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Dossiê Howard Hawks

Entrevista com Howard Hawks

Por Peter Bogdanovich
Seleção e transcrição: Matheus Trunk

Quando definimos Howard Hawks como o diretor escolhido para o mês de janeiro, nos deparamos com um problema. Como definir o estilo de um grande autor como ele? Como tentar fazer um bom dossiê com pouco material sobre ele? Todas as perguntas se responderam a partir do momento em que o livro “Afinal, Quem Faz Os Filmes” de Peter Bogadnovich caiu nas minhas mãos.

Além de grande cineasta (vide “A Última Sessão de Cinema”) Bogdanovich é um excepcional crítico de cinema, grande especialista do cinema americano clássico. Tendo conhecido pessoalmente e entrevistado homens como John Ford, Fritz Lang, Orson Welles, Alfred Hitchcock e tantos outros.

Além de ter selecionado a primeira mostra realizada sobre Hawks nos Estados Unidos, Peter fez uma longa monografia com o mestre. Depois, ainda ele continuou com as entrevistas mesmo depois que Howard dirigiu seu último filme (Rio Lobo, 1970).

As conversas reproduzidas, se deram entre 9 e 10 de abril de 1962 e 23 e 24 de abril de 1972. Nós da Zingu! separamos as partes mais essenciais dessa entrevista que falam dos filme explorados ao longo desse dossiê. Espero que gostem.

HH- Não, eu só queria um emprego para as férias de verão. Alguém que eu conhecia na Paramount me arranjou trabalho na contra-regra. Isso aconteceu por volta de 1916. Na verdade, tudo começou com Douglas Fairsbanks, que estava fazendo um filme numa locação e telefonou para dizer que precisava de um set moderno. Naquela época só havia um diretor de arte na Paramount, e o sujeito estava em outra locação; assim, eles não sabiam o que fazer. Eu disse: “Bem, sou capaz de construir um set moderno”- tinha tido alguns anos de treinamento em arquitetura na escola. Fiz o set, e Fairbanks gostou do resultado. Tornamo-nos amigos, e foi assim que comecei. Ele estava começando um romance com Mary Pickford, e era eu o sujeito que geralmente era escalado para buscá-los para o trabalho.

PB- Qual foi o primeiro filme que você dirigiu ou produziu ?

HH- Bem, fiz uma porção de filmes de um rolo: um seriado chamado Welcome Comedies (1918-9) para Jack Warner. Na época eles trabalhavam num pequeno estúdio na Main Street, na altura da rua 18.
PB- Você dirigiu esses filmes ?
HH- Ah, fiz alguns; mas havia outro sujeito. Nos revezávamos.
PB- Quem estrelava ?
HH- Um sujeito a quem dei o nome de Monty Banks (nome verdadeiro: Mario Bianchi). Ele tinha casado com a Marie Fields, a comediante inglesa, e havia enriquecido- era um financista de grande sucesso. Começou conosco ganhando cinqüenta dólares por semana. A moça do seriado, Alice Terry, tornou-se uma estrela e se casou com Rex Ingram, que era um dos melhores diretores da época- foi ele quem fez Four horsemen of the Apocalypse (1921); Alice era uma moça lindíssima. Ela ganhava trinta dólares por semana. Depois de alguns filmes, Monty Banks começou a se sentir como um reizinho. Por isso, um dia, estávamos filmando, e o mandei subir no telhado e entrar na chaminé; quando desceu, todo coberto de fuligem, eu lhe disse: “Você está demitido”, e terminei o filme com outro sujeito enegrecido. Ele então ajoelhou e implorou pra voltar, e acabou voltando, mas toda vez que apresentava o menor sinal de recaída, eu dizia: “Peguem uma escada e o façam subir no telhado”.
PB- Você financiou aqueles filmes de um rolo com seu próprio dinheiro ?
HH- Sim, eu tinha bastante para isso. Na verdade, a Warner Brothers estava em algum tipo de dificuldade; eu lhes adiantei um pouco de dinheiro, eles me pagaram algumas semanas depois e, além disso, me deram um contrato para fazer aqueles filmes. Jack Warner e eu somos amigos há muito tempo.
PB- Quantas Welcome Comedies você fez ?
HH- Ah, fizemos o suficiente para firmar o seriado. Aí eu vendi e usei o dinheiro para fundar a Associated Producers (em 1919) com os bons diretores: Allen Holubar, que era um individualista, Allan Dwan e, é claro Marshall Neilan. Eles próprios escolhiam as histórias; afinal, naquele época eu não era ninguém, e não poderia discutir com sujeitos que eram realmente bons. Mas comecei a aprender a dirigir. Eu via um filme à tarde, e à noite, mais um ou dois- para estudar, porque coloquei na cabeça que queria ser diretor. Enquanto trabalhei com eles, não conheci o bastante sobre esse trabalho. Os profissionais eram eles, eu apenas conseguia o dinheiro no banco e fazia esse tipo de coisa. Lembro-me de uma ocasião em que precisava de um pouco mais de dinheiro, mas o banqueiro não queria me emprestar- endureceu bastante. Perguntei-lhe então: “Qual é a idade mínima legal para se conseguir dinheiro emprestado ?”. Acontece que eu ainda não tinha 21 anos, e apesar disso tomava dinheiro emprestado dele o tempo todo, consegui o dinheiro extra bem rapidinho.
PB- O que, na sua opinião, você aprendeu com esses diretores ?
HH- Gostava do senso de humor de Neilan, e vi como funcionava bem. Aprendi que, quando nós temos satisfação com algo, podemos ir em frente, pois o público também se agradará. Descobri que, se você acha uma coisa engraçada, o público também vai achar. Não é necessário parar e se perguntar se você gosta. Descobri que, quando se gosta de um ator, o mesmo acontece com o público. Mas, ás vezes, é bastante difícil descobrir os atores, então são usados substitutos. Marshall Neilan tinham um grande senso de humor e, apesar disso, os seus filmes não eram pastelões. As suas histórias sempre tinham bom fundamento, mas o seu método de tratá-las de forma leve- ou de interromper no meio de algo dramático e introduzir alguma coisa engraçada- sempre aparecia. Isso me pareceu uma boa idéia. Também admirava Allan Dwan. Ele era profissional- firme, duro, com bom toque. Ele não se demorava nas coisas- ele as encarava e ia na frente.
PB- Como operava a sua companhia independente ?
HH- A First National pagava certa quantia de entrega do negativo e depois ganhávamos uma porcentagem. Na verdade, ganhávamos bastante dinheiro só na entrega do negativo. Ganhamos um monte de dinheiro no primeiro ano. No segundo ano, todos os diretores arranjaram namoradas, e nós perdemos dinheiro, porque eles procuravam estrelar as namoradas nos seus filmes, e os filmes não eram grande coisa.
PB- Como foi que você se tornou produtor da Paramount ?
HH- Bem, Irving Halberg tinha conversado com Jessé Lasky a meu respeito. Perguntei o que ele queria, e Lasky disse: “Quero que você me arranje quarenta histórias e assuma a produção delas. Você consegue fazer isso ?”. Respondi: “Conseguirei, se você me der bastante dinheiro”. E ele retrucou: “Você terá todo o dinheiro que precisar”. Assim, comprei dois Joseph Conrad, dois Rex Beach, dois Jack London, dois Zane Grey. Li uma porção de coisas e comprei cerca de trinta histórias: depois, bolei títulos e começamos a trabalhar como se fossem originais. Na prática, não fiz quarenta. Comecei a trabalhar e, depois de completar cerca de dez, contratei dois bons jornalistas, que se tornariam os melhores legendadores do ramo- Malcolm Stuart Boylan e (H.M.) Beanie Walker, que era repórter esportivo. Eu não era produtor, e também não era, realmente, do departamento de roteiros- não tinha um cargo oficial, porque dissera que não queria isso-, mas entrava no escritório do senhor Lasky sempre que queria. Eu abria a sua porta, fazia uma bola de golfe rolar para dentro, daí a pouco ele saia, e íamos jogar golfe e conversar sobre o trabalho. O meu setor escolhia os elencos e os designava aos diretores, era também responsável pela edição e inclusão de legendas. Na verdade, fazíamos toda a produção. Fui eu quem deu origem à maldição dos “produtores associados”: havia coisas demais a fazer e, por isso, contratei alguns sujeitos para me ajudarem. Em certo ponto, DeMille tinha concluído um filme que não tinha resultado muito bom, e me perguntou se eu poderia fazer algo a respeito; usei as legendas para transformá-lo numa espécie de comédia.
PB- Você e Victor Fleming eram bons amigos, não é ? Como vocês se conheceram ?
HH- Foi numa corrida de automóvel- eu o joguei na cerca. Quando olhei para trás vi que, enquanto a cerca se despedaçava, ele estava com o polegar no nariz, sem prestar atenção aonde estava indo, dizendo o que pensava de mim. Venci a corrida e, depois, quando o vi se aproximar de mim, imaginei que haveria briga. Em vez disso, ele disse: “Aquilo foi muito bom- mas não tente fazer de novo, nunca mais”. Fomos tomar uns drinques e nos tornamos muito bons amigos. Aliás, ele foi me visitar em casa e acabou morando lá por cinco anos.
PB- Quanto tempo você ficou na Paramount antes de começar a dirigir ?
HH- Nunca dirigi enquanto estive lá- eles não permitiam; diziam que dispunham de bastantes diretores, mas não conseguiam ninguém para fazer o meu trabalho. Por isso me demiti. Irving Thalberg me disse que me transformaria em um diretor se eu fosse para a Metro-Goldwyn e o ajudasse durante um ano. Bem, fui para lá e descobri que estava fazendo o mesmo trabalho que fazia na Paramount. Tínhamos setenta redatores e vinte diretores. Eu não conseguia sequer conversar com cada uma dessas pessoas mais do que duas ou três vezes por semana.
PB- Você montava as histórias ?
HH- Sim. Tínhamos uma turma fabulosa de estrelas, e o estúdio inteiro trabalhava no processo. O diretor fazia um filme e o mostrava a Thalberg; depois, como todo mundo era contratado e os sets ainda estavam montados, ele podia mandá-los refilmar ou adicionar cenas e mudar tudo. Trabalhei nisso com ele. Refizemos filmes. Quando se observa os erros que se cometeu, torna-se possível corrigi-los. Hoje em dia isso não pode mais ser feito. De todo modo, depois de algum tempo percebi que ali também não permitiam dirigir. Eu não tinha assinado um contrato com aquelas pessoas- nunca acreditei nisso-, então, simplesmente me demiti.
Um dia, estava jogando golfe encontrei Sol Wurtzel, da William Fox Company. Ele me perguntou o que eu estava fazendo, e respondi: “Jogando golfe”. E ele: “Não, o que você está fazendo ?”. Ao que respondi: “Jogando golfe”. “Mas você não está trabalhando para a Metro ?”; Respondi: “Não, saí de lá”. Ele retrucou: “Bem, você começou a trabalhar para a Fox essa manhã”. E eu disse: “Não quero o mesmo tipo de trabalho. Não quero me envolver com histórias de ninguém, só com as minhas próprias”. Ele respondeu: “OK, você começou a dirigir para a Fox essa manhã”. Foi assim que comecei a dirigir.
PB- Como foi dirigir o seu primeiro filme, The Road Glory (Caminho Para a Glória de 1926) você ficou nervoso ?
HH- Não, eu contava com um bom cameraman- Joe August-, e também já havia feito algumas comédias. Já tinha circulado bastante, e não tinha medo de dirigir.
PB- A história do filme era bastante triste- você estava deprimido quando a escreveu ?
HH- Sim, eu tinha trabalhado tempo demais para a Metro-Goldwyn.
PB- Você gosta muito do filme.
HH- Na época, achava-se que o melhor era fazer situações dramáticas. Os críticos favoreciam esse tipo de coisa; eu achava isso um absurdo. Então, Sol Wurtzel- que tinha grande influência sobre mim- me disse: “Você mostrou que sabe fazer filmes de que todos os críticos gostam, mas que ninguém mais vai gostar, por isso, pelo amor de Deus, vá fazer coisas que entretenham”. Assim, escrevi uma história chamada Fig Leaves (1927); o filme recuperou o seu custo com a bilheteria de uma só sala de exibição.
PB- Em Fig leaves, você fez troça das mulheres como faria 27 anos mais tarde em Gentleman prefer blondes
HH- Pode-se fazer troça com quem quiser, desde que isso divirta as pessoas e não recaia na maldade. Fig leaves era mais próximo do tipo de coisa que Neilan costumava fazer. Toma-se Adão e Eva se levantando pela manhã e se transforma isso numa seqüência cômica completa, pelo expediente de transferir as situações atuais para aquele período: o cão de estimação se transforma no dinossauro de estimação, o jornal se transforma numa placa de pedra atirada na varanda, Eva diz: “não tenho nada para vestir !”. Apenas tentei fazer que as pessoas não mudaram muito e eu, hoje, são iguais ao que eram. Na verdade, os meus primeiros filmes bons foram comédias, Fig leaves e The cradle snatches (1927) tiveram, ambos, muito sucesso.
PB- Quando você fez essas comédias, você sentiu a necessidade do som ?
HH- Ah, sempre desejei dispor de som. Pensava que, no instante em que o som aparecesse no cinema, eu o usaria com facilidade. Mas, em vez disso, passei um ano e meio sem fazer nenhum filme. Eles diziam: “O que é que você entende disso ?”. Eu respondia: “Bem nada”. Jack Ford e eu nos encontrávamos na mesma posição. Jack teve de fazer um filme de dois rolos para provar que sabia usar o som (Napoleon´s Barber, O Barbeiro de Napoleão, 1928).
PB- Você achava que o som surgiria no cinema ?
HH- Ah, claro, eu pensava nisso- tinha de pensar. Não se esqueça que eu havia tido uma carreira curta como redator de legendas- na verdade, ganhei mais do que o suficiente para viver trabalhando dois dias por semana na redação de legendas. As legendas eram capazes de mudar completamente uma história, mudar todo o clima. Eu conseguia transformar o protagonista na figura má e vice-versa- e fiz isso algumas vezes. Arranjei alguns inimigos e alguns amigos. Mas sabia que qualquer tipo de trabalho em que se conseguisse fazer mudanças completas como essas não podia ter grande estabilidade. Deveria ser possível registrar a coisa toda em preto-e-branco e gravar as falas. Na época se faziam diversas experiências com a gravação de vozes, por isso sabíamos que o recurso não estaria disponível tão logo o ajeitassem e o fizessem funcionar. Nos filmes mudos, dizíamos para um ator: “Agora atravesse aquela porta, diga cass-pass-pass!” e assuma um aspecto bem furioso ao dizê-lo”. Depois, com as legendas, colocávamos o que queríamos na sua boca.
