digno de pena, enquanto tenta cortejar a esposa de um milionário, que por acaso tinha sido sua paixão colegial.

É claro que eu ainda não sabia nada sobre a vida de F. Scott Fitzgerald nessa época – apenas que era considerado um grande escritor, e que O Grande Gatsby era visto como o melhor livro da língua inglesa depois de Ulysses, de James Joyce. Não o acho mais uma decepção, mas ainda assim, falta um pouco para eu considera-lo uma obra-prima da literatura.

No entanto, através de Hemingway (Paris É Uma Festa), pude conhecer Fitzgerald – e sua detestável esposa Zelda. Entendo perfeitamente porque o pobre escritor construiria um homem tão ridiculamente exposto às humilhações de se colocar como servo de uma mulher casada. Porque Jay Gatsby é isso; ele abre mão da própria vida para conquistar a amada – e não estou dizendo que isso é ridículo. Mas o personagem é tão patético em sua busca pelo amor que se anula! É difícil compreender porque Gatsby é Grande. Terminei o livro sem saber. E não me digam que é por causa de sua riqueza, afinal de contas, todos naquela sociedade eram muitíssimo abastados.

Em Suave É A Noite, por outro lado, pude ver perfeitamente todas as nuances amorosas das quais, provavelmente, Fitzgerald sentia falta, pude sentir por todo o corpo a euforia melancólica dos anos 20, pude tocar todas as cores do pôr-do-sol na Riviera.

Dick Diver, esse sim, verdadeiro protagonista de sua própria história, é a personificação de tudo aquilo que seu criador não era. Dick é belo, é sociável, é atraente, faz amigos onde quer que vá, é rico, influente e uma ótima companhia. Mas seu traço mais importante é ser o homem protetor, forte e salvador de sua esposa, Nicole. Dick é a presença essencial para que Nicole possa sobreviver. E tendo a mulher que tinha, consigo entender o desejo de Scott de ser necessário para alguém assim como seu alter-ego era.

Já Nicole, ah!, Nicole. É um doce. Inteligente, perspicaz e, logicamente, a mais frágil das mulheres existentes. Dick Diver a curou de um problema mental, e a partir daí se tornou o único porto seguro capaz de acalmar a solidão devastadora da pequena mulher. E é interessante ver que Fitzgerald colocou em sua personagem feminina um traço essencial de sua própria esposa: a loucura. Loucura essa que, na vida real, a fazia ter ataques de ciúmes, proibir o marido de escrever, humilhar-lo, criar horários restritos para sair de casa e agir como uma imperatriz furiosa. Portanto, não é estranho que, em seu livro, a moça seja o completo contrário disso, e o homem seja o responsável pelo funcionamento da vida. Ainda assim, era provavelmente impossível para Scott criar um personagem que fosse inteiramente livre das ordens de uma mulher – o dinheiro do casal provinha da herança de Nicole, e Dick odiava estar sujeito a esse tipo de subserviência.

É maravilhoso ver as duas versões de si mesmo que Fitzgerald compõe nas duas obras, e é doloroso ver sua relação com Zelda idealizada de acordo com o caráter de cada um de seus alter-egos.

Ao mesmo tempo, qualquer que seja a visão das relações entre homem e mulher descritas, Fitzgerald demonstra uma calma sábia e profunda ao tratar do amor. Parece ver além das tentativas, das lágrimas, dos desejos voluptuosos. Leva-nos a um ápice de atração, e em seguida deflora todas as purezas, decompõe todas as aparências, nos leva ao desgaste junto com o casal. Traz-nos, em forma de evolução natural de uma relação, algo que ele conhecia a fundo, de forma nada natural – o incômodo de não encontrar no parceiro a tranqüilidade apaixonada necessária para continuar amando nem o conforto de alguém a quem completar quando se está só.




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