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O que a Crítica sabe?!

Por Gabriel Carneiro

9 Canções
Direção: Michael Winterbottom
9 Songs, EUA, 2004.

Lembro que ao ver no jornal a história desse filme, fiquei bastante interessado, principalmente pela participação em forma de show do The Dandy Warhols e do Michael Nyman, os que mais conhecia e mais gostava. O primeiro uma banda indie que traz bastante bagagem da década de 80, e ainda cria um som superior às "rivais"; o segundo, um pianista fantástico. Ainda trilhariam pelo percurso de 69 minutos outras seis bandas: Black Rebel Motorcycle Club (abre e encerra a trajetória das 9 Canções), The Von Bondies, Elbow, Primal Scream, Super Furry Animals e Franz Ferdinand. Tanto que nem se tem muito a dizer sobre a história do filme, ela é praticamente nula, mas nem por isso entediante ou insignificante. As cenas ali dizem muito. Aliás: um casal se conhece num show (Black Rebel Motorcycle Club), e começam um relacionamento. Vemos o decorrer do relacionamento através dos shows seguintes e através de cenas de sexo.

O que acabei de dizer acima era ainda do período das pré-estréias. Quando estreou o filme, foi capa da Folha Ilustrada do dia. Empolgado fui ler a matéria. Fiquei tão desapontado com tal matéria, não por maltratar o filme, esculachando-o, mas por compará-lo ao mais que execrável O Império dos Sentidos, e por Michael ter este último filme como grande influência e inspiração. Reanimei-me e feliz fiquei por não ter me deparado novamente com um pornô de péssima qualidade.

Sexo pode dizer muito mais que indecência, pecado, pornografia, ou mesmo, apenas prazer. E acho que é aí que Winterbottom ganha meu apresso. Tais cenas não transpiram apenas sensualidade, transpiram beleza, sentimentos, empenho, melancolia e ganha uma dimensão muito maior do que em O Império dos Sentidos, por exemplo. Neste vemos o sexo como mero instrumento de chocar a platéia querendo mostrar um sexo sem paixão e sem conexão, sexo por sexo deixa de ser arte e torna-se pornografia; naquele, vemos duas pessoas que transam pelo prazer, não apenas sexual, mas o prazer daquelas almas que se encontram, é um sexo vivo que foge aos corriqueiros gritos escandalosos, caras exageradas de prazer e tentativas de excitar a platéia - como em qualquer filme pornô de quinta categoria -, e torna-se belo por ser comum, ao som de Nadia de Nyman. Quando estão prestes a tomar café da manhã e surge aquela ânsia por parte dela por possuir aquele corpo mais uma vez naquele curto período que tinham, o sexo transforma-se em poesia, com uma música linda, uma cenografia espetacular, e toda aquela paixão e fluidez vinda do casal. Isso sim é arte, arte emociona com o mais simples acontecimento do cotidiano, como o sexo. Diálogos nem sempre são fundamentais, porque tal cena diria muito mais e emocionaria muito mais que qualquer diálogo de qualquer filme metido a besta e a pop.

O triste é ver muitos Críticos dizendo que o filme não tem conteúdo e acima de tudo é pornografia explícita. Entendo dizerem que se fundamenta no conceito de sexo, drogas e rock’n’roll, usando o sexo em grande escala. Porém isso se transforma num discurso uníssono: um discurso repetitivo, pontuando que na verdade o filme só quer chocar o espectador, mas não consegue, pois já fizeram muito disso, além de um monte de baboseira digna de alguém incapaz de formular uma própria teoria acerca do filme – não creio que ter mesmas opiniões sobre o todo seja ruim, a questão é ter a mesma opinião sobre tudo dentro da película. O que falta é ver além. Há todo um relacionamento aflorando diante de cenas de sexo que podem parecer pornográficas à primeira visão – masturbação envolvendo ejaculação e derivados -, mas o tom em que é filmado coloca-as em um patamar onírico, transformando a imagem que poderia ser de pura promiscuidade em algo belo por ser comum, por ser simples, por fugir do clichê da perversão explícita. A câmera flui, assim como o prazer dos dois, tomadas por um sentimento de necessidade. Falar que Winterbottom não tem intenção é reduzir as capacidades de qualquer diretor que aspire algo mais.

Além dos trechos que shows que são exibidos (gostei de todos exceto de Whatever happened to my Rock and Roll, do Black Rebel Motrocycle Club), trazendo bastante coisa interessante e nova para mim, ainda posso me deparar com fantásticas cenas de decepção e melancolia. O relacionamento já não era o mesmo, Matt mal se comunica com Lisa, não saem mais juntos. Acho que nada cairia melhor para mostrar tal desmoronamento da relação do que quando, após mostrar-se indisposta para sexo, ele a vê masturbando-se no quarto e obtendo o prazer que não conseguia mais com ele, e quando ela se recusa a ir ao show para ficar em casa. Relacionamentos definham-se e constroem-se através de sexo, e também se definham e constroem-se independente do sexo. E sexo também é premonitório, pois é um dos momentos mais vulneráveis da pessoa, e que se percebe muito do que se passa com ela (e não digo apenas o ato em si, mas também todo seu entorno). O humano também é arte, é belo, é proeminente, é instigante. É o filme.

A fotografia é brilhante. Digo isso, pois é sua iluminação quase toda baseada na luz natural preserva o caráter de casualidade e sensualidade das cenas de cópula. Tais cenas me remetem a um bucolismo inebriante, e o Sol como astro passa a significar algo para mim. Porque ele é belo e brilhante e encantador. Não há malícia, e isso... isso faz a diferença.

Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos/ De todos os filósofos e de todos os poetas”. (Alberto Caeiro)

E é com esse olhar, que se vê a beleza do filme.




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