PB- A girl in every port (1928) é o primeiro filme que tem a sua marca indiscutível.
HH- Bem, por aquela época eu já estava descobrindo o que fazer. Tivemos muita sorte, porque nos deixaram fazer o que quiséssemos. Só fizemos as cenas que quiséssemos. É claro que em A girl em every port foi a primeira vez que consegui trabalhar com o tipo de pessoa que conhecia. Até esse filme, eu havia trabalhado com personagens que tinham resultado da imaginação de outras pessoas. Mas nesse filme- bem como nos westerns, nos filmes de corredores de automóvel e em coisas assim- eu sentia que estava em terreno familiar, porque conhecia as pessoas.
PB- A amizade que existe entre dois homens é muito semelhante à amizade masculina de muitos dos seus filmes posteriores.
HH- Usei esse tipo de amizade em diversos filmes. Na verdade, é uma história de amor entre dois homens. O centro é a afeição e a lealdade que eles têm um pelo outro. Descobri que funciona, por isso continuo a explorar isso.
PB- E quanto a idéia de os homens brigarem antes de se tornarem amigos ? Eles estão se testando mutuamente ?
HH- Provavelmente. Para verificar se o outro gosta do mesmo jeito. E se é capaz de agüentar. Eles brigam e terminam por se tornar amigos.
PB- Nos seus filmes, o relacionamento entre homens e mulheres também é desse tipo. Eles geralmente começam não gostando um do outro.
HH- Muito freqüentemente. Em geral, começa com um homem esbarrando numa mulher muito atraente: isso faz com que ele fique um pouco receoso, reaja de modo um pouco desagradável com ela e comece a brigar em autodefesa-e termine por se apaixonar.
PB- Na verdade, os homens de seus filmes se comunicam entre si muito melhor do que com as mulheres. Você faz um homem dizer coisas a outros homens que ele jamais diria para uma mulher.
HH- Sim, claro.
PB- Você pensa que é desse jeito que funciona na vida real ?
HH- Acho que sim.
PB- De onde surgiu a história de Scarface ?
HH- Hughes tinha uma história sobre dois irmãos. Um era policial, e o outro, gângster. A mesma história que já ouvimos centenas de vezes. Ele queria que eu a fizesse. Tive uma idéia e disse a Ben-Hecht: “Você faria um filme ?”. Ben reagiu: “O quê ?”. E eu disse: “Um filme de gangsters”. Ele respondeu: “Você não vai querer fazer isso”. E eu disse: “Ora, Ben, este caso é um pouco diferente. É a família Borgia na Chicago atual, e Tony Camonte é César Borgia”. E ele respondeu: “Começamos amanhã de manhã”. Gastamos onze dias para escrever a história e os diálogos. Aí mostramos para Hughes; ele deu um sorrisinho e disse: “Esta é uma história e tanto. Cadê o irmão ?”. “Bem, Howard”, respondi, “você pode usar aquela história de novo.” E ele perguntou: “E quanto ao elenco ?”. “Não sei, não temos acesso a ninguém. Todos os bons atores e atrizes estão sob contrato, e os estúdios não vão emprestá-los. Acho melhor ir até Nova York”. Ele respondeu: “Ok. Mantenha-me informado”.
Assim, fui para Nova York e encontrei Paul Muni no teatro judaico no centro da cidade, perto da rua 29. Vi Osgood Perkins numa peça, protagonizando uma história de amor, Vi George Raft numa luta de boxe. Ann Dvorak era corista na Metro-Goldwyn, ganhando quarenta dólares por semana; livrei-a do seu contrato porque um vice-presidente da Metro-Goldwyn gostava de mim. Karen Morley saia com um sujeito que eu conhecia, e eu a achava atraente. Boris Karloff tinha acabado de fazer The criminal code. Ele julgou que seria bom para ele. Vince Barnett estivera trabalhando como garçom- insultava pessoas no Coconut Grove. Assim, reunimos alguns atores, dirigimo-nos a um estúdio pequeno e empoeirado e o abrimos. Éramos uma entidade em nós mesmos, e fizemos um filme. A coisa toda foi um desafio, e foi tudo muito divertido. O filme resultou muito bom e se tornou uma espécie de lenda.
PB- A primeira tomada do filme é excepcional- deve ter sido necessário um arranjo muito elaborado para consegui-la.
HH- Não, porque eu contava com um cameraman muito bom- Lee Garmes. Ele usava metade da luz de um cameraman comum. Havia mais luz nas casas do que no nosso set. Também tínhamos acabado de arranjar filme mais sensível. Hughes via as tomadas, telefonava e dizia: “É um material excelente. Vá em frente”. Você se lembra que há cerca de cinco desastres no filme ? Bem, eu tinha feito um desastre para a seqüência do reinado de terror. “Oh,Deus”, disse ele, “esse foi um desastre magnífico. Quando você vai fazer mais ?” “Bem”, respondi, “ainda não pensei nisso. Você acha que seria uma boa idéia ?” E ele: “Acho”. Lembro-me de que quando Lewis Milestone viu o filme, disse: “Você vai mesmo incluir tudo isso ?”. Respondi: “Estou pensando”. “Oh, Deus”, ele disse, “mas é excessivo”. Que diabo, acho que aquilo é uma das coisas boas que o filme tem.
PB- Bem, o filme é sobre violência.
HH- E era muito mais violento do que qualquer filme que já tinha sido feito até aquela altura.
PB- E também permanecia afastado do tipo de moralismo de Public enemy (Inimigo público, 1931 de William Wellman) ou Little Caesar (Alma no lodo, 1930 de Mewvyn LeRoy).
HH- Exceto quanto àquela seqüência que foi introduzida em benefício dos sensores, em que os prefeitos das cidades discutem...
PB- Aquilo parece que foi filmado por outra pessoa.
HH- E foi. Foi feito para aplacar censores. Quando Hughes me consultou sobre aquilo, respondi: “Não pode prejudicar o filme. Todo mundo vai perceber que não faz parte do filme”. Quem escreveu foram os censores; alguém filmou. Eu não estava lá quando foi feito. Não queria ter nenhuma relação com aquilo. Houve algumas coisas que tiveram de ser feitas por causa dos censores. Realizamos um final muito diferente na morte do Muni. Em alguns estados, ele teve de ser enforcado. E como já não podíamos contar com Muni, tivemos de fazer a cena só com pés, alçapão, corda, carrasco e música. Eles não gostaram do outro final.
PB- Você está se referindo ao final em que atiram em Muni, ele cai na sarjeta e aparece escrito com lâmpadas de néon “O mundo é seu” ?
HH- Eles disseram que era heróico demais. Eles queriam que Muni fosse carregado pela lei.
PB- Mas é a polícia que o mata.
HH- Eles queriam que ele encontrasse o seu fim pela lei. Em outro filme que fiz, eles primeiro disseram que exigiram uma porção de cortes, mas no dia seguinte se reuniram, chamaram-me e disseram: “Bem, gostamos tanto do filme que decidimos não fazer nenhum corte”. O filme foi I was a male war bride (1949). Tudo depende do tipo de comitê que você encontra e de qual é o clima dominante. Ás vezes, a organização Hays. É impossível saber quem será o juiz. Um filme pode ser o anátema para uma pessoa e a delícia para outra.
PB- Não foram eles também que o obrigaram a incluir aquele subtítulo, “a vergonha de uma nação” ?
HH- Ah, claro. A guerra por causa disso durou mais de um ano.
PB- O tema do incesto era bastante ousado, e você foi muito claro quanto a isso.
HH- Fomos muito influenciados pela história incestuosa dos Borgia, mas os censores não entenderam as nossas intenções e objetaram, porque sentiam que o relacionamento irmão e irmã era belo demais para que pudesse ser atribuído a um gangster. Mas houve uma coisa engraçada quando fiz aquela cena importante entre eles: eu a ensaiei várias vezes. Eu estava balançando a cabeça, e Lee Garmes me perguntou: “O que há?”. E eu respondi: “Lee, há algo errado aqui. Não deveria ser possível ver os seus rostos quando se ouvem falas como essas”. Ele disse: “Você pode aguardar dez minutos ?”. Ele mandou buscar umas cortinas com padronagem muito pronunciada, de forma que a luz mal conseguia passar. Apagou todas as luzes frontais e filmou só com a luz do fundo. Fez uma cena realmente muito boa a partir daquilo. Por isso, sempre que você se encontrar encalacrado numa cena em que acha que as pessoas não devem ser vistas, filme de uma forma que dificulte a visão. Isso é capaz de curar uma porção de males.
PB- No final, a irmão diz: “Por que você não atira em mim ?. E ele responde algo como “Você é eu- eu sou você- sempre foi assim”. Tem-se a impressão de que, mesmo sabendo que não sairia vivo daquele quarto, ele se sentia bem por saber que ela estava junto dele.
HH- Sim, ele se sentia forte com ela, devido ao relacionamento entre os dois. Toda vez que havia uma cena entre aqueles dois, começávamos a analisar o seu relacionamento e concluíamos com alguma especulação a respeito do que seria, e não apenas sobre qual seria o efeito na cena. Uma dessas especulações era a força que ele retirava dela, como disse no filme, e a sua solidão após ela ter morrido nos seus braços. Era normal- ou, ao menos, era normal para mim e para Ben.
PB- Vocês não tentaram condenar os personagens ou fazer moralismo a respeito de se eram bons ou más. O final, na verdade é tocante.
HH- Quando ia fazer a cena final, Muni que era esperto, sabia que havia tido um belo desempenho e que tinha a chance de se tornar um grande nome por causa do filme. Quando chegou o momento de ele cair morto na rua com a cabeça enfiada no que o cavalo tinha deixado ali, Muni quis fazer a cena de modo muito dramático. Desceu as escadas, parecia amedrontado- como se um ator estivesse representando honestamente. Conversei com ele sobre isso, e ele fez a cena do mesmo jeito. Então, saí e fui jogar uma partido de pôquer; ele foi ficando cada vez mais inquieto. Por fim, aproximou-se de mim e perguntou: “Quando é que vamos rodar a cena ?”. E eu respondi: “Quando você decidir fazê-la do jeito que deve ser feita”. Cerca de cinco minutos depois ele voltou e disse: “OK. Eu faço”. E realmente representou bem como o diabo.
PB- Como se originou o gesto de Raft, de ficar lançando uma moedinha no ar ?
HH- Em Chicago tinha ocorrido dois ou três assassinatos, e junto à primeira vítima foi encontrado um níquel. Era um sinal de desprezo. Quando escalamos Raft para o filme, pareceu uma boa coisa usar uma moeda como marca daquele homem. Era o seu primeiro filme, e a moeda ajudava a preencher espaços. Aquilo se tornou a sua marca registrada. Ele se habituou tanto àquilo que conseguia atirar a moeda sem olhar, o que lhe deu algo- um sujeito estava fazendo aquilo e só dizendo as suas falas. Anos depois, em Rio Lobo, havia no elenco um sujeito muito agradável, mas que era um ator muito ruim e eu não queria lhe dizer: “Você é péssimo ator”. Por isso, fiz com que ele ficasse caçando uma garrafa de uísque ao longo de toda a cena em que ele aparece. Ele só tinha de dar as queixas a John Wayne- e fez isso direito.
PB- Aqueles gangsters sentados durante aquela conferência pareciam realmente gangsters, e não extras.
HH- Eram os sujeitos da contra-regra, do guarda-roupa, os motoristas- pessoas da equipe-, todo mundo desempenhou algum papel.
PB- E você ?
HH- Eu fui o cara deitado na cama só de cueca e de camiseta, com os braços e as penas abertos em forma de cruz, numa daquelas fusões “o X marca o lugar”.
PB- Por que você usou tantos “X” ao longo de todo o filme ? Eles aparecem em todo lugar.
HH- Naquela época, os jornais publicavam fotos de cenas de assassinato e sempre escreviam na legenda: “o X marca o lugar em que o corpo foi encontrado”. Por isso usamos “X” em todo o filme. Eu pagava um bônus para qualquer pessoa ligada ao filme que aparecesse com uma idéia nova sobre onde colocar um “X”.
PB- Como surgiu a idéia de fazer Muni assobiar sempre que estava prestes a matar alguém ?
HH- Combinava com as características do personagem. Disseram-me que Colosimo, o gângster, tinha uma grande coleção de discos de Caruso, e por isso decidimos usar um trecho de I Pagliacci no início- também porque é muito fácil de assobiar. Aquilo se transformou em algo que Muni fazia.
PB- As cenas de comédia com Vince Barnett e o telefone são particularmente eficazes, porque você o faz morrer ao telefone. Em Ceiling zero há também uma personagem engraçada que tem um fim triste. O público fica tocado com algo de que tinha rido antes.
HH- Parece-me que aquilo já tinha sido feito antes- a base para as maiores tragédias é a comédia. Certa vez, divertimo-nos muito a fazer a cena da morte de Barnett, um pouco para brincar com ele. Virei-me para alguém e disse: “Puxa, foi bom hein !?”. E ele começou a se levantar do chão. Eu disse: “O que você está fazendo ? Fique deitado aí, você está morto. Não faça isso. Raios, vamos ter de fazer tudo de novo”. Bem, nós já tínhamos feito uma boa tomada. “E desta vez não se mova”. Fiz outro take completo e disse a equipe: “Vão almoçar”, e o deixamos ali no chão. Ele só apareceu quando já estávamos no meio da refeição.
PB- Quando Muni maneja uma metralhadora pela primeira vez, há um forte senso de realização; e quando atira com ela pela primeira vez, diz: “Sai da frente, Johnny, vou cuspir”.
HH- É, essa é uma das melhores falas do filme.
PB- Foi Hecht quem escreveu ?
