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Coluna Estranho Encontro
CINEMA BRASILEIRO PELA ÓTICA FEMININA

Por Andrea Ormond

Rio Babilônia
Direção: Neville de Almeida
Brasil, 1982.

“Rio Babilônia” formou gerações e gerações de adolescentes em fúria, desde sua estréia em 1982. As reprises nas madrugadas de algumas redes de televisão eram comentadíssimas e, nos tempos pré-internet, o tráfico de informações a réu respeito era intenso. As atrizes, as cenas se quase pornô, o sol, a cocaína, o suor e a cerveja estão impregnados no filme, que apesar de cortes sorrateiros- para adocicar o sexo explícito- era assistido com louvor em casas de família.

Chama a atenção, antes de mais nada, a escolha de Joel Barcellos para galã atendendo pelo simpático nome de “Marciano”, profissional de uma agência de turismo, encarregado de assessorar alguns visitantes que chegam ao Rio. Um deles é o doutor Liberato (Jardel Filho), recém-chegado ao Brasil após muitos anos no Exterior. Cristiane Torloni é Vera Moreira, a “interpida-repórter-que-desmascara-poderosos” (sempre havia uma!) e investiga a denúncia de contrabando de ouro praticado pelas fazendas do doutor Liberato. Esse é o triângulo principal de Rio Babilônia, pelo menos no script, porque a ele se somarão dezenas de transeuntes, em cenas espetaculares.

A primeira leva é vista numa festa celebrada pela cafetina do high-society, Solange (Norma Benguell). Ali estão políticos (Sérgio Mamberti), senhores importantes e capangas de Liberato (um deles, Wilson Grey), anrigo conhecido da anfitriã. Contrata-os, para claro, dar fim a Vera que “excedeu-se” no trabalho detetivesco contrário aos empreendimentos do escroque. Jardel Filho, em seu último trabalho, nada lembra o tuberculoso de “Floradas na Serra” ou o poeta verborrágico de “Terra em Transe”. Em “Rio Babilônia” aparece de cuecas, calças pelos tornozelos, além de, próximo ao término do filme, protagonizar inacreditável cena de amor com um travesti- este em nu frontal.

A presença do nu em filmes brasileiros não é de se estranhar. Existem muitas formas de tratá-lo e fazê-lo repleto de importância, em expressões artísticas, que, evidentemente, não se restringem ao cinema. O problema é, que, ao mesmo tempo, o nu muitas vezes é a garantia de circo na vida do espectador. E latino-americanos são acostumados com tabus sobre a nudez masculina.

Pois em “Rio Babilônia” isto é esquecido. O exemplo mais célebre está no momento em que contracenam Denise Dummont, Pedrinho Aguinaga e Barcellos. Os zooms não deixam de que tudo foi levado, digamos, muito a sério. Confesso que temi pela integridade de Rocky- cãozinho da mansão de Dummont e Aguinaga- cogitando de o diretor Neville de Almeida, levar a ação até as últimas conseqüências.

Neville- pitorescamente grifado “Nevile” ou “Neville”, “de” ou “D`Almeida” nos créditos desatentos que abrem o filme que dirigiu, escreveu e produziu- é antigo conhecido de produções com forte apelo erótico. “A Dama do Lotação” e “Os Sete Gatinhos”, por exemplo, tornaram-se clássicos, além de ajudar a popularizar uma pequena parte da obra de Nelson Rodrigues. “Rio Babilônia” tem roteiro co-assinado por Ezequiel Neves- co-fundador da revista “Rolling Stone” brasileir- e João Carlos Rodrigues.

Dona Zica, viúva de Cartola, fez uma pequena participação como a mãe do traficante Sabará, a quem recorre Barcellos para comprar mil dólares em cocaína- vulgo “brilho” ou “realce”- pedidos pela atriz internacional que se engraça com o sambista (Antônio Pitanga), no mar de Copacabana. Vemos também o ex-dançarino do “Dzi Croquetes”, Paulette; o vocalista da Blitz, Evandro Mesquita; o lendário Maurício do Valle; a promoter Liége Monteiro.

O que me deixou um pouco surpresa foi a escolha de um final retumbante, exacerbado, em que a música de fundo destoa da narrativa. Há uma pretensão tola de atribuir a “Rio Babilônia” a qualidade magnus opus, de concerto no Convert Garden, quando na verdade ele é feito de incursões a favelas, gringos otários, passistas de escola de samba que transam na praia. Destoa e contradiz o filme. Argumentos cínicos não colam: “Rio Babilônia” é esfuziante do jeito que é, bem-humorado e elétrico conforme indica-se no título. Aliás sempre bom, relembrar o campy “Babilônia Rock”: “Você vai cair de Boca, enlouquecer, você tá marcando toca, vem me conhecer...Rio Babilônia uou uou uou”.

A badalação nas festas de “Rio Babilônia” é intensa; trocas de olhares breves, consumações longas. Favelas, lixo, city tour e algo próximo a uma crítica social. “Ninguém Segura a Juventude do Brasil” era o slogan cantado por Dom & Ravel, durante o regime militar. Passados alguns anos, elas estava turbinada, em sonhos megalomaníacos, consumindo doses e doses de uísque e pó, no satirismo próprio de uma cidade e de um cinema que não se levavam a sério, e por isso mesmo seduziam e encantavam tanto.



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