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Especial Carlos Motta

ESTRÉIAS DA SEMANA

Por Carlos Motta, selecionado por Sérgio Andrade

ANTONIETA (“Antonieta”) – França-México-Espanha, 1982, 108 minutos. Co-produção: Gaumont-FR 3 (Paris) – Conacine (México) – Nuevocine (Madrid). Direção: Carlos Saura. Roteiro: Jean-Claude Carrière, Carlos Saura. Do livro de Andres Henestrosa. Fotografia: Theo Escamilla. Cenografia: José Tirado, Benecict Beaugé. Montagem: Pablo Del Amo. Em Panavision e Eastmancolor. Elenco: Hanna Schygulla, Isabelle Adjani, Carlos Bracho, Ignácio Lopez Tarso, Gonzalo Veja, Diana Bracho, Fernando Palavicini, Ed Clark, Sylvie Favre, Claude Merlin, Victor Junco. Quinta-feira, no Cine Belas Artes (Sala Portinari).

Com este seu penúltimo filme, Carlos Saura se afirma cada vez mais como um dos grandes cineastas contemporâneos. Uma escritora, Ana (Hanna Schygulla), prepara obra sobre o suicídio de mulheres. Mais interesse lhe desperta um trágico episódio, o de uma jovem mulher mexicana, Antonieta (Isabelle Adjani), que se suicidou no interior da catedral de Notre Dame, em Paris. E, como a Krystina Janda de “O Homem de Mármore”, pouco a pouco, através de documentos filmados, de fotografias, vai reconstituir a história da moça, valendo-se também de depoimentos de pessoas que a conheceram ou que conheceram a sua história, que é também de um despertar, como a revolução. Nascida no começo do século, Antonieta é filha de um escultor, que tem uma experiência matrimonial infeliz e, depois da morte do pai, mergulha numa aventura cultural, valendo-se da cultura francesa, da literatura e do teatro, e em pouco tempo dilapida sua fortuna. A paixão não correspondida por um pintor leva-a a tornar-se amante de um candidato idealista e megalômano, que se opõe ao novo regime que se instala. Como em “Mr. Lawrence”, um conflito cultural, só que numa mesma sociedade – de um lado a elite, o governo, do outro o povo, irreconciliáveis. A busca de uma identidade por Antonieta e o fascínio que essa personagem vai aos poucos exercendo sobre Ana unem até, na mesma imagem, as duas mulheres de épocas diferentes. Certa ironia trágica das revoluções e dos regimes políticos, quaisquer que sejam, em que governantes, simpatizantes e (ou) adversários são substituídos, eliminados ou assassinados (no filme, de Porfírio Diaz a Madero, de Zapata a Pancho Villa, de Huerta a Obregón). Esses e outros temas são manipulados por Saura, com algo de seu anterior “De Olhos Vendados”, e, segundo os que o viram, também do ainda inédito no Brasil “La Prima Angélica”. E que algum dia possamos assistir aos outros: Los Golfos (59), La Caza (65), Peppermint Frappé (67), Stress is Tres Tres (68), La Madriguera (69), El Jardin de las Delicias (70) e Deprisa, Deprisa (80).

FURYO, EM NOME DA HONRA (“Merry Christmas, Mr. Lawrence” – “Senjo no Merry Christmas”) – Inglaterra-Japão-Nova Zelândia, 1982, 122 minutos. Produção: Recorded Picture Company. Distribuição: Fox. Produtor: Jeremy Thomas. Direção: Nagisa Oshima. Roteiro: Nagisa Oshima, Paul Mayseberg. Do romance: “The Seed and the Sower” e dos contos “A Bar of Shadow” e “The Sword and the Doll”, de Laurens Van der Post. Fotografia: Toichiro Narushima. Desenho de produção: Jusho Toda. Direção de arte: Andrew Sanders. Música: Ryuichi Sakamoto. Montagem: Tomoyo Oshima. Em Eastmancolor. Elenco: David Bowie, Tom Conti, Ryuichi Sakamoto, Jack Thompson, Takeshi, Johnny Okura, Alistair Browning, James Malcolm, Chris Brown, Yuya Uchida, Ryunosuke Kaneda, Takashi Naito, Tamio Ichikura. Sexta-feira, nos cines Arouche A e Cine Arte Um.

Coincidindo com a presença do diretor Oshima em São Paulo, o lançamento deste seu décimo filme, exibido no Festival de Cannes no mesmo ano em que “A Balada de Narayama”, de Shohei Imamura, ora em cartaz, merecidamente ganhava a Palma de Ouro. Agora que os cinemas da colônia japonesa em São Paulo passam por dificuldades e a média de filmes novos de seu país lançados no Niterói e no Cine Shochiku chegam só a pouco mais de uma dúzia anuais, praticamente só mesmo iniciativas independentes, como as da Artenova, com “Balada”, e a Fox, com este “Mr. Lawrence”, ajudam a lembrar, ainda que vagamente, a fase áurea do cinema japonês em São Paulo, as décadas de 50 e 60.

“Mr. Lawrence” é o sexto dos filmes de Oshima a ser exibido no Brasil, e isso talvez só por causa do impacto do celebrado “Império dos Sentidos”. Num estilo essencialmente de cinema oriental (embora a co-produção anglo-neozelandesa), Nagisa manipula temas como o entrechoque cultural, a necessidade de sobreviver, os arraigados códigos de honra (ser “furiô”, ou prisioneiro, é uma vergonha para o soldado japonês), os horrores e a brutalidade da guerra. Além de um vago erotismo – via paixões reprimidas – que poderá escapar a muita gente (e não teria sido percebido mais porque se leu e falou muito a respeito do filme após sua estréia em Cannes?). O cantor David Bowie é um prisioneiro inglês num campo de concentração japonês em Java (Indonésia), 1942. Outro cantor (Ryuichi Sakamoto) faz o oficial japonês Yanoi e é também autor do excepcional fundo musical, o ponto alto do espetáculo. Sob certos aspectos, o filme de Oshima contém algo de “Feras que Foram Homens” (Three Come Home, 50), de Jean Negulesco, em que Claudette Colbert era uma escritora americana aprisionada pelos japoneses. E Sessue Hayakawa, o comandante japonês, cuja cultura humanista e intelectual e o respeito e admiração pela prisioneira conflitava com as ordens brutais que era obrigado a cumprir.

*Estréias publicadas originalmente em “O Estado de São Paulo” de 16 de setembro de 1984



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