html> Revista Zingu! - arquivo. Novo endereço: www.revistazingu.net
Dossiê Luiz Gonzaga dos Santos

Entrevista com Luiz Gonzaga dos Santos
** com participação especial de Virgílio Roveda, o Gaúcho.
Por Matheus Trunk

Um dos maiores cineastas vivos do Brasil, Luiz Gonzaga dos Santos é um homem simples, cordial e generoso. Me recebeu com o coração aberto e pronto para contar suas histórias e aventuras no cinema. Um artista simples, que se expressa tanto pelo cinema, literatura e até pela pintura. Mais um gigante do nosso cinema, que a Zingu! devolve aos cinéfilos brasileiros para contar sua trajetória.

Não resta muito pra eu dizer sobre esse fantástico cineasta, que ainda não foi devidamente valorizado pela crítica cinematográfica. Luiz Gonzaga, (ou como ele assina nos seus filmes L. Gonzaga) é uma das pessoas mais extraordinárias que conheci nessa minha vida de pesquisa ao cinema paulista.

Devemos essa entrevista não somente a seu Luiz, com quem eu visitei em sua residência e passei uma tarde inteira de domingo, me rendendo quatro horas de material gravado. Devemos também ao amigo Pandiá Andreatos, que gentilmente me cedeu o contato do autor de “Patty” e “Anúncio”, e confiou na minha pessoa para realizar a entrevista. A ele o meu muito obrigado, porque sem ele essa entrevista e o próprio dossiê não teriam existido.

Lembrando que LGS, ainda estudou no célebre Seminário de Cinema (a primeira faculdade de cinema que tivemos no Brasil), tendo aulas com mestres como Plínio Garcia Sanchez (pai de Conrado Sanchez, dossiê da primeira edição da Zingu!), Máximo Barro, entre outros.

Quando estava indo embora, seu Luiz me perguntou qual era o nome da revista. Eu lhe falei: “Zingu”. E ele me perguntou se mais pessoas escreviam nela. Eu lhe falei que sim, que éramos umas dez pessoas. Ele ficou espantado e me disse: “Então Matheus, trate de mandar um abraço a todas elas”. Essa é a marca de LGS: simplicidade e gentileza. Começamos com ele falando quando começou a se interessar e a estudar cinema.

(começamos com seu Luiz me explicando como foi seu início cinematográfico. Justamente num dia muito importante para os brasileiros).

LGS- Em 1958, no dia em que o Brasil estava jogando com a Suécia eu estava procurando e dando o primeiro passo na busca de uma porta de entrada para as artes cênicas. Aí eu fui primeiro a procura da porta de entrada para o cinema e a arte cênica na Escola de Arte Dramática Júlio de Mesquita. Era ali na Praça Buenos Aires, Higienópolis. Aí o Brasil estava jogando, era um sábado ou um domingo, acho que sábado aquele jogo. A nossa seleção estava jogando contra a Suécia, eu estava voltando e a Praça da República tinha dependurado naquelas árvores uns alto-falantes. Não havia televisão, o jogo não era televisionado mas havia o rádio. E Pedro Luís fazia a gente sair e ele próprio parecia chorar falando ao microfone descrevendo com aquela incrível riqueza de detalhes que você acaba visualizando melhor que na televisão, pelo menos com muita mais emoção na palavra dele o jogo. E eu estava dando o primeiro passo. Depois a gente entrou em outra escola na Brigadeiro Thobias na esquina onde tem uma camisaria até hoje lá. Inclusive é tombada essa camisaria. Entre a rua do Seminário, uma ruazinha curtia que saí ali do Largo Santa Efigênia e desci ali para o Anhagabaú ou para a Praça do Correio mais precisamente e faz esquina com a Brigadeiro Thobias. Aquela camisaria está até hoje lá e eu estive lá falando com o dono, que eu sou um pesquisador também (risos), há muito tempo eu quis saber porque a cidade de São Paulo mudou tanto e a camisaria não muda nada. Aí o cara me explicou: o prédio é tombado, a camisaria é tombada, tudo é tombada. Então, por isso que está assim ainda. Ali no primeiro andar nós tivemos esse curso de cinema. Eu estou falando bem remotamente assim, pra você entender onde começa as coisas e porque. Porque faz tanto tempo que o cinema no Brasil alimenta o sonho de muitas pessoas talentosas, inconformistas, não conformadas e com a ânsia de participar de uma forma efetiva e influir na opinião pública nacional escolhe arte cênica pra participar. Eu pelo menos procurei as artes cênicas e visuais como um instrumento de combate. Por incrível que pareça talvez alguns escolham suas carreiras por vaidade ou por ambição, glória, dinheiro. Outros procuram suas profissões como um instrumento de expressão e por que não dizer, um instrumento de combate no sentido da reforma, principalmente no caso do jornalismo, do cinema, essas artes de comunicação. Eu escolhi com um instrumento de trabalho no sentido de ajudar, olha por incrível que pareça: ajudar o país a melhorar e comunicar a todos os brasileiros os nossos problemas, os problemas deles próprios para eles próprios e para mim também. Acredite se quiser, mas esse foi o móvel da minha entrada para artes e comunicações do cinema. Aí veio a literatura, o teatro, artes plásticas aí você vê uma tela na parede pintada por mim (seu Luiz aponta para uma tela na sua parede) Isso aí que você está olhando é o cartaz do “Anúncio do Jornal”.