HH- Claro. Hecht era infernalmente bom. Nós conversamos sobre isso- sobre como fazer com que as personagens não parecessem esteriotipadas-, e eu lhe disse: “Sabia Ben, precisamos com que Camonte não se tranforme num assassino”. Ele respondeu: “E se o fizermos usar uma metralhadora pela primeira vez ?”. Eu disse: “Ah. Sim, se for como um garoto com um brinquedo novo, podemos conseguir uma cena realmente boa”. E ele a escreveu muito bem.
PB- De novo, no princípio a mulher é muito dura e o antagoniza.
HH- Bem, detesto essas coisas em que um olha para o outro e os dois desmaiam.
PB- Gostei da maneira como você fez ambos, Muni e Perkins, oferecerem fósforos à namorada de Perkins; ela usava o fósforo de Muni, e assim ficamos sabendo que ela o prefere. Isso foi algo inventado no set ou estava no roteiro ?
HH- Ah, não, isso é pensado na hora. É exatamente como Bacall parar na porta e perguntar: “Alguém tem fósforo ?”. Bogart pega uma caixa de fósforos, olha para a moça e, em vez de levá-la até ela, atira a caixa na sua direção. Toda a sua atitude em relação a ela é mostrada naquele instante.
PB- A garota de Perkins se sente claramente atraída pela animalismo de Muni.
HH- Bem, aquilo saiu da personagem. Muni não achava que pudesse fazer aquele tipo de papel, mas era tão bom ator que conseguia representar qualquer coisa. Ele vestia casaco e chapéu especiais e caminhava sobre uma passarela alta assim. Todas as suas coisas eram contracenadas com homens baixos- George Raft e Perkins-, eu nunca o coloquei perto de um homem grande. Tinha que fazer com ele parecesse alto e forte.
PB- Embora tenha sido realizado no final de um ciclo popular de filmes de gângsters, Scarface é, de longe, o melhor deles- é como se você tivesse assistido a todos e resolvido fazer aquilo melhor.
HH- Acho que os caras geralmente tentavam parecer tão durões nos filmes de gangsters que sempre faziam tudo com mão pesada. Nós trabalhamos de forma diferente. O nosso filme foi realizado de um jeito um tanto brincalhão. A animosidade ficou reservada para as cenas pessoais. O resto era feito sem exibições de sentimentos. Eu objetava quanto ao modo como era feito em tantos filmes- aquela ênfase exagerada na tentativa de parecer durão. Frederic Remington fez um esquete maravilhoso de um sujeito pequeno com bigode comprido, chapelão alto e um par de revólveres enormes. Ele ficava encostado num poste, mascando um canudo e olhando para alguém com uma espécie de meio sorisso no rosto. O sujeito de aspecto mais perigoso que já se viu. Se entro numa discussão com alguém barulhento e durão, penso: Pego esse sujeito antes que ele entenda o que está acontecendo. Mas se um sujeito tem um sorrisinho no rosto e me diz: “Mas por que você faria isso ?”,penso: “Oh, Santo Deus, vou ficar longe desse cara. Bem, o filme foi todo construído sobre esse princípio. Mesmo em meio ás coisas mais duras havia uma espécie de abordagem semicômica.
PB- Você sofreu influência de Keaton ? Os seus filmes não se parecem com os dele, mas sempre imaginei que vocês dois tem um sentido semelhante de estilo,de ritmo e humor.
HH- Ah, eu gostava muito de Keaton. Éramos amigos. Ele fazia coisas estranhas,e aprendi bastante assistindo aos seus filmes. Eu tinha um cachorro novo- um grande cão policial-, Keaton estava segurando a sua coleira, e o cachorro queria sair, e Keaton continuou segurando, até que, de repente, o cachorro olhou para a perna de Keaton e urinou nela. Keaton olhou fixamente para o cachorro, subiu, pegou um guarda-chuva, abriu-o e disse: “OK, cachorro, venha cá”. Sem mudar a expressão do rosto.
PB- Como foi que se deu To have and have not ?
HH- Disse a Hemingway que seria capaz de fazer um filme a partir de seu pior livro, e ele me perguntou, um tanto agastado: “E qual é o meu pior livro ?”. Respondi: “Aquele monte de lixo chamado To have and have not”. Ele respondeu: “Bem, eu precisava de dinheiro”. E eu: “Ah, essa parte não me interessa”. Ele disse: “Você não é capaz de fazer um filme com aquilo”. “Sim, sou”. Assim, durante cerca de dez dias ficamos pescando e conversando sobre como aquelas personagens se conheceram, que tipo de pessoas eram e como terminaram. Quando voltei, comprei a história e comecei a partir das premissas que Hemingway e eu tínhamos desenvolvido.
PB- A premissa era contar o que tinha acontecido antes de o livro começar ?
HH- Sim, mas usar ainda parte daquele negócio de revolução. O filme teve grande sucesso.
PB- E você conseguiu que Faulkner trabalhasse numa história de Hemingway ?
HH- Ah, tudo bem quanto a isso. Faulkner achava que Hemingway era bom. Hemingway gostava do trabalho e tinha certo ciúmes dele. Cada qual fazia comentários a respeito do estilo do outro.
PB- Na verdade eles não trabalharam juntos ?
HH- Ah, não.
PB- É verdade que a primeira vez que você viu Lauren Bacall foi na capa de uma revista ?
HH- Não- a minha mulher, Slim Hawks, a viu numa foto bem pequena na revista Vogue. Ela me mostrou a foto e disse que a moça era bonita.
PB- É por isso que Bogart a chama de “Slim” no filme- uma referência ao filme ?
HH- Sim- só uma brincadeira.
PB- Slim Hawks chamava você de “Steve”, como Bacall fazia com Bogart no filme, apesar do seu nome ser Harry ?
HH- Sim- usamos aquilo também. Vic Fleming e eu sempre nos chamávamos um ao outro de “Ed”. Eu chamava: “Ei, Ed”, e ele respondia: “O que há, Ed ?”. Apanham-se essas coisas e se usam nos filmes. Não sei qual é o efeito- algo ligeiramente insólito. O público se interessa, sem saber bem por quê.
PB- Seja como for, você viu uma fotografia de Bacall e..
HH- Sim, a minha secretária a trouxe de Nova York. Eu só lhe tinha pedido para descobrir informações sobre a moça- onde havia estudado, de onde tinha vindo, qual sua experiência-, ela entendeu mal e lhe mandou um bilhete para que viesse até aqui. A moça parecia ter a capacidade de fazer tudo certo. Ela trabalhava muito, e a incluímos no filme.
PB- A cena em que Bogart e Bacall se conhecem- o modo como se olham e os closes para focalizar Marcel Dalio, que os observa- foi claramente para indicar que algo explosivo está para acontecer.
HH- Aquilo era para dar ênfase. Às vezes é muito melhor fazer uma coisa dessas em silêncio do que por meio de falas. E a presença de outro sujeito, que olha de uma pessoa para a outra, mostra que ele está enxergando algo.
PB- Há uma longa seqüência central em que Bacall rejeita Bogart várias vezes.
HH- Quando eu disse a Bogart que iríamos fazer com que ela parecesse ainda mais insolente do que ele, ele disse: “Bem, não creio que você terá grande chance de conseguir isso”. Respondi: “Digo-lhe uma coisa, em todas as cenas em que vocês fizerem juntos, ela vai lhe deixar sem graça”. “Bem”, disse ele, “creio que devo retirar o que acabei de dizer”. É claro que tudo ficou muito mais fácil porque os dois se apaixonaram um pelo outro.
PB- Ouvi dizer que nem sempre Bogart era a pessoa mais fácil com quem lidar quando fazia filmes, mas que com você ele agia de outro modo.
HH- Nós nos demos muito bem. No primeiro dia em que trabalhamos juntos,creio que tomou um ou dois drinques na hora do almoço. Quando ele voltou, eu lhe disse: “Vamos conversar com a Warner”. Ele me perguntou: “Para quê ?”. E eu disse: “Ou eu arranjo outro protagonista ou você consegue outro diretor. Não quero ninguém que beba durante o dia. Não acho que exista alguém tão bom assim. Tenho de extrair o máximo das pessoas, e, se não puder, não vou querer fazer o filme.” E ele respondeu: “Não quero conversar com a Warner”. “Bem, o quer você quer fazer ?” “Não vou beber”. Eu disse: “OK”. Ele não bebeu durante as filmagens, e nos demos muito bem um com o outro. Creio que era apenas um hábito dele, entende o que eu digo ? Se ele se interessasse pelo que estava fazendo, trabalhava muito seriamente. Se não tivesse interesse, não trabalhava. Creio que ele apenas tinha saído, tomado dois drinques e voltado- ele não estava bêbado-, mas na minha opinião aquilo não ajudava de modo algum no seu trabalho.
PB- Entendo que você tentou envolvê-lo muito no filme, por isso ele não trabalhou simplesmente como ator.
HH- Faço isso com todo mundo- ao menos tento fazer isso-, quando prestam para alguma coisa. Pessoas como Wayne, Cooper, Mitchum, Dean Martin. Sempre se consegue ajuda de quem realmente é bom. Era muito fácil trabalhar com Bogart- foi uma pessoa muito subestimada como ator; sem a sua ajuda, eu não teria conseguido fazer o que fiz com Bacall. Não são muitos os atores que simplesmente ficariam sentados esperando que uma garota roubasse a cena. Mas ele se apaixonou por ela e vice-versa, e isso facilitou as coisas.
PB- Bacall gostou de ser transformada ?
HH- Não sei bem se entendo o que você quer dizer. Ela estava perfeitamente contente e realizou todo o filme numa espécie de aura da felicidade.
PB- Quero dizer que ela obviamente permitiu que você a manipulasse para transformá-la no que queria para o papel.
HH- Ah, claro, ela fazia tudo o que lhe era pedido. Ela não tinha nenhuma experiência.
PB- Ela era uma pessoa insolente ?
HH- Não. Descobrimos que ela só era capaz de dizer uma fala insolente com um sorrisinho, sem maldade. As pessoas gostavam daquilo. Certas pessoas, quando dizem uma fala daquele tipo, causa um ressentimento imediato. Com ela, isso não acontecia. Estávamos trabalhando uma personagem capaz disso, e Bacall se encaixou perfeitamente no papel. Também ensaiamos muito, antes de inciar as filmagens, que atitude adotar quando fizemos aquilo, e ela fez o que devia. Não pedimos montes de emocionalismo, choros, medos e terrores- nada disso. Ela simplesmente manteve uma atitude fria e irônica, e o público gostou muito daquilo.
PB- Essa foi a primeira vez que você usou aquela história de fazer a garota beijar o sujeito, e depois, quando ele a beija de volta, ela diz: “É ainda melhor quando você ajuda”.
HH- Sim.
PB- Você usou a cena em diversos filmes, com pequenas variações; como isso começou ?
HH- Isso foi uma cena que eu tinha escrito para testá-la. Quando a escrevi não tinha idéia de que a incluiria no filme, mas funcionou tão bem que resolvi usá-la. Tivemos um trabalhão danado para conseguir encaixar. Aquilo na verdade influenciou muito as cenas iniciais.
PB- O teste foi feito com Bogart ?
HH- Não, ela não trabalhou com Bogart até termos iniciado o filme.
PB- O teste foi bom ?
HH- Ah, sim, muito bom. Ela estava tão assustada- estava segurando uns papéis, e eles tremiam e faziam ruído, mas era patente que ela conseguia se conduzir, mesmo assustada.
PB- O papel foi delineado para satisfazer a imagem que você tinha de Bogart ?
HH- Creio que isso acontece em todos os meus filmes. Praticamente tudo é reescrito depois que se define quem vai fazer um papel. Nunca tento obrigar as pessoas a representar algo que não são. É muito mais fácil escrever explorando o que elas fazem melhor e deixá-las representar essas coisas. Não demora muito. Mas, quando começamos a trabalhar juntos, eu perguntei a Bogart: “Você nunca sorri ?”. “Ah” disse ele, “meu lábio é partido. Não consigo sorrir”. E eu respondi: “Partido coisa nenhuma- na outra noite, quando nos embebedamos, você sorriu bastante. Pelo amor de Deus, dê um sorriso de vez em quando”. E ele começou a fazer isso, gostou da coisa e continuou a sorrir. E fez isso em todos os filmes posteriores nos quais trabalhou, e aquilo produziu nele uma diferença pequena, mas importante- nos papéis que era capaz de fazer e nas coisas que conseguia fazer. Nós nos demos bem porque ele se dispunha a fazer qualquer coisa.
PB- Há uma cena sexy entre Bogart e Bacall em que ele diz: “Dê a volta em torno de mim”. Ela caminha à sua volta e diz: “Sim, percebo- sem cordinhas”. Aí eles se entreolham, e pouco depois, ela lhe dá um leve tapa no rosto e, torna-se claro que ambos estão pensando em ir para a cama o mais cedo possível. Como é que se desenvolve uma cena como essa ?
HH- Eu fico só mexendo- trabalhando. Diálogos surgem facilmente quando as atitudes são corretas. Apenas se brinca com as coisas tentando se afastar da mesmice de sempre. É também um exemplo do que Hemingway chamava de “diálogo oblíquo”, e eu chamo de “diálogo de três tabelas”. Não se diz coisa alguma- apenas se deixa que as falas batam de um lado a outro duas ou três vezes, para que o significado seja apanhado.
PB- É curioso o modo como Bogart desgosta ativamente do capanga silencioso, e passa a provocá-lo. Você também fez ele fazer isso em The big sleep.
HH- Isso dá tanta substância a uma personagem representada por Bogart. Ele indica o sujeito com a cabeça e pergunta: “E ele, não diz nada ?”. Quero dizer, é tão completamente amalucado que dá a Bogart o comando da situação.
PB- Como foi fazer The big sleep (1946) ?
HH- Na pré-estréia de To have and not have, o público reagiu tão bem que, quando retornávamos de carro, Jack Warner disse: “Precisamos fazer outro filme com esses dois. Respondi: “Você tem razão”. “Você conhece alguma história ?”. “Sim, um pouco semelhante a The Maltese falcon (romance de Dashiel Hammett), e ele disse: “Você faria o filme ?”. Respondi: “Sim”. Não lhe contei a história. No dia seguinte, comprei os direitos de reprodução cinematográfica para The big sleep e, na próxima vez que me encontrei com Jack Warner, mostre-lhe o filme.
