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Dossiê Howard Hawks

Onde Começa o Inferno
Direção: Howard Hawks
Rio Bravo, EUA, 1959

Por Antônio Moniz Viana

Quatro anos separam Rio Bravo do filme que o precede cronologicamente na obra de Howard Hawks, Land of Pharaos (Terra dos Faraós). Um dos maiores diretores americanos ficou inativo quatro anos. Isto é Hollywood, pode-se dizer, ao mesmo tempo em que, diante de Rio Bravo, se tem a rara ocasião de dizer: isto é cinema. Não convém especular sobre o problema, no momento; basta salientar que, nos quatro anos de silêncio de Hawks, um qualquer Mart Ritt fez seis ou sete fitas com facilidade e conforto, ou melhor, seis ou sete vezes exibiu submissão e incompetência, candidatando-se assim a longa e próspera carreira na “indústria”. Isto é Hollywood, não há dúvida - e não é cinema.

A rentrée de Howard Hawks é mais uma evidência de que o verdadeiro cinema está na mão dos veteranos. Só três cineastas seriam capazes de realizar um filme como este - só John Ford, William A. Wellman e Howard Hawks, os três que continuam, lutadores indomáveis há mais de trinta anos. O western, por exemplo, e o western é o cinema (americano) por excelência -, é deles ou de seus discípulos como Anthony Mann e Budd Boetticher, ou ainda dos que os seguem eventualmente (John Sturges, Delmer Daves). Os westerns de Ford e Hawks, mais que os de Wellman, tem com freqüência a mesma gente. O herói máximo dessa mitologia, em Stagecoach (No Tempo das Diligências) e The Searchers (Rastros de Ódio) ou em Red River (Rio Vermelho) e Rio Bravo, é John Wayne, um dos poucos atores verdadeiramente grandes do cinema contemporâneo.

Rio Bravo já foi o título brasileiro de um western de Ford (não um dos maiores), que no original era Rio Grande. Era outro filme, tendo como herói de outra história o mesmo John Wayne, herói do Rio Bravo de Hawks e de hoje. Não se confundam as coisas - mas, se há um diretor que ás vezes pode ser confundido no Velho Oeste com Ford, é Hawks, esse diretor. Entre o velho Rio Grande e o novo Rio Bravo, as vantagens estão com o último, que é, aliás o melhor western desde The Searchers.

Para realizar Rio Bravo, teve Howard Hawks de organizar sua unidade produtora, a Armada e pôde em conseqüência agir como bem entendida. Cercou-se de velhos companheiros de outras lutas: o cenarista Jules Furthman (seu colaborador em várias fitas como Come and Get It (Meu Filho É Meu Rival), Only Angels Have Wings (Paraíso Infernal), To Have or Have Not (Uma Aventura Na Martinica), The Big Sleep (À Beira do Abismo)) e o fotógrafo Russell Harlan. Entre os atores, também velhos amigos seus (Walter Brennan, John Wayne) ou amigos de Wayne (Gonzales-Gonzales) - formando-se no elenco um pequeno núcleo fordiano, constituído por Wayne, Ward Bond, John Rusell, Harry Carey Jr. Ainda segundo seus hábitos, Hawks deu a Dean Martin uma oportunidade semelhante á que oferecera em Red River (Rio Vermelho) a Montgomery Clift e a Dewey Martin em The Big Sky (Rio da Aventura). E metamorfoseou um jovem cantor de rock-´n´-roll, Ricky Nelson, em um pistoleiro meio no formato de Billy the Kid; com isto, faz o diretor a ligação entre os tempos do Wild West e o mundo (civilizado) atual, através do fenômeno comum, sempre americano (de onde se propaga também pelo cinema), da “juventude transviada”. Essa ligação havia sido tentada, infrutiferamente, com uso de Elvis Presley em Love Me Tender (Ama-me Com Turnura) de Robert D. Webb, e onde o ás do R&R surgiu como um dos notórios irmãos Reno- mas o requebrado era outro, naturalmente; e foram outros, também, em ritmo Actor´s Studio, os requebros de Paul Newman em The Left Handed Gun (Um de Nós Morrerá). Com um diretor de pulso firme, Ricky Nelson realmente se transfigura, lembrando por vezes o estilo de Audie Murphy. Por fim, no que se refere ao elenco, Hawks, o inventor de várias estrelas de estranho fascínio (Ella Raines, Lauren Bacall, Elizabeth “Coyote” Threatt), agora dá oportunidade à talentosa beleza de Angie Dickinson, até então mais ou menos despercebida.

E todo o elenco funciona admiravelmente, é claro, tendo atrás de um grande diretor, e no meio deles, Wayne, o grande líder. Há quem diga ainda que só Ford faz de Wayne um artista; quem afirma isso certamente não se lembra do Wayne de Red River - ou ainda não o viu em Rio Bravo, onde o ator atinge outro de seus clímaces. Na história do western, são poucos xerifes tão extraordinários como o deste filme, mas não porque Wayne, aqui, seja mais heróico ou mais metreiro, nem porque tenha medo como Gary Cooper em High Noon (Matar ou Morrer). Nada disso: o xerife de Rio Bravo tem as linhas mais retas e graves da tradição - não difere substancialmente de Wyatt Earp, o modelo clássico, nem o imita; extrai das reações mais permanentes e universais a sua personalidade própria. Inabalável, irremovível da posição tomada do princípio, que defenderá mesmo depois de esgotar todas as suas astúcias, esse xerife é personagem de tragédia, gênero que a roupagem do Oeste está com freqüência revestido - é um herói trágico, vença ou não, morra ou viva, e sem ter alterada essa condição mesmo no happy ending ruidoso e bem-humorado que Howard Hawks arranja para Rio Bravo repetindo o que há fizera em Red River. Estes dois filmes, embora diferentes nas situações e narrativa, têm a mesma linha, a linha mestra de um estilo. E o xerife de Rio Bravo poderá ser visto como o criador de gado que atravessou o Red River, inabalável e invencível; se aquele John Wayne, cumprida aquela tarefa, resolvesse fixar-se na cidade texana de Rio Bravo, certamente agiria como o John Wayne que vemos aqui tendo no peito a estrela de lata de xerife.

**Crítica retirada de:
Um Filme por Dia - Crítica de Choque - (1946-73), editora Cia. das Letras.



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