Z- Do outro o senhor tem cartaz ?

LGS- Depois eu vou lhe mostrar o de “Patty”. Então, esse passo eu dei no intuito de realmente contribuir para melhorar o país. Eu já tinha uma cabeça política, eu tinha 18 anos em 1958 entende ? Mas isso já veio um pouco antes porque eu já vinha procurando isso antes nesses caminhos. Eu fui vendo, já tinha lido muito então conhecia os problemas do Brasil, e aquilo me deixou muito emocionado por incrível que pareça. Um jovem ás vezes, está jogando bola- aliás eu nunca fui bom de bola- eu fui procurar instintivamente fui sendo soprado, os ventos foram me soprando para os aspectos políticos da sociedade brasileira. Aí eu vi no cinema, na literatura e também na política uma forma de trabalhar o homem brasileiro, o cidadão brasileiro. Porque eu já tinha o sentido crítico sobre a nossa própria formação social, política, étnica. Então, tudo isso eu via como um grande caldeirão, um formidável laboratório onde você poderia fechar os olhos e apontar os dedos para qualquer lado e se dirigir para aquele lado, você vai encontrar uma aventura a ser vivida. Foi exatamente essa figura que me induziu ao campo da comunicação. Aí eu encontrei assim logo que eu comecei a dar os primeiros passos eu entrei pra literatura a respeito de cinema brasileiro, que hoje você é um contribuinte e será lido futuramente com certeza e são os meus votos. e daí a minha responsabilidade de não indicar o nome errado do hospital, não dizer o nome das pessoas de forma equivocada, nem dizer a data de nascimento delas errada e nem a onde elas nasceram, como você estava falando aí da minha cidade natal. Então, é um país que precisa ser sempre reinventado, corrigido, um barco navegando que você nunca pode largar o leme dele que está sempre querendo ele está sempre querendo derivar pra lá, para cá devido a nossa própria multiplicidade. E o cinema brasileiro é muito rico exatamente porque ele está inserido neste contexto multifacetado, que é exatamente a cultura brasileira, o homem brasileiro, a origem do homem brasileiro: sua origem étnica, social, seus resultados pessoais na vida, suas profissões. Então, o cinema brasileiro engloba tudo isso ou sempre isso. Se você pega os filmes brasileiros, eles tratam realmente de umas características que eles são assim muito peculiares. Nenhum povo, eu acho que tem assim uma palavra meio resbuscada, mas aquela idiossincrasias que são aquelas pinimbas que cerca a figura do homem brasileiro e isso está no nosso cinema. Um crítico no sentido de análise bem argumentada, vai encontrar essas idiossincrasias do povo brasileiro, inclusive os seus defeitos, que é o que fez com nós fossemos precoce na adoção do cinema como meio de comunicação, já que foi seis meses depois do cinema ter estreado em seu nascimento no Chalé dos Capuchinhos em Paris. Acho que no dia 28 de dezembro de 1897, por aí. Acho que isso mesmo. Seis meses se filmou no Brasil, porque os irmãos Segreto estavam aqui você está estudando e sabe disso lá. Isso prova nossa precocidade, mas se o talento é precoce os resultados tardam em chegar. E praticamente até hoje nós não temos uma arte cinematográfica autônomo, independente do Estado e como um empreendimento comercial. Claro, você não pode brincar com o dinheiro, ele não leva desaforo pra casa. Como você investi um milhão de reais, quinhentos mil reais, cinco milhões de reais num produto qualquer ? Tirado do nada ? Como o caso contribuinte, e eu assim como o grupo Casseta & Planeta somos contra essa doação do Estado pra fazer cinema. Mesmo porque ela é equivocada, entende ? Ela é equivocada porque ela não dá cinema. Ela dá um recado mandado, quer dizer, você se submete a um concurso e uma comissão lá escolhe e acha você o melhor. Quem é essa comissão pra saber o que o público brasileiro quer ?
Z- Até falando de pessoas da geração do senhor que vão nos editais, o Fauzi há muitos anos tenta. Ele está sempre e nunca ele ganha o edital. O Cláudio Cunha, todo pessoal da sua geração...