PB- Como acontece em diversos filmes seus, Red river começa muito depressa e a exposição aparece só bem tarde.
HH- Bem, creio que o público fica um pouco estimulado quando precisa dar tratos à bola sobre o que teria acontecido. Creio que é um pouco maçante conduzir o público por todos os detalhes logo de início, porque nesse caso se sabe o que vai acontecer e, quando acontece, a cena não resulta boa. Mas pode começar com uma boa cena e depois voltar para explicar a história.
PB- Há uma ambigüidade no personagem de Wayne. Era essa opinião que você tinha dele como esse ?
HH- Wayne é um homem que cometeu um grande engano e perdeu a moça que realmente amava por causa da sua ambição e de seu grande desejo de possuir terras. É claro que o fato de ele ter cometido um engano fez com que ficasse ainda mais ansioso para realizar os seus planos. Pois alguém que comete um grande equívoco para conseguir algo que não se deixa deter por coisas pequenas. Tinha construído um império que estava desmoronando. Ele avisou os outros sobre sua situação e disse que ninguém poderia desistir. Ao contar uma história assim, andávamos na corda bamba: o público continuaria a simpatizar com Wayne ou não ? Por sorte, conseguimos uma boa caracterização, e o público se identificou com ele. Digamos que os seus motivos eram completamente autocentrados. Em Only angels have wings, ao contrário, Cary Grant não tinha qualquer motivação egoísta. Ele estava fazendo um trabalho para um homem de quem gostava- alguém que não era capaz de cumprir a tarefa sozinho-, e, portanto, se tratava de amizade pura. Mas de todo modo isso é aceito, porque é uma premissa perfeitamente boa para basear a história.
PB- O fato, de logo no início, ele não levar consigo a mulher que ama chega quase a motivar todo o filme.
HH- É verdade, isso tinha a ver com a sua atitude e todo o resto. Ele cometeu um engano: deveria ter levado a mola. E, com a morte dela, aquilo permaneceria com ele pelo resto da sua vida. Na verdade, o seu amor se voltou para o menino por causa dela. A namorada de Clift (Joanne Dru) diz isso no fim- numa cena bastante piegas, mas verdadeira- “Pare de lutar. Vocês se amam”. Não imaginei que a cena fosse crível, mas funcionou bem.
PB- Você nunca gostou daquela cena.
HH- Nunca gostei. Não sei- eu tinha outra idéia. Crio que a cena não parece verossímil.
PB- Então, não é tanto a cena que o aborrece, mas a sua execução.
HH- Sim. Isso acontece o tempo todo quando se faz cinema. Inclui-se uma cena que se queria fazer e, de repente, não se consegue o que se queria. Mas não havia nada a fazer, estávamos presos àquilo. Não imaginei nenhum outro jeito de terminar o filme, porque aquilo era o final. Creio que ela simplesmente falhou. Ela fez um trabalho muito bom, considerando que não tinha experiência. A outra teria sido seis vezes melhor.
PB- Que outra ?
HH- Quem era para fazer o filme: Maggi Sheridan.
PB- Mais tarde , você a usou em The thig (O monstro do Ártico, 1951) ?
HH- Sim.
PB- E por que ela não fez o papel ?
HH- Ela apareceu um dia antes de viajarmos para o Arizona, com todo o figurino já feito e tudo mais, fechou a porta e disse: “Estou grávida”. Então fiquei encalacrado. Eu tinha um contrato com Joanne Dru para fazer comédias- musicais, coisas leves, mas não para fazer aquele tipo de coisa-, e eles tiveram de fazer vestidos novos e mandá-la para lá. Um sujeito tinha ensinado a Maggie como distribuir cartas, e toda a idéia era colocar em dúvida que aquela mulher pudesse ser uma prostituta, uma vez que manejava as cartas tão bem- esse tipo de coisa. Ela tinha umas coisas bastante boas para fazer no filme. Mas Maggie se casou com um sujeito muito maçante e, por uns cinco anos, levou uma vida maçante. Quando voltou, não era a mesma pessoa. Se tivesse trabalhado em Red river teria se transformado numa grande estrela.
PB- O roteiro foi escrito por Borden Chase ?
HH- Ele escreveu a história original, mas tivemos de reescrever o roteiro porque Borden tinha ficado muito ligado ao original, e eu queria modificá-lo.
PB- Quanto você mudou ?
HH- Antes eu tinha trabalhado na história do King Ranch, e estava com aquilo gravado na mente. Por isso, creio que estava em busca de uma história um pouco maior do que a der Borden. Ele estava mais preocupado com carroções e coisas assim. Também acho que ele foi influenciado pelos editores de Saturday Evening Post.
PB- A transição de dez anos funcionou muito bem.
HH- Aquilo não causava preocupação porque quem fazia a transição era o menino- ele cresceu, e Wayne envelheceu. E quando se levantou dos joelhos enfrentou alguns problemas, como teria acontecido a um homem mais velho. Creio que tudo se delineou bem depressa.
PB- Foi a primeira vez que você fez algo semelhante. Geralmente os seus filmes tem uma unidade temporal e espacial, mas este filme percorria um período longo.
HH- Sim, a história exigia isso. Queríamos saltar do desejo do homem de possuir muito gado a um ponto em que ele já o possuísse, pois a história era essa. O modo como tinha conseguido isso só foi revelado mais tarde. E fizemos algumas cenas em que ele toma o gado dos mexicanos.
PB- Na época você foi criticado devido ao final do filme, por não matar Wayne nem Clift; alguma vez se arrependeu disso ?
HH- Não, creio que a premissa da última cena seja lógica. Se tivéssemos exagerado um pouco ou ido longe demais, bem, como disse, não tinha outro jeito de terminar. Decerto teria odiado matar um deles. Frusta-me começar a matar gente sem motivo. Fiz isso em The dawn patrol, mas quando terminei, percebi quão perto eu tinha chegado de estragar tudo, e não quis mais brincar com aquilo de novo.
PB- Como você fez aquela tomada extensa em que parte de Wayne, percorre todo o gado e volta a Wayne ?
HH- Mandamos buscar uma mesa giratória motorizada, na qual instalamos a câmera, permitindo assim que ela mantivesse uma rotação constante; começamos com Wayne e fomos girando a câmera, enquadrando o gado, até certo ponto em que havia uma estaca de cerca. Aí levamos o gado para a frente, entre essa estaca e outro marco, girando de novo a câmera; finalmente, movemos o gado de novo e filmamos- assim mostramos três vezes mais o gado do que tínhamos na verdade. Fizemos isso em vários pontos do filme, e não se percebe. Em Land of the pharaos, nas seqüências de contrução de pirâmides, a câmera se move continuamente, nós cortamos na metade, movemos as coisas e as pessoas para a frente, e continuamos, sem que o público percebesse.
PB- Então na verdade você tinha muito menos gado que imaginávamos.
HH- Ah, sim. Tínhamos apenas 1500 cabeças, mas era o suficiente para trabalhar. Tente dizer a 1500 vacas o que fazer !
PB- Onde o filme foi rodado ?
HH- No Arizona, entre Tucson e fronteira, numa pequena fazendo que pertencia ao secretário da Marinha, que havia sido colega de escola do meu irmão. Chama-se Rainwater Ranch, ou algo assim. A película foi filmada inteira lá. Além de set, a cidade do filme também nos servia de moradia.
PB- Quem construiu a cidade ?
HH- Algumas fachadas falsas- nada demais. Uma cidade com dois pedaços, um centro e outro nos arrabaldes, e alguns edifícios falsos. A mim pareceu uma cidade de verdade. Sabia que aquelas 1500 cabeças de gado fechadas em currais levaria consigo a câmera e todo o resto se uma lâmpada explodisse.
PB- O diretor da segunda unidade foi Arthur Rosson.
HH- Sim- fez o estouro da boiada e coisas assim.
PB- Quem realizou aquelas lindas cenas panorâmicas do movimento de gado ?
HH- Fomos nós. A maioria foi filmada de manhãzinha, ou tarde da noite. Só fizemos as cenas. Se o cameraman chegasse antes de mim, simplesmente se preparava e começava a cena.
PB- Foi você quem filmou a travessia do rio em Red river ?
HH- Sim. Aquilo foi difícil de fazer, porque em nenhum rio do Arizona havia tanta água. Construímos uma represa, mas quando íamos filmar, a represa cedeu. Construímos de novo e filmamos. Mesmo assim, não havia água bastante. Creio que o rio fazia uma curva, que amorteceu a correnteza.
PB- Quem atravessa o carroção, é aparentemente, o próprio Brennan; acho que você lhe disse para olhar para trás, de modo a fazer o público perceber que era ele mesmo.
HH- Ah, foi ele- ele sabia manejar uma perelha. Tínhamos feito a travessia algumas vezes, de forma que ele se acostumou; naquela altura sabíamos que o fundo do rio era bom, então ele atravessou o carroção e tudo deu certo.
PB- Em certa altura do filme alguém diz a Wayne: “Acho que você deve dizer à turma que eles fizeram um bom trabalho”. E ele responde: “Por que deveria ? É o serviço deles”. Você concorda com essa atitude ?
HH- Não, mas a personagem concordava.
PB- Você discorda fundamentalmente daquela personagem ?
HH- Creio que naquela altura todos ficaríamos de desacordo com Wayne. Acho notável que ele tenha conseguido atravessar aquela personagem. Até ele ficou em dúvida em certos pontos. Eu lhe disse: “Agora é tarde para ter dúvidas- vá lá e faça”.
PB- Dúvidas quanto à simpatia do público por ele ?
HH- Sim. Eu lhe disse: “Creio que tudo vai dar certo. A melhor coisa a seu favor é que o rapaz o defende o tempo todo”. Veja, mesmo depois que a mão de Wayne se enche de farpas, e o sujeito quer pegar a arma para acabar com ele, Clift se antepõe e diz: “Entreguem-lhe a arma-dêem a arma a ele”. Ele queria matar o sujeito. É um modo oblíquo de mostrar aceitação, mas lá estava e ajudou o personagem de Wayne.
PB- Como era trabalhar com Clift ? Ele era de alguma forma difícil ?
HH- Ah, ninguém tão bom é difícil. Tudo o que se precisa fazer é tirar certas idéias da sua cabeça. Veja, quando começou, ele deveria ser durão, mas pessoas assim são expulsas da tela por Wayne num piscar dos olhos. Por isso, eu o interrompi e disse: “Preste atenção, Monty, a melhor coisa a fazer é exatamente ao contrário. De outra forma, você não vai a lugar nenhum. Pegue uma caneca de café, beba dela, e só veremos os seus olhos. O público não saberá se você está sorrindo ou não. Comporte-se como se não se importasse de modo algum”. Foi o que ele fez, e quando terminamos a cena, Wayne se aproximou de mim e disse: “Ei, aquele guri vai dar certo-ele vai ser um bom ator”. Respondi: “Pode estar certo de que ele será bom”. Depois enxergou outra oportunidade de fazer uma cena dramática- ele queria se zangar com um sujeito-, mas eu queria que ele representasse a coisa com as mãos tremendo e dizendo: “Você está com sorte. Veja como você chegou perto”. Bem, depois que Clift percebeu como essas coisas funcionavam bem tornou-se cada vez mais fácil trabalhar com ele.
PB- A cena em que eles deixam Wayne encostado no seu cavalo é especialmente boa.
HH- Aquilo foi engraçado, porque Monty Clift tinha falado sobre essa grande cena que se aproximava-na qual ele se dirige até Wayne e lhe diz que, com sorte, levará a boiada dele até Abilene-,e eu lhe disse: “Não tenha tanta certeza”. Quando fez a cena, Wayne estava com as costas voltadas para Monty e para Walter, de modo que Monty teve de falar para a sua nuca, até que Wayne se voltou e disse: “Vou matá-lo. Algum dia você vai olhar e eu estarei lá. Vou matá-lo Matt”, e se virou de novo e não olhou mais para ele. Aquilo deixou Clift embaraçado. Eu disse: “Agora é melhor sair daí”- eles cortaram isso do som-, e ele se voltou e se afastou sem saber para onde andava. Ele não sabia o que fazer.
PB- Esse foi o primeiro filme de Clift- como você o achou ?
HH- Não me lembro exatamente- creio que por intermédio de algum empresário. Gostei da sua atitude geral. Ele nunca tinha montado a cavalo, e como dispunha de algum tempo antes do início de filmagens, chegou duas semanas de antecedência, e toda manhã, depois do café, saia com um caubói levando um lanche, e cavalgam o dia inteiro- subiam colinas e desciam lugares íngremes, atravessavam rios e assim por diante. Quando as filmagens começaram, ele estava montando bem. Dava para perceber. Ensinei-lhe como saltar para a sela pulando antes do estribo. Ele trabalhava- realmente trabalhava duro.
PB- Joanne Dru fala bastante no filme, como Angie Dickinson faz em Rio Bravo.
HH- Bem, quando o agressor é uma garota, ou se faz isso ou se acaba com um filme mudo em mãos. É aí que as reações se tornam interessantes. Creio que a moça tem de falar, pois do contrário fica tudo muito chato.
PB- E, uma vez que você acredita que é ela quem deve falar, você exagera um pouco para dar graça.
HH- Claro. É para realçar a futilidade daquilo contra o que está lutando- ela trabalha contra o aparecimento de problemas, não é isso ?
PB- Considerando a época, a cena em que Wayne oferece a Joanne Dru metade de tudo que ele fez tem para ela lhe dê um filho foi bastante ousada. É também uma proposta estranha.
HH- Creio que ele jamais tornaria a se apaixonar, mas ele queria um filho. Acho que fazia um bom juízo dela, de modo que serviria para ser a mãe do seu filho. E ele responde à altura: “Dunson, por Millay”-porque ela queria dizer: “Você só quer cruzar, como se estivesse cruzando gado”. Creio que foi uma boa resposta. Não tinha certeza de que conseguiríamos fazer isso passar por eles, mas deixaram. Acontece que quando o filme vai bem, eles deixam passar um monte de coisas.
PB- Numa das poucas cenas do filme que se passam em ambiente fechado- quando eles se inscrevem para levar a boiada junto com todos os outros-, a única fonte de luz é aquele refletor desmaiado.
