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Especial Carlos Motta

O CINEMA SEGUNDO A CRÍTICA PAULISTA

Por Carlos Motta

Importante na formação cinematográfica é gostar. E assistir filmes, muitos filmes. De preferência fazê-los. Mas fazer cinema sem usar, apenas, o cinema. Cinema é escola. Pode ser como a educação que se recebe em casa. Pode ser boa ou má. Cinema pode criar Fritz Langs, Ingmar Bergmans, Fassbinders, Humberto Mauros. Mas pode dar também Sylvester Stallone. A responsabilidade do cineasta por outro lado, é muito grande: é preciso ter cuidado com as idéias que coloca na cabeça dos espectadores.

Cinema é descoberta. Fazer crítica de cinema é descobrir, fazer escola, mas em muitos casos ou na maioria deles, infelizmente, é repetir idéias dos outros, só elogiar aqueles filmes que já vem consagrados de fora. E tem a discutível questão de que a opinião da maioria é que vale (e se a maioria estiver errada?), e assim se eu disser, por exemplo que o Doutor Fantástico é uma chanchada, posso passar no mínimo, por excêntrico.

Uma crítica pode levar mais cinqüenta ou sessenta pessoas a assistirem um filme de arte, ou aqueles por exemplo, para a colônia japonesa. Hoje, com o quase total desaparecimento do cinema japonês dos cinemas da Liberdade, nem isso. Mas a crítica não tem poder decisivo sobre o gosto do público. Não irá impedi-lo, por exemplo, de ir ver o Stallone Cobra, que é um desses filmes freqüentes hoje, que estimulam a matança. Só que tanto o público e a crítica tem o poder de criar ou destruir mitos com a mesma facilidade. A diferença é que o público não sabe o que é plano, contracampo, fusão, eclipse. Se um crítico chamar a atenção de alguém sobre uma colocação de câmera ou o significado de uma frase, esse alguém dirá que não foi ao cinema “para prestar atenção nessas coisas” e sim para se divertir. E então é o caso de se ficar pensando que se todos pensassem apenas em se divertir o mundo não evoluira, não progrediria. E nem o próprio cinema existiria.

É freqüente produtores e diretores dizerem que o público é culturalmente colonizado: isto é, segundo eles o público está condicionado por usos e costumes de filmes estrangeiros, que sempre detiveram a fatia maior do mercado, que hoje, com a limitação na importação, é dominado pela produção norte-americana. E que muitas vezes, quando o filme brasileiro era considerado bom se dizia que “parecia fita americana”, porque fita americana era considerado sinônimo de perfeição. Só, que filme brasileiro não precisa parecer fita estrangeira, ou americana. Nenhum cineasta brasileiro precisa fazer filmes no mesmo estilo e linguagem, nem que os personagens ajam como os de Antonioni, Fassbinder ou Spielberg; e sim ter o mesmo talento, seriedade e competência desses cineastas, o mesmo respeito e a mesma visão de cinema como expressão de arte, cultura ou divertimento inteligente.

Houve um tempo em que se dizia que todo filme brasileiro precisava ser visto. Espécie de atitude paternalista que fez muito mal para o nosso cinema. A freqüente péssima reputação do cinema brasileiro foi por causa de gente que não reunia o mínimo de condições, não tinha o menor talento, a menor noção de como uma pessoa simplesmente deveria se expressar, levantar ou abrir uma porta. Mas faziam cinema. Mesmo depois da Vera Cruz, cuja importância na formação de técnicos e atores e cuja influência no cinema brasileiro de anos subseqüentes em conseqüência de seu padrão técnico, é geralmente subestimada ou propositalmente ignorada. Mesmo depois que um Ruy Guerra já havia realizado um filme-marco, uma obra revolucionária para os padrões do cinema brasileiro como Os Cafajestes, se cometiam erros crassos. Ou mesmo depois de filmes como O Bandido da Luz Vermelha, se fizeram filmes primários como as pornochanchadas da Boca-do-lixo paulistana, hoje substituídas pelos filmes de sexo explícito, igualmente primários, que aliás fecharam o mercado de trabalho- em vez de criar outro, paralelo- para muita gente.

O cinema brasileiro precisa não apenas de diretores mas de pessoas que acreditem na arte do cinema, que acreditem em cinema como um empreendimento rentável. De financiadores, em suma, esquecendo um pouco a dependência de verbas da Embrafilme, a dependência de financiamento estatal. Verbas de particulares, já que as televisões-que na Europa são freqüentemente co-produtoras de filmes- brasileiras estão sempre mais dispostas em investir nelas mesmas, ou seja, telenovelas ou seriados. Preciso é pensar no mercado interno, levar as pessoas aos filmes brasileiros, esquecendo os acenos e os prestígios dos festivais internacionais e seu gosto pelo exótico. É preciso fazer filmes com temas e personagens com os quais as pessoas possam se identificar. Filmes sobre gente como a gente (mas não como no filme de Robert Redford, que não são gente como a gente e sim a alta classe média americana), sobre pessoas que comam, durmam e vão ao banheiro. Em suma, sobre pessoas que nós podemos encontrar na rua ou no ônibus. Senão o público vai mesmo é preferir o filme estrangeiro.

Texto retirado de “O Cinema Segundo a Crítica Paulista”, editado pela Editora Nova Stella no ano de 1986 com coordenação de Heitor Capuzzo e textos de Francisco Luiz Almeida Salles, Inácio Araújo, Jean-Claude Bernadet, Leon Cakoff, Heitor Capuzzo, Rubens Ewald Filho, Orlando L Fassoni, Jairo Ferreira, Geraldo Mayrink, Carlos M. Motta, Luiz Nazário, Edmar Pereira, Luciano Ramos e Póla Vantuck.



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