LGS- Pra você ver que há um preconceito contra os excluídos e onde está a isonomia dessas comissões seletivas de projetos ? E daí a discrepância. Além disso, a injustiça e a falta de critério popular pra se fazer esses filmes. Esses filmes não são exibidos. Porque que os filmes da Boca eram exibidos pelos mesmos exibidores, os mesmos donos de sala. Porque era um cinema popular, que pegava exatamente essas idiossincrasias do povo brasileiro e mostrava pra ele: “Olha aqui um retrato três por quatro seu” e quem é que não gosta de olhar pra própria fotografia e dizer assim: “Mas como eu sou bonito hein ! Ou como eu sou feio, rasga essa fotografia”. Mas é sua, é seu retrato. Então, isso aí é o que o cinema da Boca fazia, já que a sua matéria é centrada no cinema da Rua do Triunfo e ali eu fiz os meus filmes. Um pouco mais rebuscados, que como você vê eu sou um pouco mais assim, criterioso no falar e talvez um pouco mais preciosista. Me desculpe esse preciosismo mas eu também mostro esse desejo de requinte, que é o desejo da perfeição, que é o desejo da verdade que leva a justiça, a paz, ao auto-reconhecimento. É uma coisa que a leva a outra, a outra quer dizer: uma racionalidade na escolha daquilo que falamos, fazemos.Você fala para milhões de pessoas: é uma puta duma responsabilidade. Se você pensar bem é um peso assim, na consciência de quem tem de falar a verdade, somente verdade e nada mais que a verdade. Ou é aquilo que interessa realmente a esse propósito da comunicação, que é promover o intercâmbio entre as pessoas e conseqüentemente o melhoramento das pessoas, da sociedade. Aí vem alguém e diz: “Mas o cinema da Boca não era assim não”, mas era sim por cineastas. É claro que não eram todos que tinham essa consciência. Alguns eram até muito primários, quase indigentes intelectualmente mas é assim mesmo que se faz as coisas. É com esse volume de vertentes, essa diversidade que saí exatamente uma formação planetária da pessoa, uma visão cósmica da sua própria cosmogonia. O mundo onde você vive, a sociedade onde você vive, cosmopolita ou enfim, o país em que você vive, em que você nasceu, o seu idioma. E eu até me lembro que eu tive um professor, em que eu escrevi uma história simples de raiz brasileira e ele falou: “Filho, que bobagem você escrever isso aqui”, porque era gente do sertão, ainda errado e ele rejeitou aquilo. Essa terna rejeição da dicotomia no Brasil entre cidade e campo. Euclides da Cunha tratou disso, Guimarães Rosa...Euclides da Cunha duma forma bem mais colocada. A luta, a divergência, dicotomia entre cidade e campo: Guerra de Canudos, que ele tratou disso aí. Exatamente, essa diversidade que torna o nosso cinema interessante. Esse cinema não o cosmopolita, por exemplo, eu fiz um filme cosmopolita “Anúncio de Jornal”, o “Mustang Cor de Sangue” também. São filmes de cidade, os dois.
Z- O curta “Greve” eu não vi queria ver.
LGS- “Greve” é um filme mudo feito em Itaquera, aqui pertinho de onde nós estamos na porta da fábrica Niff. Foi um filme oficina, nós estávamos fazendo escola de cinema e inclusive algumas pessoas que passaram por esse filme como o Miguel Ângelo. Hoje ele é um grande técnico de som, um cara que esteve inclusive exilado no período da Ditadura Militar. Ele está por aí, acho que é sitiante, ele ajudou e participou desse “Greve”, não como ator, mas como técnico, produtor, enfim foi autor do filme.
Z- Mas é um trabalho diferente do senhor na Boca ?
LGS- Todos os meus filmes são diferentes da Boca. Mesmo os que eu fiz lá dentro eu fiz também pra modificar ela, pra induzir o cinema a esse exemplarizar, pretensão minha. Pretensão e água benta não faz mal a ninguém (risos), então não tinha que copiar ninguém e ser original a mim mesmo. Então, são esses pontos de vista ideológicos, políticos, culturais que eu imprimo em meus dois filmes, ambos inspirados em obras de terceiros mas transcodificados para o meu código de visão do nosso mundo. Isso é adaptado pelo meu viés, meu olhar sobre essa sociedade. Mesmo o “Mustang” feito em um conto já premiado e já consagrado do Marcos Rey, eu comprei os direitos. O Marcos fez o primeiro tratamento e eu fiz o final, que é a tradução para o idioma técnico do cinema. E de tal forma assim, que esses roteiros meus se eu entregar na mão de um adolescente, ele faz um filme. É só ele seguir o roteiro.
Z- O senhor tem os roteiros aqui ?
LGS- Tenho, guardo eles todos aqui.
Z- O senhor tem fotos da época da Boca ?
LGS- Tenho um material iconográfico razoável. E tenho bastante coisa, inclusive essa anarquia que você vê aqui é parte desses materiais que a gente vem guardando, guardando, guardando e acaba um dia fazendo parte de um acervo que a gente nem sabe o quanto que tem aí. Depois vou mostrar uma coisas pra você ter uma idéia. Esse é o cinema que eu procurei fazer. E agora você pode fazer perguntas também, porque de repente eu estou pegando a palavra...