HH- A fotografia sai bem assim, é só isso. Uso bastante esse expediente.
PB- Os seus filmes são em geral bastante escuros.
HH- Ah, creio que é porque o resultado é mais dramático.
PB- Como você teve a idéia de fazer com que, no final, Wayne saísse andando em meio ao gado ?
HH- Primeiro perguntei a ele se levaria o cavalo em meio ás vacas, e ele respondeu: “O cavalo seguirá até certo ponto, mas depois vai parar”. Então eu disse: “Bem, quando ele estiver pronto para parar, desmonte e ande em meio às vacas”. Espantamos o gado que estava à sua frente. O ruído daquelas coisas que ele levava também ajudava as vacas a saírem da frente em tempo de ele passar. E elas saíam bem em cima da hora. Tivemos sorte em conseguir filmar aquilo. Coisas assim sempre dependem da sorte.
PB- Cera vez você me disse que Red river foi o único dos seus filmes do qual você possuía uma cópia.
HH- E isso não é mais verdade.
PB- Por quê ?
HH- Porque emprestei para alguém que nunca a devolveu.
PB- Esse foi o filme tecnicamente mais difícil que você fez ?
HH- Ah, sim, considerando as dificuldades. Quero dizer, levantava-se de manhã, e o pára-brisa do automóvel estava coberto por meio centímetro de gelo; ia-se a cavalo para a locação de filmagens. E quando chegava a hora do almoço começava a chover, e tínhamos de comer num prato molhado. Ficamos três meses desse jeito, ao ar livre. Houve muito poucas cenas de interiores.
PB- Onde você filmou essas cenas ?
HH- Algumas lá, mas a maioria no estúdio de Goldwyn. Não deu muito trabalho.
PB- Enquanto você estava no Arizona foi possível ver provas diárias das filmagens ?
HH- Víamos ás vezes, mas não normalmente. Havia um montador no estúdio que finalizava as tomadas. Mas trabalhamos muito tempo na locação, e não pude ver o que ele estava fazendo. Quando assisti, estava tudo errado. Achei que não tinha sido eu que havia filmado aquilo. As minhas tomadas buscavam as reações das pessoas, e ele não incluiu uma só reação em todo o seu trabalho de montagem. Foi então que convoquei Chris Nyby- quando começamos, ele estava fazendo outro trabalho- e lhe perguntei: “O que vamos fazer com isto?”. Ele respondeu: “Vamos recopiar tudo”, e recomeçamos tudo desde o início.
PB- Você planeja de antemão as cenas de mau tempo ?
HH- Em El dorado, ensaiei uma cena de pôr-do-sol, preparei os refletores- era numa porta ou numa janela-, marquei o lugar da câmera com um prego e fui fazer outras coisas. Esperamos cerca de dez dias, filmando outras coisas, até que surgiu um pôr-do-sol muito bom; então corremos e filmamos. Antes de viajarmos para a África para fazer Hatari!, Jack Ford me disse: “Prepare-mse parta uma boa cena de chuva. Ensaie tudo de antemão, porque lá as gotas de chuva são as maiores do mundo. É o único lugar do mundo para filmar chuva”. De modo que eu disse ao cameraman, Russ Harlan, que se preparasse. Mas não caiu uma gota de chuva durante todo o tempo em que ficamos lá! Quando voltamos, contei a Ford e lhe disse: “Não me dê mais conselhos...”.
PB- Fale sobre A song is Born (A Canção Prometida, 1948).
HH- Certa vez me encontrei com Goldyn, e ele me disse que estava encalacrado com uma história de Danny Kaye. (...)
PB- Não acho um filme muito bom.
HH- Acho que é um filme horrível!
PB- Gentleman prefer blondes (1953) foi o seu primeiro musical. O que o estimulou a fazê-lo ?
HH- Eu nunca havia feito um musical, e imaginei que seria divertido tentar. Recebi mais ou menos carta branca para fazer o filme, que possuía os ingredientes que eu imaginava necessários para um musical. A peça era boa, e eu gosto muito de Jane Russell; assim, no momento em que eles a conveceram a fazer o filme, tornou-se fácil. De modo geral, creio que o filme saiu direito.
PB- Você não considerou irônico o fato de algumas pessoas terem achado que Monroe e Russell estavam sexy em Gentelen prefer blondes, quando o que você pretendia era o contrário ?
HH- Sim, é irônico. Na verdade, para mim, elas era muito divertidas, uma caricatura total, uma pantomima sobre sexo- não havia sexo normal ali. Jane Russell deveria representar a sanidade, e marlyn, uma garota que se preocupava apenas em arranjar um bom casamento do ponto de vista financeiro. Ela tinha um pequeno código pessoa e vivia de acordo com esse código. Fox havia escrito o roteiro de forma que a garota que queria o dinheiro se casava por amor e a garota que queria o amor se casava por dinheiro. Eu lhe disse: “Isso é tão antigo, por que não fazer a coisa honestamente ?Só levar o filme até o fim direito”. O menino era a pessoa mais madura do filme, e creio que era muito divertido. Fizemos o filme o mais espalhafatoso e reluzente que pudemos, de propósito, com um figurino completamente vulgar. Não havia preocupação com a realidade. Estávamos fazendo uma comédia musical, pura e simplesmente.
PB- O filme teve grande sucesso.
HH- Sim- foi o musical de maior sucesso que a Fox já realizou-ou, pelo menos, foi isso que eles me disseram. Musicais são, geralmente, muito restritivos, caso se pretenda que o público faça alguma idéia do que está acontecendo. E não se pode dublar um musical, mas, mesmo assim, o filme ganhou um monte de dinheiro na Europa.
PB- Como você disse, é um filme de aspecto extremamente vulgar.
HH- Zanuck acreditava em cores. Eu gosto de cores pastel. Os laboratórios da Fox eram todos voltados para a cor-obtinham-se cores que saltavam da tela e tinham impacto sobre o público-, não fazia sentido amenizar aquilo. O filme não envolvia qualquer realismo: as garotas eram irreais, a história era irreal, os cenários e toda a premissa de coisa eram irreais. Estávamos trabalhando com uma fantasia completa. Eu costumava dar risada toda vez que fazíamos uma cena em que as duas apareciam juntas- cabelo branco e cabelo preto-, elas eram tão caricaturais!
PB- Ambas eram caricaturadas de garotas sexy, embora nenhuma das duas parecesse sexy no filme.
HH- Nenhuma das duas era sexy na vida real. Jane Russell conheceu um rapaz no colégio, casou-se com ele e nunca saiu com outro homem em toda a sua vida até terem se divorciado. Essa era o grande símbolo sexual. Quando o seu marido Bob (Waterfield), que era zagueiro do Rams, viajava, ela batia na minha porta e me perguntava se podia fazer o jantar- era apenas uma pessoa solitária. Monroe não conseguia ninguém que a convidasse para sair. Um empresário gozado, com um metro e meio de altura, costumava levá-la aos lugares. No entanto, para o público de cinema, ambas eram símbolos sexuais. Era tudo uma armação.
Não realizei os grandes números musicais do filme- insisiti em que não os faria. O que fiz foram números como as duas cantando juntas “We are just two little girls from Little Rock”- esse tipo de coisa. De´pois que eu tinha acabado, eles fizeram aqueles números espalhafatosos tipo como “Diamonds are a girl´s best friend”. Isso foi feito com a minha permissão- eu só não queria ter o trabalho de realizá-los. E quanto mais números eles faziam, mais berrante e vulgar o filme foi se tornando. Mas Santo Deus, Monroe era vulgar. O que se podia fazer a respeito ?
PB- Quem dirigiu aquelas seqüências ?
HH- O diretor de dança- Jack Cole, um dos melhores de lá.
PB- Como foi trabalhar com Russell e Monroe ?
HH- Duas pessoas completamente diferentes entre si. A Jane bastava ensaiar duas vezes e ela atingia o máximo. No caso de Monroe, quanto mais se insistisse, melhor ela ficava.
PB- Como você se deu com Monroe ? Mais tarde, ela evidentemente se tornou bastante difícil.
HH- Monroe só se assustava muito em aparecer- tinha grande complexo de inferioridade-, eu tinha pena dela. Conheci outras pessoas como Marilyn. Fiz o melhor que pude e tentei não me aborrecer demais com aquilo. O papel que tinha desempenhando em Monkey business havia sido bem pequeno, por isso não tinha ficado muito assustada; mas quando pegou um papel grande...Por exemplo, quando a pusemos para cantar, por duas ou três vezes ela tentou fugir do estúdio de gravação. Tivemos de agarrá-la e segurá-la para que não saísse. E, na verdade, Marilyn cantava bastante bem. Jane Russell me ajudou bastante. Sem ela eu não teria conseguido fazer o filme. Jane animou Marilyn com conversas do tipo “você consegue”. Ela estava assustada isso é tudo- e, quando se assustavam não conseguia trabalhar direito.
PB- Todos os homens do filme são apagados.
HH- O filme teria sido estragado se os homens fossem diferentes. As garotas é que precisavam ser dominantes. Marilyn queria se casar por dinheiro, e foi isso que conseguiu- o homem tinha de ser filhinho de papai. Jane se casa por amor, então poderiamos ter escolhido algum bastião da masculinidade, provavelmente poderíamos ter realizado um filme assim, mas não conseguimos nenhum e o trabalho tinha de ser feito.
PB- Talvez tenha sido intencional, mas o filme resulta um tanto cínico.
HH- Bem, era cínico. Quer dizer, quando se vê uma moça como Monroe andando por aí vestindo praticamente nada sem que ninguém preste atenção nela e quando um corista passa e tudo mundo assobia para ela, fica evidente que o filme é uma paródia.
PB- Como foi fazer Land of the pharaos ?
HH- Fiquei interessado na idéia de um homem todo-poderoso que vivia de modo relativamente simples, e que gostou toda vida construindo aquele negócio imenso em nome de uma segunda vida. Conversei com Faulkner sobre a história, e, embora tivéssemos imaginado que conseguiríamos fazer algo com aquilo, nos enganamos. Pensamos que poderia ser uma história interessante- a construção de uma pirâmide-, mas precisávamos de alguma trama, e na verdade não chegamos nem perto disso. Creio que o filme tem algumas grandes cenas, mas isso é tudo.
PB- Na verdade, não é um filme que se possa defender muito facilmente como trabalhão unificado, mas creio que isso aconteceu com quase todo mundo que tentou realizar esses grande filmes bíblicos ou históricos.
HH- O único capaz de fazê-los era (C.B.) DeMille- eram tão horríveis que ficavam bons.
PB- Provavelmente porque ele acreditava nos filmes.
HH- Ah, tenho certeza de que sim- esse era o negócio dele. Quando se pensa em algumas das cenas que realizou- e, apesar disso, quando juntas, funcionavam. DeMille foi, de longe, o diretor mais popular que existiu- foi ele quem agradou à maior quantidade de pessoas. Creio que muitos de nós teriam gostado de fazer filmes que ganhassem aquela quantidade de dinheiro. Ele era uma figura e tanto. Quando realizou King of kings (O rei dos reis, 1927), os executivos da Paramount estavam reclamando dos custos; ele saiu e voltou com um cheque administrativo cobrindo todo o dinheiro gasto e disse: “Cavalheiros, vocês não precisam mais reclamar- aqui está o dinheiro que o filme custou até o último centavo- eu fico com o filme”. Bem, é claro que eles não concordaram, mas DeMille estava de posse do cheque e com tudo pronto para fazer a transação. Ele tinha um ego imenso. Quando chegava ao set de manhã, era como Deus. Todo mundo fazia silêncio. Ele tinha um escritório enorme, com teto abobadado e vidros fumê, luzes especiais e lugares desconfortáveis para as pessoas se sentares (exceto ele próprio).
PB- Imagino que você estava tentando fazer um espetáculo inteligente.
HH- Acho que o que precisava é de uma boa história. Bem-Hur foi malfeito nas duas vezes (1926, Ferd Niblo; 1959, William Wyler), mas ainda assim as pessoas gostaram, porque quando se analisam os filmes, há neles tudo para uma boa história.
PB- Land of pharaoes foi o único filme que você realizou em CinemaScope; qual é a sua opinião sobre o processo e sobre o formato ?
HH- Não acho que o CinemaScope seja um bom suporte. Entre outras coisas, distrai- é difícil prestar atenção e é difícil realizar cortes. Se o formato de CinemaScope fosse bom, os pintores o teriam usado com mais freqüência- e eles fazem isso há mais tempo do que nós.
PB- Após The big sky, que foi arruinado pela escolha do elenco e pelas mudanças de montagem; de Mokey business, que foi para você um fracasso; de Gentleman prefer blondes, que na verdade você não levou a sério; e de Land of pharaos, que também não resultou como você teria preferido, você parou de filmar por cerca de três anos. O que você fez ?
HH- Estava ficando cansado de fazer filmes, e pensei que seria melhor arranjar algumas idéias novas e começar de novo. Eu tinha trabalhado continuamente por um bom período, de modo que simplesmente me dei um pouco de tempo; comecei a pensar sobre o modo como costumávamos fazer filmes e como os estávamos fazendo na época. Revisei a confecção de muitos filmes dos quais tinha gostado. Hoje em dia, eles querem que fiquemos presos a roteiros- e a forma mais fácil, mais simples de conseguir isso é empregar as instalações físicas de um estúdio. Eu me determinei a voltar atrás e recuperar um pouco do espírito com que fazíamos filmes. Usávamos situações cômicas sempre que podíamos, e pensei que havíamos ficado sérios demais. Acredito que Rio Bravo havia muitas situações cômicas, como se tivéssemos começado a fazer uma comédia.
Decidi também que o público estava ficando cansado de tramas; como você sabe, Rio Bravo e Hatari! quase não têm trama- há mais a caracterização e o divertimento de se contar uma história. As pessoas parecem gostar mais disso do que do outro jeito. Não quero dizer que caso apareça uma grande história não se deva realiza-la, mas creio que as tramas médias estavam um tanto batidas. Com a chegada da TV, usaram-se tantos milhares de enredos que as pessoas começaram a se cansar. Quando se faz um filme com enredo há certa tendência de o público pensar: “Ih, já vi isso antes”. As pessoas perdem o interesse. Mas quando não se diz qual é a trama, há uma chance de despertar o interesse delas. Isso também conduz as personagens que motivam a história; isso acontece porque a personagem acredita que a situação acontece, não porque isso esteja escrito num roteiro.
