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Clássicos de Prestígio

Por Gabriel Carneiro

O Incrível Homem que Encolheu
Direção: Jack Arnold
The Incredible Shrinking Man, EUA, 1957.

Pode até aparentar estranho um comentário sobre uma ficção B numa coluna de filmes de estética clássica. E mesmo com um pé no Moderno – e digo isso pela própria estrutura de um filme barato -, é impossível dizer que o caráter absoluto no filme de Jack Arnold em questão não é o classicismo cinematográfico, e é essa imponderabilidade que torna uma obra ficcional como essa tão fascinante e bela.

O incrível é acima de tudo a história e sua articulação. Fazer filmes baratos não é para muitos, ainda mais uma ficção científica, famosa por diversos efeitos especiais, veracidade e intransponibilidade de foco, numa atmosfera essencial para a construção. Os efeitos visuais são o principal método de obter a ilusão de realidade. Alguém realmente assiste a um filme assim ser querer que aquilo, de tão fantástico, seja verdade, ou acredita que possa o ser? Esse é o dom do gênero, é a magnânima do absoluto cinematográfico. É incontestável. O Incrível Homem que Encolheu, talvez a mais célebre obra de Arnold, impregna na mente do espectador a plausibilidade do roteiro, afinal, é tudo tão real. A partir do ideal do “american way of life”, Jack abala as estruturas americanas ao colocar uma aberração na boca do povo. Um homem, que ao passar por acontecimento não usuais, percebe uma mudança em sua estrutura física, está emagrecendo e diminuindo de altura. Médicos, especialistas e os próprios convivas dizem que está louco, que é apenas aparência; e um mundo de incertezas se abre para um homem “ideal”.

Ao brincar com o medo e inocência das pessoas, impõe sua visão, sua certeza e seu determinismo. Com a fatalidade se aproximando – diminuir cada vez mais -, é natural do espectador esperar a redenção, nem que seja no último segundo do filme. Ele está aprisionado numa esfera de ansiedade, numa luta contra as adversidades, sim, porque ele é um homem comum como qualquer um de nós, e isso, às vezes inconscientemente, funciona como um trampolim para o nosso próprio mundo, mascarado por uma névoa de fantasia. E o Clássico está aí, na simples discussão de identidade do protagonista. Ele não sabe mais quem é, nem nós. Ao longo da narrativa, não há um questionamento sobre a autoridade dos fatos, porque não duvidamos de alguém, que como nós, é um estranho no ninho. A beleza da vida é eterna dependendo da forma e do olhar, as boas perspectivas não desanimam, independentemente da intragabilidade da situação. Jogando com isso, Arnold manipula suas imagens para construir uma história linear e sufocante.

Os principais problemas do homenzinho surgem quando um tirano gato entra em seu abrigo, uma casa de bonecas, e vê nele um ótimo aperitivo. Em sua fuga é abandonado, machuca-se, está agora num ambiente hostil, o porão. O uso do porão é sábio; o porão é úmido, sujo, pouco visitado, onde bichos podem proliferar, um lugar caótico, ainda mais para alguém de poucos centímetros. As cenas com a aranha são geniais, aquele bichão peludo, armando-se contra o pequeno ser apavorado, angustia-nos na nossa torcida por um final feliz e incerto. Digo incerto, pois além de tudo estar contra ele, não há a necessidade da época de um triunfo do ‘bem’ sobre ‘mal’, nem um grande choque. O final feliz seria uma recompensa, mas o pior é esperável e talvez até mais interessante.

O Incrível Homem que Encolheu é fruto de dois grandes fatores: o roteiro e os aspectos técnicos. Do primeiro, creio já ter falado. Quanto ao segundo, são três os fatores que destaco: montagem, efeitos visuais e fotografia.

Os enquadramentos são precisos, natural de um filme que prese pelo uso constante do suspense, principalmente na segunda metade, e numa narrativa em que o tamanho da personagem é tão importante. Os mesmos quadros se repetem com uma função de mostrar sua diminuição gradativa. Um plano geral da situação também se mostra coerente, já que seu tamanho diminui em relação aos outros, tal mudança jamais ocorreria num mundo onde todos encolhessem, e é com esse jogo que o encontro com a anã toma tanto significado. Ela é alguém, que como ele, se encontra num mundo de discriminações, que os coloca como aberrações da natureza. Sua estabilidade vem com ela. Depois, com a aranha e as dimensões que o apartamento ganha. Quando a câmera mostra Scott, depois de um fade, dentro de uma casa, há um choque inicial, que acaba ao se ver a natureza de sua nova morada.

A montagem é feita com o intuito de aproximar o espectador ao drama de Scott Carey e de apreendê-lo suficientemente a ponto de nunca se perder a mágica do cinema. E tem algo nas montagens de filmes B que muito me admiram, o efeito de um longo plano-sequência. É fenomenal se ver diversos minutos sem um corte, com um único movimento de câmera. Em O Incrível Homem que Encolheu não é um recurso tão enfático, mas está lá, em algumas cenas, típico de filme sem tanto dinheiro de produção. Os efeitos visuais produzem a verossimilhança, por mais falsos que possam parecer. É óbvio que os efeitos se baseiam num ponto: filmar o ambiente, filmar a ação e sobrepor um ao outro num tamanho diminuto. O mais fantástico ainda é ver erros que corroboram para aquele mundo de excentricidades. E ao menos, a falta de dinheiro e a produção não são tão horríveis e a preparação de atores é digna, diferentemente do que vi de Ed Wood – ou mesmo Roger Corman, que me perdoem os fãs.

O discurso final – uma dos mais belos encerramentos de um filme que já vi - é uma tese e quase uma conclusão da filosofia existencial criada pelo próprio filme – que pode muito bem ser adaptado ao universo como um todo, talvez de maneira rala, mas de imensa sabedoria. O questionamento de suas virtudes, de sua existência e de sua pequenez não se ludibria, e no infinito encontra aquilo que lhe é fundamental, o suplício de uma alma sem esperanças. Em sua divagação, pondera a eternidade e a infinidade, sob a ótica mais singela possível, sem pretensões e com sensibilidade. E numa transição do cinema Clássico para o Moderno, Arnold metaforiza talvez a própria trajetória da sua estética cinematográfica, seja qual for o viés. Seu trunfo, como filme, é existir.




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