Z- Magina seu Luiz. O senhor falou um pouco como você começou, fala um pouco do Seminário como foi ? O senhor teve aula com o Carlos Ortiz ?
LGS- Não. Eu tive aula com o Plínio Garcia Sanchez, foram todos grandes mestres.
Z- O Máximo ?
LGS- Máximo Barro.
Z- Eliseu Fernandes ?
LGS- Não, ele não. O Eliseu parece que teve aula lá no Seminário antes de mim.
Z- O Candeias também né ?
LGS- O Candeias teve também, estudou também.
Z- Aquele pessoal que dirigiu os primeiros filmes do Mazza: Milton Amaral, o Glauco...
LGS- Você vê como o Seminário de cinema formou gente boa que veio a fazer realmente a indústria cinematográfica em São Paulo. Na verdade, foi o Seminário de Cinema.
Z- Egidio Eccio deu aula lá ?
LGS- Egídio Eccio...não eu acho que ele é um dos ex-alunos também do Seminário, mas não foi do meu tempo. Da minha turma que fez cinema foi eu, Fauzi Mansur, Adolfo Sonato que fez algumas coisas em teatro, Milton Bolinha veio a ser editor, hoje ele não está mais em cinema. Falando do Seminário...Joaquim Ferreira da Rocha, um técnico em mesa de tabletop, mesa de desenho de filmagem em desenho animado. O Alberto D´Aversa que foi o nosso grande mestre lá chamou o Adolfo de pernalta. Ele tem a minha idade e está por aí. Então, o Alberto uma sumidade, uma cultura impressionante. Eu devo muito a minha formação cultural ao D´Aversa. A todos eles, mas particularmente a ele pela torrente de cultura que ele despejava e inundava a cabeça da gente.
Z- Quanto tempo durava o Seminário ?
LGS- Nós tivemos dois anos, porque fazia e depois repetia o mesmo currículo. Mas você podia repetir e refazer, e eu fiz acho que duas vezes.
Z- Era grátis ?
LGS- Era gratuito por conta do Estado, da Comissão Estadual de Cinema do Estado de São Paulo. E se você vê foram os pioneiros e eles foram criando essas instituições, esses campos de oportunidade. Daí a importância de se falar corretamente, a minha responsabilidade de se ter um retrato verdadeiro de se fazer cinema no Brasil. É uma responsabilidade, porque existem problemas, você aponta os problemas. Mas parece que tem uma influência poderosa aproveitando-se da inércia do que é inerente ao caráter nacional brasileiro nós não conseguimos quebrar esse paradigma de ocupação do nosso território comercial com o nosso produto. Isso é um problema mundial, a hegemonia do cinema americano chega e devasta tudo na política de terra arrasada. Eles destroem a cultura audiovisual nacionais de cada país e implantam a cultura deles e vem atrás na esteira disso aí o automóvel deles, a roupa deles, o corte de cabelo, o batom, o avião. E foi isso que foi uma grande política de comércio Exterior que os Estados Unidos fez que enriqueceu o país e o brasileiro ao contrário com governos indigentes, preguiçosos, historicamente corruptos jamais se libertou dessa camisa de força e sujeição ao produto cultural estrangeiro, particularmente o produto hegemônico dos Estados Unidos. A hegemonia ocupa literalmente todo o território comercial brasileiro, isso por contratos de governos. Há um contrato e nós ouvimos falar nisso quando fazíamos esses cursos no Seminário de cinema, acho que firmado entre os Brasil e o Estados Unidos em 1946. Exatamente no fim da Segunda Guerra Mundial. Que é um momento muito propício a submeter as outras mais frágeis em matéria de poder de compra e opinião, consciência política. Os Estados Unidos forneceria todo o negativo pro Brasil tirar radiografia para a saúde, desde que os brasileiros não obstassem nenhuma entrada do filme americano no Brasil. Resultado: aquele fornecimento do material pra saúde não valeu de nada para a nossa saúde porque não era esse o problema da nossa saúde e em compensação, todo o nosso território foi ocupado por toda a cultura americana e toda a indústria americana vindo na esteira dessa ocupação cultural. Porque é assim, foi uma estratégia perfeita da parte dos estrategistas comerciais americanos e o Brasil não se percebeu disso apesar da nossa origem lusitana que era um povo mercantil, um povo esperto em negócios. Mas acho que a esperteza não passava da quitanda do português (risos), que são nossos avós e como ela não chegue a fazer uma economia em qualquer nação nós acabamos perdendo. O resultado é que isso aí após aqueles seis meses da primeira filmagem feita em paisagem brasileira feita pelos irmãos Segreto, que foi a entrada do navio, do piquete na barra do Rio de Janeiro, aí surgiram aqui as casas do cinematografo rapidamente e aí logo que filmou porque a câmera que se filmava era a mesma que se projetava. Então, esses pioneiros já fizeram os primeiros filmes e foi um crescimento vertiginoso e isso viria a assustar os americanos...
