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Fofão e a Nave Sem Rumo

Por Filipe Chamy

Fofão e a Nave Sem Rumo
Direção: Adriano Stuart
Brasil, 1988.

Um crítico de boa vontade poderia discorrer acerca do conteúdo filosófico de “Fofão e a nave sem rumo”. Já em uma das primeiras cenas haveria farto material: com uma música tocante ao fundo, Fofão corre ludicamente por um descampado, empinando sua pipa favorita. Para infelicidade do bizarro extraterrestre, ele perde a pipa, que some nos ares. A cara de desconsolo que se segue é pungente — e não há dúvidas sobre a representação psicanalítica da cena: a pipa significa a infância de Fofão, que agora passa à maturidade. Seus dois amigos, Patrícia e Bruno, não entendem o drama vivido por Fofão, tampouco seu choque diante da cena; ao contrário, zombam de sua tristeza e falam que a pipa pode ser facilmente substituída por outra melhor. O motivo de eles menosprezarem a tragédia é simples: os dois são crianças. Ainda não perderam suas pipas na transição da jornada infantil para a adulta.

Lógico que isso é uma piada. Mais claro ainda é que qualquer conteúdo mais profundo do filme é meramente acidental. “Fofão e a nave sem rumo” é entretenimento do mais descompromissado e se orgulha disso. A história da pipa é o pretexto para os vilões enganarem Fofão e o convocarem a participar de uma aventura espacial ambientada numa nave desgovernada e rumo a um asteróide.

A história é a seguinte: após perder sua pipa e ficar muito triste, Fofão segue para sua casa em companhia de seus amigos. Lá, enquanto montam o novo papagaio, a TV começa a levitar e liga sozinha: aparece a pipa perdida de Fofão, e nela uma mensagem dos pais do alienígena, pedindo ajuda com a tal nave do título, muito importante para a defesa da Fofolândia, planeta natal do Fofão. Intrépido, Fofão segue para a aventura, com seus jovens parceiros (e Fofolo, amigo e compatriota do bochechudo). Ao chegar à nave (de maneira absurda e inexplicável), coisas misteriosas acontecem, e tudo leva a crer que há bandidos na história. Eis que aparece a vilã da história: diz para Fofão que quer tirar uma foto de seu nariz e explica que nele foi tatuado, logo após seu nascimento, um código que é uma chave para dominar uma pacífica galáxia e colocar em risco a paz do universo. Logicamente, a malvada quer se apoderar do segredo. Fofão, sem saída, coopera. Mas o desenrolar da história é um pouco diferente dos objetivos originais da vilã. E nos deparamos então com um pequeno exército de seres monstruosos, um perfeito clone do Fofão, amigos e inimigos galácticos, lutas ninja, artes marciais, muita correria e esquisitice rumo ao óbvio final feliz.

Fofão é um personagem infantil muito mais interessante que a maioria: apesar de sua aparência aterradora, é simpático, camarada e boa-praça. Sem contar suas tiradas mais que espirituosas: que outro herói infantil cantaria a vilã do filme, perguntaria a seus feiosos e ferozes inimigos se conhecem o Pitanguy e sugeriria a bandidos espaciais largarem seus planos e irem com ele à praia? O criador do monstrengo, o ator Orival Pessini, com certeza se diverte mais, atuando sob a máscara bochechuda do horripilante fofolês, do que seus colegas intérpretes de insossos e repetitivos personagens para crianças, como Barney e os insuportáveis Teletubies.

O diretor do longa, Adriano Stuart, é conhecido cineasta da Boca do Lixo, mas, nos últimos anos, vem tendo mais reconhecimento como ator, em filmes como “Boleiros”. Obviamente, “Fofão e a nave sem rumo” é um filme com muitas limitações, como os ridículos efeitos especiais, roteiro deficiente e diálogos incrivelmente estúpidos. Mas, se a intenção era divertir, Stuart acertou em cheio, e risadas não vão faltar. Chega a ser lamentável que esse grande clássico do neo-trash de ficção científica infanto-cômico tenha sido o último filme dirigido por ele, pois sua competência em fazer rir do tosco com certeza daria mais brilho às fracas produções infantis (ou apenas pueris?) atuais. Curiosidade: o montador da fita é o veterano Carlos Coimbra, diretor de “Independência ou morte”. Outros destaques ficam por conta da bonitinha — e totalmente fora de lugar — música do longa, as locações engraçadíssimas em sua precariedade e os figurinos futuristas, expressivos e bregas, que nada devem em comparação às roupas que vemos hoje em tantos e tantos desfiles de moda.



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