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Cantinho do Aguilar...

Patrícia sempre Patrícia

Por Eduardo Aguilar

Relato que se seguirá já foi publicado em forma de entrevista no blog/site “Mulheres do Cinema Brasileiro” do Adilson Marcelino, mas resolvi adaptá-lo como crônica para estrear minha coluna bimestral na Zingu!

Patrícia Scalvi é a minha musa n.° 1 do cinema nacional. Eu poderia citar tantas outras que me fascinam, desde a maravilhosa Adriana Prieto passando por Dina Sfat, Leila Diniz, Neide Ribeiro, Denise Dumont, Maria Rosa, Selma Egrei, Aldine Müller, Kátia D’Angelo, a lista é interminável... mas Patrícia é um símbolo da minha aproximação com o cinema nacional, da materialização da minha vontade de querer fazer parte.

Atualmente ela não tem trabalhado mais fazendo filmes, mas se notabilizou principalmente no cinema, não tem trabalhos na televisão e no teatro, até onde eu sei, foram muito poucas as suas atuações. Ela também é muito conhecida como dubladora, que é o que atualmente mais faz, inclusive, dirigindo dublagens.

Patrícia Scalvi é, digamos, o começo da minha cinefilia, de certa forma está lá nos primórdios, quando me apaixonei pelo cinema, especialmente pelo cinema brasileiro e é também esse meu primeiro encontro com a questão das musas.

Eu me lembro que por volta de 1978, 1979, eu estava já nessa descoberta da paixão pelo cinema, essa coisa que você não sabe muito bem onde começa, mas que no momento parece que se torna incontrolável, você quer ver tudo e a todo momento. Eu já tinha vontade de fazer cinema e por conta disso surgiu uma aproximação com o cinema brasileiro. Eu tenho uma certa dificuldade em mapear exatamente o que me aproximou da pornochanchada, dos filmes produzidos na Boca do Lixo, mas eu acho que tem a ver com a minha adolescência, porque eu estava ali entre os 17 e 18 anos. Então tinha uma co-relação de interesse específico por esse cinema erótico, e aí também no paralelo eu comecei a perceber que não se tratava apenas de um cinema erótico, era possível encontrar algo mais.

Nesse momento é que descubro o cinema de Walter Hugo Khouri, de Carlos Reichenbach e outros diretores não tão famosos quanto eles como o Jean Garret que tinha ótimos filmes, o Fauzi Mansur, e no meio desses filmes todos sempre me deparava com Patrícia Scalvi. Eu olhava aquilo, ainda não tinha assimilado muito bem essa diferença a favor dos filmes que se destacavam, ainda estava na fase do erotismo em si, e aí eu via aquela atriz e me indagava sobre o que ela estava fazendo no meio daqueles filmes. Ela era tão especial, ela era tão mais talentosa que as demais, poderia trabalhar em qualquer outro filme. Enfim, tinha também um evidente preconceito da minha parte, pois apesar de ver os filmes eróticos, eu os encarava como um produto menor. Eu achava que ela podia fazer filmes maiores, do nível, do tamanho do talento dela.

Quando eu comecei a perceber o encontro dela com os grandes diretores, como no caso do Khouri em “Convite ao Prazer”, e depois “Eros, o deus do amor”, eram pequenas participações, mas já dava para sentir que ali ela conseguia amarrar melhor aquele talento com trabalhos mais consistentes. E eu acho que isso se completa especialmente nos filmes do Carlão, onde ela teve uma oportunidade melhor. Tem “O Paraíso Proibido”, mas o maior destaque, com certeza, fica para “Amor Palavra Prostituta”, no qual ela faz uma operária, e aí você vê a capacidade dela de se dispor.

Alguns críticos já percebiam o diferencial dela na época, que era o de trabalhar numa linha muito verista, um tipo de atuação próxima do naturalismo. Em razão disso, ela se destacava demais no cinema erótico da Boca do Lixo, pois de um modo geral, as demais atrizes que participavam daqueles filmes não tinham uma formação, era tudo muito intuitivo. Algumas além dessa falta de formação, sequer tinham algum tipo de relação com o cinema, então você percebia que as atuações eram soltas demais, essas atrizes estavam ali fundamentalmente pela presença erótica e a sensualidade que cada uma tinha.

Já a Patrícia ia muito além disso. Isso é visível por exemplo em “Ninfas Diabólicas” do John Doo, um filme que eu gosto muito. Com o Luiz Castellini, com quem ela foi casada, há um filme que ao meu ver é o ‘tour de force’ da carreira de Patrícia, se chama “Instinto Devasso” e foi considerado meio miúra no sistema da Boca do Lixo. É um filme com alguma coisa de erotismo, mas é muito mais sobre a crise existencial de um rapaz que prende uma mulher, no caso, a Patrícia Scalvi. O ator era o excepcional Ênio Gonçalves e isso foi ótimo por que valorizou ainda mais a atuação dela. Eu acho que esse filme talvez tenha ficado uma semana em cartaz, ele era um pouco verborrágico, falavam muito, discutiam muito, coisas das relações homem e mulher, e havia por trás disso algo meio paranóico do cara que prendia essa mulher, uma espécie de seqüestro, e nesse contexto “La Scalvi” realmente dava um banho.