Z- Tem aquele filme dos estranguladores inclusive, que foi um grande sucesso de público.
LGS- É “O Crime na Mala”, o cara que na Praça da Bandeira ele assassinou a mulher, a esposa e botou numa mala e botou numa estação de trem e mandou pra Santos o cadáver da mulher. “O Crime da Mala”...e foi um sucesso esse filme e depois foi feito, mas por volta de 1914, isso você vai encontrar nos livros, nos anais da história do cinema no Brasil- não sei se em 14 ou 22- chegou no nosso país uma comissão de capitalistas americanos para convencer entre outros convencimentos os cineastas brasileiros a não produzirem filmes. Não se preocuparem em fazer filmes, mas exibirem as películas dos americanos, a conversa foi mais ou menos assim: “Nós já temos a tecnologia, você não tem. Tem que importar tudo, o país é tão grande e vocês vão ficar ricos ficar exibindo os nossos filmes”. E transformou os nossos futuros cineastas em comerciantes de cinema, isto é, exibidores de películas e foi a última vez em que o cinema brasileiro ficou em pé. Nunca mais teve espaço no nosso mercado cinematográfico, mesmo o mercado tocado por brasileiros em serviço do cinema hegemônico dos Estados Unidos e até hoje não nos libertamos desse paradigma maldito e eu por exemplo e uns companheiros aí, inclusive o Virgílio Roveda, uma pá de gente aí que criamos o Projeto Só Brasil, que é uma camisa de força ao contrário. Assim, como nos criaram uma camisa de força, a gente quebraria esse paradigma de não expandir o nosso cinema, nós criamos uma camisa pra nós mesmos só que totalmente isonômica, aquela isonomia que os atuais concursos de roteiro e produção que o Estado brasileiro fornece aos cineastas que agradam as comissões de avaliações deles lá. Ao contrário, essa isonomia do Projeto Só Brasil permite que todo cineasta entra na fila e exiba o filme dele não importando a película que ele tenha produzido. Isso é problema dele com o público que vai assistir a seu filme, e se o filme for um sucesso sorte dele. Se ele fizer um mau filme para o público, para expectativas do público, o problema também é dele. Mas ele vai exibir o filme.
Z- E o Jean seu Luís ? Como o senhor estabeleceu essa parceria com ele ?
LGS- Ele era muito pragmático, como todo bom português. Era um sujeito pragmático, fazia filmes pra mercado. Eram fitas muito bem-feitas tecnicamente, os filmes dele. O pai dele parece que tinha militado no cinema da Ilha do Cabo Verde ou em Portugal, não sei. Ele tinha uma formação cênica, técnica e cinematográfica.
Z- Ele teve formação com o Mojica inclusive.
LGS- Depois ele veio fazer com o Mojica, mas ele tinha antes no berço da família dele. Ele participou das experiências do Zé do Caixão e tecnicamente ele tinha um conhecimento que eu não sei onde ele pegou aquele conhecimento. Mas era muito detalhado, ele tinha um domínio da sintaxe e da gramática cinematográfica muito boa. Agora os conteúdos dele eram puramente popularescos, tal.
Z- Ele não era como o senhor nesse lado ?
LGS- Ideologicamente não. Ele não tinha nenhuma preocupação ideológica, política, cultural, social. Nenhuma mesmo, nenhuminha. Era zero nesse sentido. Agora ele também fazia filmes pra comércio e oportunistas, o que está certo. Aquele “Mulher, Mulher” dele deu uma fortuna pro Augusto de Cervantes que foi o produtor e a ele também que parece que tinha 40% do filme. Foi uma fita que duas horas da tarde tinha uma fila enorme pra assistir o filme. Eu fui assistente dele nesse filme também, no “Excitação” que o Carlão fotografou. No “Amadas e Violentadas” em que o David Cardoso atuava e o Jean dirigia eu fui assistente dos dois lá. Ele produzia um filme atrás do outro, pegou um gancho assim que dava muito dinheiro e naquele tempo não havia cinema de shopping, era o chamado cinema de rua, as salas ficavam na rua. Era outra coisa, muito mais democrático, livre e era um público completamente diferente, popular mesmo. Também a saída para os shoppings foi o problema de segurança nos grandes centros em que acarretou a saída. Porque as salas de cinema, sala escura começou a ser um campo de assaltos dentro das salas de cinema.
Z- Também com o explícito tiveram os tarados...