PB- Mas os filmes giravam principalmente em torno de personagens e não de situações, não é ?
HH- Bem, ás vezes, você leva algum tempo até perceber que faz isso inconscientemente, mas a partir daí passa a fazer de propósito, e isso torna o trabalho muito mais simples. E, de certo modo, mais difícil, porque simplesmente seguir uma trama não é muito complicado; mas quando não se tem um enredo, já não é tão fácil contar uma história.
PB- Creio que Rio Bravo, é um dos seus melhores filmes, provavelmente o melhor depois de Red river. Você acha que isso aconteceu porque você fez uma pausa e revisou o que estava fazendo ?
HH- Sim, creio que sim. Quando cheguei e disse: “Quero fazer Rio Bravo”. Jack Warner exclamou: “Ora, você não vai querer fazer um western, vai ?”; E eu respondi: “Sim, vou querer”. E, na verdade, esse filme deu início a todo um novo ciclo de westerns. Se você prestar atenção, perceberá que naquela época ninguém estava fazendo grandes westerns.
PB- A seqüência de abertura é especialment interessante, considerando o contexto de que estamos falando- foi o seu primeiro filme em três anos. Você entrou no filme com muito espírito, iniciando-o com uma longa seqüência silenciosa.
HH- Claro, fizemos isso deliberamente.
PB- Voltando para a seqüência de que é um filme.
HH- Sim, voltando à origem. As personagens eram apresentadas logo na primeira seqüência, sem a necessidade de se falar nada. Sabe-se que Wayne era um bêbado- um bêbado que tinha caído muito-, mas era amigo de Wayne; e que, apesar disso, quando apanhando, o amigo era capaz de agredir o xerife.
PB- Apanhado numa situação embaraçosa ?
HH- Sim- com a mão dentro de uma escarradeira, onde sujeito mal-encarado tinha atirado uma moeda para ele pegar.
PB- Na verdade, a primeira seqüência é um tanto estilizada. Em alguns momentos você poderia ter incluído diálogos, mas, propositadamente, não o fez- quando, por exemplo, o sujeito que leva o tiro disparado pelo vilão bate no seu ombro e sacode a cabeça, como se dissesse “você não devia ter feito isso”.
HH- Durante os três anos em que fiquei afastado, a TV havia pegado, mas tinha passado o tempo na Europa, de modo que não tinha assistido a nada. Quando voltei, vi que usavam chamadas para abrir num programa, depois passavam a um comercial, em seguida vinham os créditos e depois o filme. Achei que aquilo era interessante, então decidi tentar. Na verdade, caso se análise Rio Bravo, pode-se perceber que o filme é feito quase como aquelas histórias da televisão- é dividido em três partes completas. Funcionaria perfeitamente como seriado de TV. Assim, na verdade eu só usei aquele novo negócio que tinha sugerido, e funcionou muito bem.
PB- Depois da introdução, você mantém a câmera focalizada em Wayne, que sai andando para se encontrar com (Ward) Bond e relaxar.
HH- Aquele jeito de andar é quase uma marca registrada de Wayne. Quando ele era mais jovem, parecia um gato- o modo como andava-, como se caminhasse sobre os dedos. Gosto de vê-lo fazer isso.
PB- Como surgiu a idéia para o filme ?
HH- Começou com algumas cenas de um filme chamada Hig noon (Matar ou Morrer, 1952 de Fredn Zinnermann), em que Gary Cooper corre de um lado para o outro tentando encontrar ajuda, mas ninguém colabora. E isso é uma coisa um tanto tola para se fazer, ainda mais porque, no fim do filme, ele se mostra capaz de liquidar a tarefa sozinho. Pensei então que faríamos o contrário, a partir de um ponto de vista realmente profissional. Quando oferecem ajuda a Wayne, ele diz: “Se eles realmente forem bons, vou usa-los. Se não, vou ter de tomar conta deles”. Fizemos tudo desse jeito- exatamente o contrário do que tinha me aborrecido com Hig noon-,e funcionou; as pessoas gostaram. É claro que nos divertimos muito ao fazer aquele filme. Refiro-me ás reações malucas- só que não creio que sejam malucas, acho que são normais; acontece que, devido aos maus hábitos que havíamos adquirido, elas pareciam doidas.
PB- Em certo sentido, o papel de Martin era um pouco como Barthelmess em Oly angels have wings- um homem que precisa de uma nova chance na vida.
HH- Em certo sentido, sim. Mas era uma história sobre amizade. Em determinada altura, Wayne me disse: “Ei Martin está ficando com toda a atenção, não é ?”. Respondi: “É verdade”. “E o que eu faço ?” E eu lhe disse: “O que aconteceria com você se o seu melhor amigo fosse um bêbado que estivesse tentando se reabilitar ?- você não o vigiaria ?”. E ele responde: “OK, sei o que fazer”.
PB- O mexicano diz a Wayne que não entende as mulheres, o que, de alguma forma, é verdadeiro nas personagens de Wayne na maioria dos filmes dele.
HH- Sim. Em Rio Lobo (1970) fizemos com que uma garota a chamasse de “confortável”, “velho” e assim por diante. Se há algo no ator com que eu possa brincar, eu brinco- incluo nas falas. Ninguém fica aborrecido.
PB- Por que foi você escolheu Dean Martin, que nunca tinha feito nada parecido antes ?
HH- Sempre gostei dele- eu o conhecia pessoalmente. O seu empresário me procurou e disse: “Você o receberia e conversaria com ele ?”. Respondi: “OK, amanhã ás nove e meia da manhã”. “Bem”, ele respondeu, “não sei”. E eu disse: “Preste atenção, se ele pretende participar disto, faça com que esteja aqui ás nove e meia da manhã”. Dean chegou e disse: “Estou um pouco sonado. Fiz um show em Vegas até a meia-noite, levantei cedo aluguei um avião para chegar aqui e enfrentei um transito danado no caminho”. E eu lhe disse: “Você teve essa trabalheira toda para chegar aqui ás nove e meia ?”. E ele respondeu “sim”, e conversamos por alguns minutos. “Bem, é melhor você ir ao guarda-roupa, para fazer o seu figurino”. E foi o que fizemos. Eu sabia que, se tinha sido capaz de fazer aquele esforço, ele iria trabalhar duro, e nesse caso, eu não teria problemas, porque Dean é uma personalidade e tanto. E foi o que aconteceu- ele trabalhou muito naquele bêbado.
PB- Certa vez, Martin me disse que a ultima cena que você filmou com ele foi a mais difícil da carreira dele- a tomada no estábulo, em que ele sucumbe. Ele não achava que seria capaz de fazê-la, caso você não a tivesse deixado para o final. Você fez isso de propósito ?
HH- Sim. Ele pretendia fazer uma espécie de bêbado de boate com ressaca de boate, e eu lhe disse: “Dean, conheci um sujeito que bateu nele mesmo porque ficou com câimbras”. Ele me olhou, e eu continuei a falar: “Vamos tentar desse jeito”. E ele fez um belo trabalho. Descobru que era capaz de representar aquela cena, e o resultado foi ótimo. Trabalhou tão duro- treinou o us de armas e se tornou realmente bom naquilo. Os que são de fato bons, trabalham.
PB- Há uma tomada num bar, feito de baixo para cima, incluindo Wayne e Martin e o sujeito ferido que vigia lá do alto. Para você, esse e um tipo de tomada pouco comum.
HH- O que era pouco comum era a posição em que o sujeito se encontrava. Aquilo foi feito só para mostrar onde o sujeito se encontrava em relação a eles- para junta-los numa cena só. Mas você tem razão, na verdade não gosto desse tipo de tomada. Em El Dorado, tinha uma luta no alto de uma torre da igreja e não havia modo como filmá-la a não ser olhando para cima; por isso, de novo fiz algo que normalmente não faço.
PB- Você quer dizer o homem cair em direção à câmera ?
HH- Sim. Não tínhamos set. Fizemos daquele jeito para evitar a contrução de um set e mais um dia de filmagem.
PB- As tomadas funcionam em ambos os filmes.
HH- Elas não atrapalham nem um pouco. Se bem me lembro, estávamos em cima, o homem olhava para baixo, e quando Dean Martin vê o sangue pingando no bar, dá um passo para trás, volta-se e atira no sujeito. Aí, o cara cai, morto, e bate no chão. Mas naquele filme todo mundo era encorajado a encontrar soluções novas. A explosão de dinamite, no final, foi criação do diretor de arte. Na primeira vez ele exagerou. Colocou papéis vermelhos, amarelos e verdes na explosão, então, quando a casa explodiu, pareciam fogos de artifícios chineses. Começamos todos a rir. Perguntei-lhe: “O que você fez?”. E ele respondeu: “Bem, imaginei que haveria faturas de cores diferentes lá dentro, mas é a coisa mais horrível que já vi”. Então reconstruiu a casa e fizemos a explosão normalmente; mas foi muito engraçado- parecia uma imensa e maravilhosa bomba explodindo em Monte Carlo.
PB- Muitas coisas foram inventadas a medida que você prosseguia no filme ?
HH- Não, apenas aperfeiçoamentos das personagens. Aconteciam pequenas coisas- quando, por exemplo, Dean Martin tenta enrolar um cigarro, ele não conseguia controlar os dedos, então, Wayne ficou lhe passando cigarros feitos. De repente, percebe-se que eles são muito bons amigos, pois do contrário Wayne não estaria fazendo aquilo. A cena surgiu porque um dia Martin me disse: “Bem, se as minhas mãos tremem, como é que posso enrolar esta coisa ?”. Aí Wayne me disse: “Aqui está, eu faço para você”, e, de repente, aquilo passou a funcionar a nosso favor. Pode-se ter nas mãos uma cena perfeitamente boa, mas à medida em que a personagem vai se tornando mais clara, percebe-se que a cena tem pouca ou nenhuma caracterização, de modo que se começa a rechear a personagem com caráter. A cena é, na verdade, a mesma, mas ele usa falas diferentes, e se obtém atitudes diferentes.
A questão central em Rio Bravo não é Wayne, é a história de Dean Martin- tudo acontece por causa do bêbado. Acontece logo no início da história e segue ao longo de todo o filme. É claro que, Wayne, resultado foi um grande papel, porque passa por tudo aquilo por causa da sua amizade. Ele fica imaginando quão bom o sujeito é, se está arruinando ou será capaz de cair no buraco. Wayne observa o desenvolvimento de um homem, tudo termina bem, e o amigo fica contente por causa disso.
PB- Creio que o momento culminante de Martin é quando ele derrama a bebida de volta para a barriga sem desperdiçar uma gota.
HH- Imagino que isso é o que um dramaturgo diria. Mas não creio- acho que se sabe que aquilo acontecerá, e Martin só tenta fazer o melhor que pode. Creio que o melhor momento é quando ele intimida os caras durões no bar.
PB- Concordo, mas dramaticamente a cena da garrafa é o clímax.
HH- Ah, claro. Mas muito frequentemente apenas deixo que esses chamados climaxes venhas e vão depressa. Sei que o público espera, ele fica lá esperando acontecer e se sente muito melhor quando a coisa passa.
PB- Quando Martin é capturado e pedem resgate por ele, Wayne coloca a amizade acima das considerações profissionais.
HH- Não, não acho. Geralmente, um amigo faz qualquer coisa por outro.
PB- Você faz Brennan parecer incompetente no filme, mas ele é exatamente o contrário.
HH- Ah, ele é incrivelmente competente. Ele reconhece de imediato quando está sendo enganado, atira com a sua espingarda e despedaça um sujeito. Apanha a coisa imediatamente, e a sua atitude é muito eficiente. Quando Wayne diz a seu prisioneiro: “Se houver algum problema, você vai levar um tiro acidental”, Brennan ri e acrescente: “Praticamente garanto isso”. Ele é muito mais perigoso do que seria se parecesse durão.
PB- De onde surgiu a idéia de Brennan fazer troça de Wayne, imitando-o ?
HH- Sempre os encarojo a fazer essas coisas. Ficamos mexendo nas cenas até que comecem a parecer boas, é tudo. Às vezes resultam em coisas estranhas.
PB- É interessante comparar a personagem de Angie Dickinson à de Grace Kelly em High noon. Ambas se envolvem com a violência, mas, no seu filme, Angie fica muito perturbada com o que está fazendo, ao passo que Kelly lida bem com aquilo, embora faça o papel de uma qualquer.
HH- Sei disso. Creio que o que fizemos era muito mais honesto. Grace Kelly levou aquilo como se fosse natural, ao passo que Angie Dickinson diz: “Atirei um vaso se flores pela janela, e três homens morreram”, e se embebeda por causa disso. Ela representou isso de forma meio engraçada.
PB- Ela e uma das melhores atrizes com que você trabalhou desde Bacall- fico surpreso de você nunca tê-la usado de novo.
HH- Ela tinha um contrato comigo. Um dia me procurou, querendo fazer um filme com Jean Negulesco. Perguntei: “Do que se trata ?”, e ela respondeu: “De um freira”. “Ah, maravilhoso ! Esse é exatamente o papel sexy que ficamos procurando todo esse tempo. Se há alguma coisa que interessa a todo mundo é um freira”. Mas ela queria fazer o papel, disso que era material para Oscar (Jessica, em português o título ficou A greve do sexo, 1962). Bem, o resultado foi simplesmente uma porcaria. Ela passou de um filme ruim a outro. Uma pena.
Repare que as maiores estrelas do cinema foram feitas numa época em que não tinham coisa alguma a dizer a respeito dos papéis que faziam. Por exemplo, na MGM nunca se jogava um ator num filme por simples conveniência; só recebiam papéis que combinavam com eles. Se o filme não resultava direito, acrescentavam-se cenas até que se tornasse passável; eles desenvolveram o maior grupo de estrelas que jamais houve no negócio do cinema. Mas as estrelas começaram a mimar a si próprias, escolhendo os papéis. Clark Gable e Claudette Colbert não queriam fazer It happened one night (Aconteceu naquela noite, 1954 de Frank Capra) de jeito nenhum, e ambos ganharam prêmios da Academia por esse filme. Cary Grant não ia fazer Bringing up baby. John Wayne nunca acreditou em nenhuma das histórias que fiz com ele.
