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Dossiê Howard Hawks

Os Homens Preferem as Loiras
Direção: Howard Hawks
Gentleman Prefer Blondes, EUA, 1953.

Por Daniel Salomão Roque

Não é exagero algum atribuir a Howard Hawks a pecha de cineasta mais versátil de todos os tempos. Os títulos que compõem sua filmografia variam do western ("El Dorado", "Rio Bravo") às chamadas screwball comedies ("Levada da Breca", "Jejum de Amor"), passando pelo noir ("À Beira do Abismo"), a aventura exótica ("Hatari!"), dramas criminais ("Scarface - A Vergonha de uma Nação", "O Código Penal") e as cine-biografias dos heróis de guerra ("Sargento York"). Contudo, mais impressionante que a flexibilidade e abrangência pelas quais o diretor se tornou conhecido, é constatar que todos esses filmes são considerados itens básicos dos gêneros aos quais pertencem, aparecendo sempre no topo das listas de "melhores já feitos". Logo, não é de se estranhar que ao se embrenhar nos musicais, muito populares nos tempos áureos de Hollywood, ele realizasse uma fita cultuadíssima: "Os Homens Preferem as Loiras".

Um dos três grandes pilares da carreira de Marilyn Monroe - os outros dois são "O Pecado Mora ao Lado" e "Quanto Mais Quente Melhor", ambos de Billy Wilder - este filme de 1953 faz parte do seleto grupo de obras que ultrapassaram as barreiras de seu meio e tornaram-se mitos: não é necessário se especializar em artes plásticas para ter gravado em mente o sorriso enigmático da Mona Lisa, tampouco ser autoridade em teatro para saber da trágica história de Romeu e Julieta; da mesma forma, até as pessoas que não entendem de cinema conhecem o provérbio-título ou já ouviram dizer que "os diamantes são os melhores amigos de uma garota", isso sem falar na clássica e libidinosa imagem de uma Marilyn trajando vestido cor-de-rosa e cercada por homens apaixonados.

A premissa de "Os Homens Preferem as Loiras" é muito simples, e talvez seja isso que faça o filme ser tão agradável. Lorelei (Marilyn Monroe) e Dorothy (Jane Russell) são dançarinas de um cabaré. Apesar da grande amizade entre as duas, elas possuem uma série de divergências no que se refere às relações amorosas - enquanto Dorothy sonha em encontrar alguém com quem se entenda e tenha afinidades, Lorelei não faz a mínima cerimônia de dizer que se interessa mesmo é pelo dinheiro dos seus pretendentes. Hawks, sempre sintético, já deixa tudo isso bem claro logo na cena inicial, quando somos testemunhas de uma conversa entre as protagonistas que, após uma apresentação, arrumam as coisas no camarim. Lorelei conta ter ficado extremamente feliz em ter visto o noivo na platéia do local, porque o sujeito aparentava ter nos bolsos "um volume quadrado, como se fosse a caixa de um anel". Inconformada, sua colega resmunga: "Só você é capaz de estar num palco com um refletor bem no meio dos olhos e ainda assim perceber algo no bolso de um homem". De fato, as suspeitas da loira estavam corretas; o rapaz não apenas lhe presenteou com uma jóia das mais luxuosas, como também tinha em mãos passagens para uma viagem de navio à Paris, entregues às duas moças que sequer suspeitavam estarem sendo vigiadas por um detetive. Daí em diante, os mais divertidos obstáculos surgem no caminho das mulheres.

As atuações do filme são bastante caricatas, mas não pense que isso chegue a ser defeito. Longe de banalizar ou tornar superficial as características psicológicas das personagens, a caricatura está acima de tudo a serviço da linguagem cinematográfica e do desenvolvimento da trama. No primeiro caso, o resultado é obtido através de alguns artifícios caros aos desenhos animados, tais como o uso com fins humorísticos da sonoplastia e da câmera em primeira pessoa, visíveis respectivamente na cena em que Lorelei beija o noivo no camarim e num outro momento em que ela, logo depois de descobrir que um senhor no navio era dono de uma mina de diamantes, passa a enxergar o rosto do mesmo como se este fosse uma imensa pedra desta jóia. Já no segundo, o exagero transforma-se numa útil ferramenta; como quase todas as piadas e situações cômicas do enredo se baseiam nos comportamentos contrastantes das duas, elevá-los à décima potência acaba sendo uma forma eficiente de deixar tudo mais engraçado e palatável. Nesse sentido, poucas escolhas poderiam ser mais bem sucedidas que Marilyn Monroe e Jane Russell encabeçando o elenco: duas das maiores pin-ups da década de 50, a simples presença física da dupla já contribui para os efeitos desejados, devido à eterna rivalidade entre loiras e morenas.

Embora seja enquadrado na categoria dos musicais, é válido lembrar que "Os Homens Preferem as Loiras" foge um pouco à regra do que se fazia dentro do gênero. Além de ser um dos filmes mais liberais de sua época, repleto de indiretas maliciosas (algumas nem tão indiretas assim) e um trecho de alto teor homoerótico (o dos nadadores olímpicos fazendo ginástica), seu andamento tende a agradar àqueles que normalmente não são muito pacientes com esse tipo de obra, pois a ação quase nunca é desencadeada pelas músicas. E estas - salvo algumas exceções, como a cena mais famosa de todas, onde Marilyn Monroe canta "Diamonds Are a Girl's Best Friend" - não são acentuadas por coreografias ostensivas nem maneirismos visuais. Exatamente por esses mesmos motivos, e também pela maneira esparsa (não confundir com inconsistente) como os números estão espalhados ao decorrer da narrativa, a película pode decepcionar os fãs mais ardorosos das produções estilo Arthur Freed/MGM. De uma forma ou de outra, é inquestionável que estamos diante não apenas de uma diversão de primeira linha, como também de um dos grandes clássicos do cinema americano.



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