LGS- É os tarados também, os travestis. A sociedade brasileira precisava também tomar um banho de sensualismo pra gente parar de ser besta e não vermos no sexo um bicho de sete cabeças, uma coisa do outro mundo. Eu lembro que a gente tinha uma inveja danada de Portugal que com a Revolução dos Cravos, eles liberaram os costumes de tal maneira que você via a venda de revistas pornográficas nas calçadas de Lisboa, Porto. E você pegava, olhava e levava embora. Nós estávamos carecendo disso aí, porque havia umas proibições moralistas da Ditadura Militar que na verdade era uma maneira de controlar a população. Apesar do sensualismo exacerbado, em si não trazia nada. Apenas liberava os costumes e depois cada um, cada sociedade vai tomar o seu rumo e administrar esse problema e fazer da sociedade, verdadeiramente livre, com autonomia e consciência. Porque a liberdade é um ato de consciência, antes de tudo. E não é assim, o sexo exacerbado, desvairado que vai fazer a diferença. É só dar uma boa educação pra sociedade que tudo vai na ordem natural das coisas. Agora quando se cria espécie de mito que se proibi, é que mais se desperta interesse. E o cinema aproveitou-se disso aí. Com a vinda do “Império dos Sentidos”, sob o efeito de um ato judicial, aí os filmes brasileiros começaram também a entrar com mandato judiciais, os filmes que a moral da Ditadura proibia. No “Anúncio de Jornal”, eles cortaram duas ou três cenas e eu não concordei, apesar de não ter sexo explícito no meu filme.
Z- Eu vi o filme, não tem mesmo.
LGS- Você viu ? É o filme mais ideológico e acho que mesmo a cena de sexo lá, ela tinha uma fundamentação ideológica. As três cenas assim mais estranho elas tinham esse conteúdo e aí eles perceberam, os censores perceberam. E eu fui a Brasília defender o filme, fui lá no oitavo andar do Palácio da Justiça e educadamente bati boca com o delegado José Carlos, lembro o nome dele até hoje. Ele: “Mas os censores impuseram acho que dois ou três cortes no seu filme”, e eu: “Mas eu não aceito”.
Z- O seu primeiro filme também teve esse tipo de problemas ?
LGS- Não, só o “Anúncio de Jornal”. Aí eu falei: “Não”, batemos boca a li e tal. E ele falou: “Só se eu mandar para o Conselho Superior de Censura”, e eu falei que tudo bem, que lá eu ia ver com eles. Aí um mês depois voltei lá com o Conselho. Aí participei do Conselho...era uma sala de acho que doze ou dezesseis cadeiras, onde ficavam as partes dos filmes e outra parte ficava o conselho, acho que dezesseis sumidades da jurisprudência, da moral, da inflação, da família, da Igreja. Aí fui lá e defendi o filme perante eles, foi me dada a palavra. Aí depois eu vi o relator da matéria que era um procurador do estado do Rio de Janeiro, fazendo a maior defesa do filme, foi um libélulo a defesa dele. Mas o Rafael Ravel que era um catolicão votou contra e ficou de eu voltar lá. Aí eu voltei e o filme foi liberado por 9 a 1. Aí liberaram o filme, integral. Hoje, eu até despensaria aquelas cenas no “Anúncio de Jornal”, eu seria um pouco mais discreto. Mas estava todo mundo fazendo sexo explícito, quem não tinha entrado na nova jogada o exibidor estava exigindo a imposição. E eu estava determinado a não participar dessa história.
Z- O senhor teve propostas ?
LGS- Tive pros dois filmes. E eu falei: “Não vou fazer, não me interessa”. Porque eu comecei a minha carreira da maneira que eu te disse, com a finalidade purista, de comunicar, contribuir pra formação da nossa sociedade. Foi pra isso que eu entrei no cinema. Ele era pra mim um instrumento de trabalho social e cultural. Aí eu peguei e não aceitei, mas houve exigências e por isso eles me estrangularam, os exibidores, estrangularam o filme e levaram a falência a mim e ao produtor que é o Ademir Francisco.
Z- Foi o único longa que ele produziu ?
LGS- Foi o único filme que ele produziu. Um cara ótimo, que merecia todo triunfo do cinema embora ele seja muito ocupado pra isso aí. Porque o Ademir é um cara muito bom em montagem. Um relojoeiro na edição de um filme. Sabe um joalheiro ? Um cara que capricha e faz uma maravilha, ele é assim. Você viu a edição do filme, o som, a equalização do som foi ele que viu.
Z- A cópia que eu vi não estava tão boa pra contar a verdade.
LGS- Você assistiu em vídeo ?
Z- Sim, em VHS.