PB- Nem mesmo Red river ?
HH- Não! Quando o procurei, ele achou que a história não prestava- só gostou de ter arranjado trabalho. Creio que a maioria dos atores não sabe. Os que tem mais sucesso trabalham com empresários com alguma capacidade de julgamento. Um bom empresário sempre é capaz de descobrir se o filme vai ser razoavelmente bom- conhece o retrospecto do diretor e do roteirista e sabe quanto dinheiro vai ser gasto no filme. Consegue avaliar bastante bem se o filme vai prestar. Mas Angie é só um exemplo gritante, há muitos outros. Por outro lado, Grace Kelly se recusava a fazer filmes pequenos. Eles sabiam que ela tinha dinheiro e não precisava de recuperar com isso, de modo que tinham de lhe fazer mesuras.
PB- Ela teve uma carreira bastante boa até dessistir.
HH- E ela não era excepcional. A sua carreira foi boa porque ela só fez bons filmes.
PB- Como foi que você decidiu usar Ricky Nelson ?
HH- Vi Ricky Nelson em diversos programas de televisão, e pedi a seu pai que me enviasse as últimas coisas que ele havia feito. Gostei e lhe mandei a cópia do roteiro. O pai respondeu que ele tinha gostado do roteiro, e fim. Nós o incluímos no filme.
PB- Você fez com que ele adotasse o mesmo maneirismo de esfregar o nariz com o dedo indicador que Clif havia usado em Red river.
HH- Fizemos tudo para ajuda-lo. Durante dois ou três dias, cheguei a filmar cenas de que não precisávamos.
PB- Só para deixa-lo relaxado ?
HH- Sim. E, dentro de alguns poucos dias, julguei que ele estava indo bem. Imagino que a sua presença trouxe cerca de 1,5 milhão de dólares a mais para a receita do filme. No Japão, os anúncios do filme traziam a foto de Ricky Nelson no meio, com Wayne e Martin, menores, dos dois lados. Calhou de nós o termos aproveitado quando estava no ápice de sua popularidade. Quando fomos a uma tourada em Tucson, durante as filmagens, as pessoas prestavam muita pouca atenção a Wayne- só ficavam olhando para Ricky Nelson. Creio que ele é uma boa pessoa.
PB- Não é exatamente um Montgmery Clift, mas...
HH- Ah, meu Deus, não, mas atores como Monty não se encontram em qualquer esquina.
PB- Alguns críticos consideram muito “comercial” dar aos dois cantores presentes no filme a oportunidade de cantar. No entanto, em diversos filmes de aventuras (Only angels have wings, To have and have not, Hatari!) você incluiu seqüências musicais realizadas por atores que não eram cantores, de modo que imagino que fazer aquilo foi muito natural para você.
HH- Sei que alguns críticos disseram isso. Respondo apenas que gosto desse tipo de coisa e que pretendo continuar a fazer isso. É tudo. Creio que a cena resultante é boa. Acho que as pessoas gostam, e, afinal, o que fazemos é entretenimento- é melhor fazer do que não fazer. Divertiu-me, e se, me diverte, geralmente diverte outras pessoas. É isso. Não presto muita atenção a críticos.
PB- A canção de Martin canta na cadeira não é feita sobre o tema musical de Red river ?
HH- A música tinha sido escrita ás pressas por Dimitri Tiomkin para ser usada em Red river. Ela não ficou pronta a tempo de irmos para a locação, então, tivemos de usar outra cançãozinha de caubói naquele filme. Informei que usaríamos pedaços dela e a guardaria para uma futura. Lembramo-nos disso, mudamos a letra e a usamos em Rio Bravo. Uma bela canção. Fez muito sucesso na Europa; ele ganhou um dinheirão com ela.
PB- Não foi Tiomkin que compôs a música que as personagens dizem que o Exército mexicano cantava enquanto mantinham o álamo sob cerco ?
HH- Sim. Ouvi o que eles realmente tocavam e disse a Dimi: “Com certeza você é capaz de escrever algo melhor do que isso”. Foi o que ele fez.
PB- Creio que Wayne usou o tema quando dirigiu The Álamo (Álamo, 1960) ?
HH- Sim. Lembro-me que ele me disse, rindo: “Seu filh da mãe- tive de comprar aquilo de Dimi”.
PB- Hatari! foi principalmente improvisado durante as filmagens ?
HH- Bem, não se pode ficar sentando num escritório e escrever o que um rinoceronte vai fazer. Do momento em que víamos um deles até o instante em que o capturávamos ou ele nos escapava, na se passavam mais do que quatro minutos. Assim, tínhamos de montar cenas numa pressa dos diabos. A história estava delineada quando começamos, mas era impossível escrever aquelas cenas. Tivemos sorte de capturar todo tipo de animal africano- tudo o que queríamos. Geralmente, tem-se sorte quando se consegue um terço do que se deseja.
Antes de começarmos a filmar, tive a idéia de capturar mil macacos reunidos numa árvore. Cientistas ingleses tinham desenvolvido um novo método de capturar pequenos animais. Eu os vi usar um foguete para estender uma grande rede por sobre um lago cheio de patos, prender um anel nas suas patas e soltá-los. Faziam isso para acompanhar os seus hábitos migratórios. Imaginei que seria muito engraçado usar um foguete para lançar uma rede por sobre uma árvore repleta de macacos. Perguntei ao sujeito dos efeitos especiais (Richard Parker) se ele era capaz de fazer aquilo. Ele perguntou: “Você está falando sério ?”. “Sim”, respondi. Aí ele gastou 40 mil dólares tentando diferentes maneiras de fazer uma rede cobrir uma árvore com mil macacos. Quando chegou o momento de filmar, ele estava uma pilha de nervos.
PB- É por isso que a personagem de Red Buttons fica tão nervosa no filme ?
HH- Ouça, o sujeito que realmente teve de fazer o trabalho estava muito mais nervoso do que Red Buttons parecia estar. Ele adiava a filmagem à menor sugestão de uma brisa- ele não queria que houvesse nenhum vento-, isso durou cinco dias. Tivemos de afastar as pessoas trezentos metros e coloca-las atrás de barricadas, porque não sabíamos onde o foguete cairia. Na verdade, nenhum de nós acreditava que a coisa ia funcionar. Mas funcionou maravilhosamente bem, e logo da primeira vez. Ele era a pessoa certa para fazer o serviço. O foguete passou diretamente por cima da árvore e caiu com havíamos previsto.
PB- Como se desenvolveu a história de fazer com que Buttons pedisse várias vezes a Wayne que descrevesse a captura dos macacos ?
HH- Você já leu Of mice anda men (de John Steinbeck) ?
PB- Você se refere a aquela história de Lennie pedir várias vezes a George lhe contasse a respeito dos coelhos ?
HH- Sim. Levei um exemplar do livro e dei a Red que o lesse; escrevi algumas falas e lhe disse: “Vá em frente e faça”. Saiu certo na primeira tomada.
PB- Você usou dubles nas cenas de captura de animais ?
HH- Ah, não, não houve nenhum dublê- quem capturou os animais foram os atores. Perseguimos dezesseis rinocerontes e capturamos quatro com laços. Há muita excitação quando se captura um desses bichos. Eles também capturaram diversos animais que não aparecem no filme. Eu rodei o suficiente para mais uma hora de filme. Nos divertimos muito.
PB- Há uma cena em que o rinoceronte foge, e você o capturam de novo. Aquilo aconteceu mesmo ?
HH- Sim. Ele fugiu, e eu disse: “Isto é bom demais. Deixe-o fugir e depois o capturamos de novo”.
PB- Você contou com a ajuda de um consultor técnico ?
HH- Havia dúzia deles.
PB- Mas só um é creditado no filme.
HH- Willy DeBeer. Aquele velhote é quem mais entende de capturar animais na África.
PB- A captura do leopardo parece tão fácil.
HH- Bem, é uma armadilha. Monta-se uma jaula, prende-se uma isca, o leopardo chega, dispara o mecanismo e a jaula se fecha sobre ele. Basta voltar de manhã e pega-lo. Era exatamente jeito de fazer. No filme não usamos as capturas de elefantes, porque o público passa a gostar tantos dos bebês elefantes que seria uma pena mostrar aquilo.
PB- Você filmou pessoalmente todas as capturas ?
HH- Paul Helmick filmou algumas das capturas secundárias, mas eu fiz todas as que mostravam Wayne e os atores principais. Helmick fez as outras tomadas- como a corrida em meio á manada de girafas, as tomadas laterais, as panorâmicas, coisas assim.
PB- Nos seus filmes, é freqüente que haja intercâmbio entre comédia e tragédia.
HH- Desde que se parte de uma base sólida, pode-se fazer graça se que haja um enredo cômico. Geralmente começamos de modo sério, só para interessar as pessoas e ver para onde a história se encaminha. Depois, pode-se começar a fazer graça com as personagens. Hatari! começa quase como uma tragédia- só depois que descobrem que o sujeito vai sobreviver e todos ficam bêbados é que começa a ficar engaçado. Dessa forma, a comédia vai tomando as pessoas- ninguém diz ao público que ele deve rir. E quanto mais perigo há, quanto mais excitação, mais fácil é conseguir uma risada.
PB- Você gosta mais de fazer filmes com bastante comicidade do que tragédias ?
HH- Conte-me sobre algumas situações dramáticas novas e terei todo o prazer em realiza-las.
PB- Bem, Hatari! é bastante dramático.
HH- Não, refiro-me a dramas à antiga. As pessoas já viram isso. É preciso realiza-los de alguma forma diferente, pois do contrário vai fazer o público assistir à mesma coisa de sempre. Mas sabemos que o público nunca assistiu à captura de um rinoceronte. Aquilo era novidade. É claro que, originalmente, tínhamos uma história realmente boa. Hatari! poderia ter sido muito melhor se eu tivesse podido contar com dois protagonistas.
PB- Você quer dizer alguém contracenasse com Wayne.
HH- Sim. Em certa época, quem iria trabalhar no filme era Gable. Tivemos de reescrever toda a história no momento em que soubemos que não poderíamos trabalhar com dois protagonistas. Era para ser dois sujeitos- dois amigos- que participam daqueles capturas de animais, e ambos vão atrás da mesma garota. E não apenas de uma, mas de uma porção de mulheres. Pode-se imaginar o que era. Mas a Paramount não queria pagar por um segundo protagonista, e, assim me encalaracrei. Não se pode simplesmente sair à rua e encontrar alguém forte o suficiente para encarar Wayne, então terminei com um rapaz francês e outro alemão, atores perfeitamente bons, mas não podiam competir com Wayne.
PB- Você reescreveu a história ?
HH- Sim- completamente.
PB- Então você de fato não ficou contente com o filme ?
HH- Não havia nada que eu pudesse fazer a respeito. Gable queria trabalhar no filme, mas quando ele morreu (em novembro de 1960), a Paramount se amedontrou e não quis pagar outro protagonista. Lembre-se de que as estrelas estavam ganhando rios de dinheiro, e um segundo protagonista aumentaria em um milhão de dólares o orçamento do filme.
PB- Ninguém conseguiu pensar em outro astro que valesse um milhão de dólares ?
HH- Eles só não queriam gastar o dinheiro- tinham ordens de não gastar mais dinheiro.
PB- Bocê pensou em alguém, além de Gable, que pudesse ter sido chamado ?
HH- Ah, claro, certamente arranjaríamos alguém. Mas eles só disseram que não gastariam dinheiro de um segundo protagonista. Creio que a história tinha alguns pontos fracos, mas era divertida, e o filme acabou saindo direito; no entanto, acho que poderíamos ter feito um filmaço. Wayne precisa trabalhar com alguém bom, fiz um bom filme. Eu sei, melhor do que qualquer um, que Wayne não consegue fazer cenas com pessoas comuns- isso não funciona, porque elas não agüentam.
PB- É pena que você não tenha realizado um filme estrelado por Gable.
HH- Sim. Éramos bons amigos. Lembro-me de ter apresentado Gable e William Faulkner um a outro. Íamos caçar. Eles não se conheciam, e eu não contei a nenhum dos dois quem era o outro. Estávamos conversando e, não sei por que, a conversa passou para o assunto de escritores e Gable perguntou: “Quais são os melhores escritores do mundo na sua opinião ?”. E Faulkner disse: “Willa Cather, Ernest Hemingway, John Dos Passos, Thomas Mann e eu”. E Gable perguntou: “Ah, o senhor escreve, sr. Faulkner ?”. E Bill disse: “Sim. E o senhor, sr. Gable, trabalha com o quê ?”.
PB- Qual é a sua opinião sobre o resultado de Man´s favourite sport (1964) ?
HH- Foi escrito para Cary Grant, e era difícil para qualquer outra pessoa fazer o papel. Mas lhe digo que tínhamos um filme bastante bom, até a Paramount o estragou ao remontá-lo. Sempre houve um aspecto na indústria do cinema- não sei se você já enfrentou isso: as pessoas que entram com o dinheiro se reservam o direito de montar o filme. Com isso, são capazes de se encrencar bastante. Eles queriam cortar Giant (Assim caminha a humanidade, 1956), mas George Stevens não os deixou fazer isso. Ele tinha razão. Depois, ele fez um filme chamado The diary of Anne Frank (O diário de Anne Frank, 1959), eles queriam corta-lo, Stevens não deixou, e essa vez quem errou foi ele. O que se pode fazer ? Eles têm muito a fazer.
O estúdio ficou maravilhado com o teste de público de Man´s favourite sport?, mesmo considerando que Rock Hudson não era comediante. Eles disseram: “Este filme, é de longe, o que teve a melhor receptividade da história da Universal”. Obviamente, imaginei que ele seria distribuído daquele jeito. Mas os três dias depois os gênios entraram em ação e disseram: “Seria melhor se você cortasse um pouco do filme”. Respondi: “Bem, não saberia bem o que cortar, do contrário, já o teria feito. Mas aceito sugestões”. Com isso, o advogado e o chefe da companhia foram ao sujeito que encabeçava o departamento de montagem- já fazia vine anos desde a última vez que ele tinha montado pessoalmente um filme e disseram: “Queremos sugestões”. O pobre coitado teve de escrever tudo e, quando me deram para ler, perguntei: “Digam-me, esta é a lista das coisas que vocês querem manter ou que querem cortar ?”. “Bem, cortar”. Então eu disse: “Não, esta é a lista das coisas que devem ficar”. Eles foram checar e descobriram que, realmente, era a lista do que deveria permanecer.