Há ainda um outro filme de destaque da filmografia do Castellini que é “Reencarnação do Sexo”, um raro exemplar do cinema erótico misturando terror. E em todas essas situações, as mais diversas, o que eu acho que ela tem de melhor, além obviamente do talento, do naturalismo muito convincente e da beleza, é que ela traz um mistério. Eu vejo o cinema muito por esse caminho, para mim cinema é, antes de qualquer coisa, atmosfera. É a atmosfera que me liga a um filme, então, ele pode ter elementos que me atraiam, seja na temática, seja no aspecto visual, mas se ele não tiver essa capacidade de me envolver atmosfericamente, não adianta, eu não consigo embarcar na viagem do filme.

A Patrícia Scalvi, por si só, a presença dela enquanto atriz é atmosfera. Nesse sentido ela até lembra uma outra, a Selma Egrei, que também tem essa coisa de a presença por si só, de estar ali, de você vê-la em cena e já sentir uma atmosfera cinematográfica no filme. Um mistério, que está no rosto dela e que se soma a essa força do talento. Ela era muito bonita, e mais bonita ainda na tela.

Eu tive a oportunidade de conhecer a Patrícia em dois momentos, um deles era enquanto fã, eu ainda não circulava no cinema. Eu fui assistir a um filme do Spielberg, “Os Caçadores da Arca Perdida”, e de repente eu vejo a Patrícia Scalvi saindo do cinema junto com uma amiga. Eu fiquei alvoroçado, o coração disparou, e eu fiquei naquela de: “não acredito, é a mulher, e eu aqui, vou não vou.” Eu era muito tímido, fiquei receoso de me aproximar e resolvi segui-la por um tempo, mas depois me dei conta de que aquilo podia acabar assustando-a. Enfim, não tive coragem para realmente me aproximar e fazer a abordagem, então me afastei, mas fui com aquilo pra casa, a ponto de pensar que se um dia eu tivesse a oportunidade de fazer um curta, meu primeiro curta seria com o nome que hoje eu acho meio embaraçoso, mas foi o nome que me ocorreu na época: “Scalvi Mon’Amour”. E seria uma espécie de homenagem ao Alain Resnais, eu tinha acabado de ver “Hiroshima Mon’Amour”, então eu queria fazer uma digressão sobre o tempo, o sonho, essa coisa toda, a memória. O roteiro mostraria esse momento do encontro de um jovem e a sua ídola, mas deixando espaço para uma ‘fuga’ ao delírio.

Depois a gente teve a oportunidade de se conhecer de fato, eu estava acompanhando como estagiário a filmagem, se não me engano, de um trabalho do Antônio Melliande e o Luiz Castellini e ela foram ao set junto comigo no mesmo carro de produção. Foi nesse encontro que descobri que ela era uma cinéfila, e isso me deixou ainda mais fascinado pela Patrícia, a gente conversou sobre De Palma, Tobe Hoper, ela conhecia muito o cinema de gênero, de terror, mas não focava só nisso. Falava tranqüilamente de Antonioni, de Visconti, era uma pessoa muito culta e isso tornou a minha admiração maior ainda.

E eu acho que o que dá para fechar essa história do meu fascínio pela Patrícia é que obviamente quando o cinema erótico começa a desaparecer por conta das estruturas do cinema brasileiro e a ausência de mercado para este tipo de filme com a entrada do sexo explícito, a Patrícia se afasta. Ela resolveu não partir para a televisão, como por exemplo, a Aldine Müller, e passa a ser dubladora, então aí ficou uma ausência, um vazio, uma frustração de minha parte por não vê-la mais na tela grande.

Até que, recentemente, de alguma forma ela se deparou com a tal história do curta que eu pretendia fazer, possivelmente eu devo ter colocado em alguma lista de discussão e ela encontrou o assunto em algum site de busca. Ela achou que eu tinha realizado o projeto, mas eu nunca viabilizei esse curta, a vida tomou outros rumos e eu atuei mais como técnico, agora é que eu tenho desenvolvido alguns trabalhos pessoais como diretor. Mas aí, obviamente, essa história já não está mais no momento atual para eu contá-la, ainda que continue achando interessante. Depois ela me perguntou via orkut (eu sai dessa seara, mas sem dúvida alguma, a maior perda foi deixar de ser “amigo” da Patrícia – rsrsrsrs) e quis saber mais sobre essa história. Eu expliquei que eu não tinha realizado o curta, mas que era um grande admirador dela.

Quando eu a encontrei pessoalmente na Boca do Lixo, eu era estagiário, eu ainda continuava um pouco tímido, falamos sobre cinema, mas não tive coragem de dizer-lhe sobre minha admiração. Mesmo porque eu fiquei um pouco receoso de colocar toda aquela paixão assim, ainda mais que ela estava ao lado do marido, o Luiz Castellini, e eu fiquei preocupado que aquilo podia, enfim, ofender um pouco os dois. Hoje acho que não, acho que obviamente foi uma bobagem da minha parte, deveria ter falado. Mas eu falei isso agora recentemente via orkut (antes de pular fora), e espero um dia ter a oportunidade de falar ‘ao vivo’.

Minha intenção com esse texto é registrar a enorme admiração por uma atriz que eu acho que só mesmo a história vai poder dizer a importância dela no cinema brasileiro, porque ainda existe muito preconceito pelo fato de seus trabalhos serem mais ligados ao cinema erótico, e se alguns tiveram destaque, como os trabalhos do Khouri e do Carlão, a grande maioria, infelizmente, está condenada ao esquecimento se ninguém recuperar isso.

Patrícia Scalvi: Mulher belíssima, excelente atriz, inteligentíssima e além de tudo, escorpiana, ou seja, a mulher perfeita!!!



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