LGS- Mas a cópia original, de cinema é de um primor que só você vendo. Irrepreensível, um som irrepreensível, a fotografia absoluta do Ciambra muito bem colocada, muito bem feita. E a edição do Ademir foi uma jóia, então quando o filme foi lançado e esse que é o grande problema muito importante de você tocar no seu trabalho. O poder que adquiriu o exibidor sobre o produto nacional cinematográfico, no momento em que a gente lançou esse filme estava a orgia do sexo explícito e o exibidor só queria isso. Porque eles não tem a menor consciência, são simples comerciantes e não tem conhecimento de nada da função deles como vinculadores da cultura audiovisual. Eles não tem nada a ver com isso, são macacos adestrados pelo cinema americano e aqueles que convinha a eles. Como o americano não mandava pra cá filme pornográfico, eles começaram a nos obrigar...e isso é uma coisa que ninguém disse. Aposto que ninguém disse isso pra você. O exibidor começou a obrigar o cineasta brasileiro a colocar sexo explícito em seus filmes. Mesmo os longas já lançados tinha que fazer depois a inserção de cenas de sexo...filmava a cena de novo. Mas isso só com filme brasileiro, porque com filme estrangeiro eles não faziam isso. Porque eles não deixavam e sabia que isso ia ajudar o cinema nacional americano, querendo que nós fizéssemos o trabalho sujo. Isso aposto que nenhum dos cineastas falou isso pra você. O único cara que está falando isso pra você sou eu. Porque o pessoal não tem essa percepção de onde é que a coisa pegou, onde foi que nós começamos a cair. Aí veio a exigência, e ninguém queria um filme como o meu. Os caras falavam: “Puta que filme bem-feito”, mas eles queriam botar sexo explícito. E aí tiravam o filme de cartaz e aí começou a dificultar. Pra você ter uma idéia, eu lancei o filme com duas cópias, não tínhamos dinheiros e eles é quem tinha de fazer as cópias, os exibidores. E eles não quiseram fazer as cópias, então nós a lançamos financiada por nós, pelo Ademir. Aí o público adorou a película, mas eram apenas duas cópias e eles começaram a nos apertar e não queriam fazer mais, porque dez era o mínimo e estava de bom tamanho. Hoje, com esse negócio de se fazer 200, 400 cópias foi uma maneira de um golpe de morte do cinema americano no cinema brasileiro. Qual produtor brasileiro que pode chegar a esse número ? Faz uma Xuxa que está toda hora na televisão, faz um Renato Aragão que tem uma carreira longa na mídia televisiva...mas um cara como você, eu, A, B ou C que vá fazer o seu primeiro filme e disputar o mercado com a mesma qualidade...
Z- O próprio Carlão não consegue.
LGS- O próprio Carlão, exatamente não consegue exibir. E aí o projeto Só Brasil veio corrigir isso aí e o cara vai exibir o filme dele enquanto tiver público e quantas vezes ele quiser. Ele só tem que entrar na fila de novo e re-exibir, reprisar seu filme. É um sistema rotativo, vamos dizer que a gente consiga montar quinhentas salas só pra filme brasileiro, uma espécie de clube da Luluzinha. Filme estrangeiro não entra, só nacional ou filmes feitos no nosso país com capital estrangeiro, se um deles pega o dinheiro e investi no Brasil e faz um filme brasileiro com artistas nossos, cenários nossos...Aí é outra história, aí é um filme brasileiro e poderia entrar nesse sistema. Mas os colegas do cinema, insistem por conveniência a fingir que não estão entendendo qual é a intenção do projeto Só Brasil. Que é justamente garantir a isonomia da exibição, como era antes quando a gente fazia duas cópias e lançava o filme com duas apenas.
Z- E se pagou seu Luís ?
LGS- Não, não se pagou. Eles começaram a brincar com o filme, o tiraram do Cine Olido quando o “Anúncio” fez uma semana lá muito bem, crescendo a renda. E passaram a exibir no Cine Arouche, um cinema já morto e mais dedicado a filme de arte como os Irmãos Taviani “Noites de São Bartolomeu”, coisas assim. E continuavam anunciando no Cine Olido e as pessoas iam lá, eu vi e o gerente me mostrou. O público ia lá na semana seguinte pra ver o meu filme e encontrava outro filme: “Mas não era o “Anúncio de Jornal” ?”. “Não, ele está lá no Cine Arouche”, o cinema era perto mas a noite o cara não vai querer...ele está com uma namorada, uma companheira, salto alto, o escanbal, ele não vai querer andar. Já estacionou o carro não sei onde, lá perto e lá a pé, era perto de táxi ou de carro mas é longe ir a pé, passar aquele centro, ninguém quer fazer isso. Mas acabava não indo assistir o filme no Arouche, mesmo assim foi tirado de lá os Irmãos Taviani com “Noites de São Bartolomeu”, pra entrar o meu filme. Eu perguntei pro gerente lá, eles chegaram a ter de três a nove pessoas, meu filme entrou e em sete dias, mesmo assim com um pé e uma mão amarrada nas costas e uma âncora no pescoço entrou lá e em sete dias, eu tenho aqui os borderôs de renda aqui comigo decuplicou a renda, fazendo a propaganda contrária. Eles por tijolinho, foi apenas aquele tijolinho de duas linhas. “Anúncio de Jornal”, Cine Olido. Chegava o público lá e estava no Arouche. Olha, isso não foi um crime ? Foi mesmo pra afundar a gente e continuaram anunciando, nem ligaram pro jornal, nem se deram o trabalho. “Olha, “Anúncio de Jornal” não está mais no Olido, e sim no Arouche, endereço tal”, pra mudar.
Z- O jornal não mudou então ?