Eles acabaram praticamente realizando a tarefa de cortar vinte minutos do filme. Quando fizeram um novo teste de público, as opiniões na foram tão boas. Da primeira vez, ninguém tinha saído no meio do filme; da segunda, dez ou doze pessoas saíram e duas ou três disseram que o filme era lento; ao passo que da primeira vez ninguém tinha feito isso. Então, eles cortaram mais vinte minutos e lançaram o filme. Um dia encontrei o sujeito que tinha feito os cortes; ele estava junto com um executivo do estúdio, e disseram: “Conseguimos estragar o seu filme não é verdade ?”. E eu disse: “Certamente”.
Encurtar uma comédia pode arruína-la Caso se retire uma cena que tinha sido inserido pra tornar a cena seguinte engraçada, o resultado ´que a graça se perde. De repente, o filme fica lento. Todas as “escadas” que haviam em Mans favourite sport? foram cortadas. Simplesmente cortaram direto para as cenas que tinham produzido risos. Bem, com isso, jogaram fora as risadas.
PB- Na verdade, Hudson não era apropriado para o papel.
HH- Não, mas seria injusto dizer que a culpa foi dele. A julgar pela receptividade que o filme obteve no primeiro teste de público- e não há motivos daquele resultado-, tínhamos uma boa película. A Universal interferiu e a estragou. Mas só se bate nesse tipo de gente de vez em quando: afora esse filme e The big sky, nunca tive problemas com cortes. No geral, ocorreu ao contrário. Em Sargeant York, eu não tinha sequer terminado de fazer os cortes que queria, quando Warner assistiu ao filme e ordenou: “Pode mandar copiar- não vamos mexer com isto”. Já um filme como Scarface não foi submetido a teste. Eu insistia na necessidade de testar comédias, mas nunca me importei em fazer o mesmo com filmes dramáticos; quando termino, é daquele jeito que quero que seja distribuído. Já com uma comédia, seria loucura não testá-la, porque pequenas mudanças na montagem podem fazer com que uma coisa resulte engraçada ou não, ou uma gargalhada da platéia pode se estender para algo que vem em seguida. Apesar disso, nunca causou mal nenhum uma risada se superpor a alguma coisa- o resultado também é bom.
PB- Não esperar que os risos acabem ?
Isso. Se não fosse por uma cláusula contratual, eu teria enfrentado muitos problemas com I was a male war bride, porque, quando Zanuck assistiu ao filme, ele chamou-me e disse: “Bem, Howard, a culpa não é sua- todos os problemas você enfrentou. O filme não é grande coisa”. E continuou: “O melhor a fazer é reduzir bastante a sua duração e distribuí-lo”. Eu respondi: “Não, primeiro vamos testá-lo”. “Ah, não”, disse ele. “Bem”, respondi “está no meu contrato”. E ele: “Se você insiste...”. “Sim, eu insisto”. Bem, nenhum dos méis filmes teve um teste tão bom. Aí perguntei a Zanuck: “O que você pretende cortar ?”. “Nada. Mande fazer as cópias”. “Não”, respondi, “vou cortar cerca de oito metros do filme”. Ele perguntou: “Onde ?”, e eu respondi: “Você não sabe montar uma comédia- por que eu deveria ficar falando com você ?”. Cortei e não lhe disse o que tinha cortado. Ele assistiu ao filme outra vez, só para ver, mas não creio que pudesse dizer onde eu tinha feito os cortes.
Algumas vezes inverti seqüências de filmes e isso os ajudou. Sou bom montador, porque sou completamente impiedoso com as minhas próprias coisas, por outro lado, sei que, se certas coisas forem eliminadas, alguns valores se perdem. Em Rio Bravo havia uma seqüência ótima, que cortei porque duas ou três pessoas eram mortas. Era uma dessas cenas em que os caras do bem caminhavam rua abaixo em patrulha, alguns homens viravam uma esquina e uma luta começava; o guri se atirava no meio da rua e os cavalos saltavam sobre ele. Cortei toda a seqüência, porque me dei conta de que nenhum dos caras do bem se feria, e eles estavam matando uma quantidade exagerada de caras do mal. O estúdio ficou furioso. Mais tarde, fiz de novo a seqüência em El Dorado, e funcionou bem.
PB- Você se refere à cena e que James Caan salta para o meio da rua ?
HH- Sim. No outro filme, quem fazia isso era Ricky Nelson. Aquilo se faz com um truque de divisão de imagem. Disse ao cameraman: “Foi assim que fizemos antes, e funcionou, de modo que vamos repetir”.
PB- Originalmente El Dorado era para ser algo como uma tragédia grega.
HH- Sim, o livro era isso; já tínhamos o roteiro completo. Era uma boa história, muito trágica. Não me lembro muito bem, exceto quando áquele pistoleiro famoso voltar para a cidade e descobrir que a sua garota tinha se transformado numa prostituta local. Ele saí, deixa a moça e tem um ataque cardíaco. Todo mundo morre. Li a história e disse a Leigh Brackett: “Se fizermos isto cairemos no otracismo”. “OK”, disse ela, “o que vamos manter ?” Lembro-me de que mantivemos uma coisa: Wayne atira na barriga do rapaz. Transformamos o ataque cardíaco numa bala alojada nas costas de Wayne, que de vez em quando o paralisava. Mudamos bastante a coisa toda.
PB- O que o interessou em especial ?
HH- Como de hábito, creio que o relacionamento entre os dois homens.
PB- É muito parecido com o relacionamento que você retratou em Rio Bravo.
HH- Quase a mesma coisa- quando uma coisa funciona, não faz mal repetir.
PB- Mas neste caso a história do bêbado foi feita mais como comédia.
HH- O que se pode fazer ? Da primeira vez fizemos de um jeito, e tínhamos de mudar- de modo que só nos divertimos.
PB- A personagem de Caan era nova pra você- ele era quase um amador.
HH- Não estou certo de que fosse novo, mas na TV se vêem tantos desses guris capazes de fazer qualquer coisa que imaginei que seria interessante usar alguém que parecesse desajeitado. No filme, ficou bastante divertido quando Wayne tenta ensina-lo a atirar, pos ele não tinha muito jeito para aquilo. É claro que na era tão amador assim- funcionava muito bem com aquela faca. Quando descobre que não é capaz de manejar o revólver, Wayne lhe arranja uma espingarda serrada, e ele se sai bem com aquilo.
PB- Sim, mas quando Wayne tenta ensiná-lo a atirar desiste bem depressa. Você acredita que as pessoas ou tem talento ou não têm ?
HH- Ah, claro. Em cinco minutos é possível dizer se elas prestam ou não.
PB- Como foi que você o fez recitar o poema “Eldorado” de Edgar Allan Poe ?
HH- Creio que porque eu conhecia um jóquei mexicano que montava cavalos quarto de milha e costumava recitar o poema. A idéia comum a respeito de Eldorado é a de um pote de ouro no fim do arco-íris. Mas, na verdade, cada pessoa tem uma noção diferente acerca do que há no fim do arco-íris. E Jimmy Caan fez aquilo ficar muito simpático- algo que valeu a pena usar.
PB- Quais foram os diretores de que você mais gostou ao longo dos anos ?
HH- Ah, no início creio que Lubisch- eu achava os seus filmes formidáveis- e tinha também grande admiração por Leo McCarey. Gostava das coisas de Capra e de Keaton. Sempre gostei especialmente de Ford. É difícil dizer, houve tantas mudanças. Creio que Vom Sternberg fez um bom trabalho; ele deu caráter aos seus filmes. Gostava de quase todo mundo que me fazia perceber quem diabos estava fazendo o filme. Não gostava dos diretores cujos filmes eram preparados, e eles apenas eram executantes, não acrescentando nenhuma individualidade. Porque o diretor é quem conta a história, e deve ter o seu próprio método de contá-la.
PB- E quanto a Hitchcock ?
HH- Creio que ele era muito bom no tipo de coisa que fazia. É claro que você está falando de pessoas muito individuais. Outros diretores fizeram filmes perfeitamente bons- como Mike Curtiz, que não impunha a sua marca aos filmes que fazia.
PB- Então a sua definição de um bom diretor...
HH- É um bom contador de histórias e um sujeito que sabe escolher as histórias que conta.Geralmente, Jack Bennu não contava histórias típicas de Bob Hope; cada qual tinha o seu método de contar uma história. Gradualmente, você descobre que certas coisas funcionam e passa a usa-las; com isso se firma com um estilo e uma marca, e as pessoas passam a ser capazes de dizer como os seus filmes são.
PB- Você já pensou no cinema como arte ?
HH- Não.
PB- O que é o cinema para você ?
HH- Um negócio. Um divertimento.
PB- Quais dos seus filmes foram, comercialmente, os de maior sucesso ?
HH- Não sei dizer. Atravessei um período de elevação continua dos preços dos ingressos. Se Sargeant York fosse realizado hoje, faria uma montanha de dinheiro.
PB- Você se refere à diferença entre o preço do ingresso,d de um dólar, naquela época, contra três ou quatro dólares hoje ?
HH- Ah, com cinqüenta centavos se ia no cinema. Mas hoje, se o público gosta de um filme, vai assisti-lo às multidões, e um filme impopular não consegue nada. Naquele tempo, mesmo um filme assim ganharia algum dinheiro.
PB- Quando foi que você começou a ter participação nos filmes que fazia ?
HH- Mais ou menos na época em que passei a trabalhar na Columbia (1931). Comecei com cerca de dez ou quinze por cento. A partir daí, á medida que os meus filmes começaram a ganhar dinheiro, eu fui ficando cada vez com mais. Creio que no primeiro filme de Bogart e Bacall a minha participação foi de quarenta por cento, depois cinqüenta.
PB- Então, você deve saber quais dos seus filmes tiveram maior sucesso; com qual você acha que ganhou mais dinheiro ?
HH- Creio que com Rio Bravo.
PB- Uma bilheteria de 1 ou 2 milhões de dólares significa uma montanha de dinheiro.
HH- Nunca pensei que faria um filme que atingisse a bilheteria de 1 milhão. Mas, na época, fazíamos filmes que custavam 35 ou 40 mil dólares. É por isso que digo que um filme conseguia ter os custos cobertos com a bilheteria de uma única cena. É verdade.
PB- Se você tivesse de listar os seus filmes preferidos, quais escolheria ?
HH- Creio que Scarface é o meu favorito, porque não tivemos a ajuda de ninguém- tínhamos sido excluídos. Não podíamos entrar em nenhum estúdio, por isso abrimos o nosso próprio. Não conseguíamos pegar ninguém de empréstimo- tivemos de encontrar atores por nós mesmos. Alguns usaram pseudônimos, para não serem incluídos nas listas negras dos estúdios, porque na época eles não queriam saber de filmes independentes. Aquele filme foi realizado com as maiores dificuldades; foi um trabalho difícil, mas mesmo assim fizemos um bom filme. Gostei também de Red river. Foi divertido fazer Rio Bravo. E Bringing up baby. Gosto das comédias- gosto de ouvir as pessoas rirem, que é quando sei que apreciaram o filme.
PB- Você acredita que o profissional- o tipo de pessoa com quem você mais lidou- se interessa mais em fazer o seu trabalho direito do que em qualquer outra coisa que possa ganhar com isso ?
HH- Sim, acredito nisso. Há certo orgulho nas pessoas que são boas no que fazem- um piloto de corrida, um piloto de avião, um jogador de beisebol, um jogador de hóquei, coisas assim-, o principal é fazer bem trabalho. Eles se esquecem de todo o resto para fazer aquilo direito, é o trabalho deles; espera-se que façam assim. Veja uma equipe de acrobacias aéreas- se um deles não é bom, todos ficam encrencados. Se alguém se apavora capturando animais, isso pode causar problemas para todo mundo. A sua sobrevivência depende da habilidade de outras pessoas, e assim eles não podem depender de gente que não é boa o suficiente.
Tenho uma fita- um registro completo- da conversa entre as tripulações britânicas que bombardearam três represar na Alemanha e, com isso, mudaram o curso da guerra. Quem me enviou foi Churchill. Eles atingiram o local de manhãzinha, e o líder disse: “Fiquem por perto que eu vou fazer uma passagem e verificar se há cabos estendidos”. Um dos outros diz: “Pago-lhe uma cerveja quando você voltar”. Depois o sujeito diz: “Não há cabos, vocês podem ir”. O outro diz: “Vou me deslocar um pouco para o lado e um pouco mais à frente, e talvez consiga atrair fogo deles”. Mais tarde, descobri que eles só conseguiram fazer passar metade dos pilotos- o primeiro, o terceiro, o quinto-, pois os outros- segundo, quarto e sexto- foram abatidos. Eu ia filmar isso. E aqueles garotos- o mais velho tinha 21 anos de idade, mas na verdade tinha cinqüenta ou sessenta em matéria de treinamento e profissionalismo. É essa a sua atitude. Não se trata de algo que eu tenha inventado; é só algo que testemunhei e que me interessou, e por isso usei.
PB- Os homens dos seus filmes nunca reclamam das circunstâncias perigosas que cercam a existência deles.
HH- Ah, ás vezes. Em Rio Bravo, Dean Martin admite mortalmente assustado- possivelmente porque imagina que, por ter sido bêbado, pode não ser bom o suficiente para cumprir o trabalho -, mas ele logo supera isso. Perceba, eles sabem que não se ganha nada com isso. É parte do jogo. Eles sobem em aviões e os testam; entram em carros e os testam. E, por terem sido escolados no Exército, aceitam ordens, quaisquer que sejam elas. É isso o que faz um exército funcionar. Mas é apenas a aceitação calma de um fato. Em Only angels have wings, depois que Joe morre, Cary Grant diz: “Ele não era bom o suficiente”. Bem, é a única coisa que permite às pessoas prosseguirem. Eles tem de dizer: “Joe não era bom o suficiente, sou melhor do que Joe, de modo que vou em frente e vou faze-lo”. E depois descobrem que não são melhores que Joe, mas aí já é tarde demais.



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