LGS- Não mudou, continuou anunciando lá é isso que estou te falando. Anúncio falso e falseado, indicava uma sala em que o filme não estava mais. E mesmo assim decuplicou a renda, aumentou dez vezes e os caras lutando contra a renda do filme...dez vezes o primeiro dia quando o público começou a perceber que os Irmãos Taviani era uma porcaria um filme pra público: arrastado, chato. É pra pesquisador assim como nós, sem dúvida mas pra público não dá em nada. Mas mesmo assim o meu filme decuplicou com propaganda contrária, o público descobriu que o “Anúncio” estava no Arouche no boca-a-boca e em uma semana cresceu dez vezes. Muito mais que cresceu na primeira sala. Quando tomou pé sobre o filme, eles fizeram essa cachorrada com o público. Isso, eu estou dando um exemplo pra você. O Roberto Santos morreu por causa dessas coisas.
Z- Ele morreu no aeroporto de uma maneira brusca...
LGS- No aeroporto inclusive. Quando ele lançou o outro filme dele, ele brigava e chegava nos cinemas e passava pelo menos “A Hora e a Vez de Augusto Matraca”, um filme maravilhoso baseado em Guimarães Rosa, ele entrava na sessão e ele via os caras sabotando o som do filme...acabava o carvão do projetor e os caras iam trocar ele, não era automático e eles botavam um carvão curtinho e dava um ploc. Ele ia lá e brigava com a gerência do cinema. Foi uma briga solitária do Roberto Santos e aquilo já prejudicou a saúde dele e eu via e encontrava ele por aí na Cinelândia e o notava sempre absorto, obcecado por esses problemas todos. Porque ele via o cinema brasileiro além de uma atividade econômica, uma atividade política e cultural. Ideologicamente...
Z- Diferente do pessoal da Boca.
LGS- Exatamente, diferente da maioria do pessoal da Boca.
Z- O senhor via da mesma forma que ele ?
LGS- Eu via da mesma forma, embora eu reconhecesse criticando pra melhorar o filme da Boca. Melhorar a qualidade, fazer um pouco mais de contribuição para o público e tal e eu instigava o pessoal a ver os filmes mais apurados e as minhas obras atestam isso. Você assistiu os dois, são os dois feitos na Boca mas pegam uma perspectiva, um olhar, um viés muito diferenciado da maioria dos filmes do colega. Embora eu não tirasse o pé da Boca, do ponto de vista dos conteúdos e colocava também as pitadas. Porque eu tenho a visão gradual de um ponto de vista para outro. Você se depara com um novo conceito, você o identifica, o ajuíza, o aceita e o rejeita e o passo seguinte você adota e pratica. Como eu sabia que eu ia fazer muitos poucos filmes na minha vida, em um filme eu já tocava isso, colocava não só nessa graduação dos personagens mas colocava a própria comunicação com o público. Os elementos constitutivos da atração do filme, eu colocava neles pra manter ele interessado...mas enquanto ele se interessava por aquele aspecto consumista do meu filme, eu colocava dentro da boca aberta dele algum conteúdo que fizesse melhor para sua formação. E você percebe um fio condutor ideológico nos dois filmes. No entanto, são dois filmes populares e era isso que eu queria que o pessoal da Boca fizesse e eu dava o exemplo. Nada acontece por acaso: mas logo em seguida veio o Collor de Mello com o governo maluco da ministra Zélia que rapou a poupança do Brasil inteiro, que foi um golpe de misericórdia naquele cinema da Boca...
Z- E da Embafilme...
LGS- Inclusive ele fechou a Embrafilme, que foi outro golpe muito sério. Porque ela servia de fiscal dos nossos filmes também, ela fiscalizava nossos filmes na sala de cinema. Mandava os fiscais com poder de polícia, pra fiscalizar os filmes brasileiros. Mas aí quando ele deu o golpe na Embrafilme e ela na poupança, aí foi uma pinça que atacou dos dois lados e ficou cada vez mais difícil e o exibidor ficou como queria. Aí ele deitou e rolou.
Z- Porque não tinha mais filme brasileiro pra exibir.
LGS- E olha que eles morreram de ganhar dinheiro com os nossos filmes. Eles racharam o bico de ganhar dinheiro.
Z- “Mulher, Mulher” deu muita renda.
LGS- Dava uma grana estúpida, aliás o Inimá Simões escreveu esse livro aqui, um livro crítico. Você leu esse aqui ? (refere-se ao estudo “Cinema da Boca” de autoria de Inimá Simões).
Z- Sim. Um estudo ?
LGS- É um estudo.Quando nós estávamos na distribuidora, o cara estava arrancando os cabelos porque naquele dia lá. Nós estávamos lançando o filme e uns três, quatro dias depois o Salviano Cavalcanti de Paiva lascou o pau no filme e na minha pessoa também. Ele me chamou de “um certo L. Gonzaga”. Não sei se você teve acesso a essa crítica ?
Z- Não, não tive.
LGS- Pois eu vou lhe dar depois, são tudo coisas curtinhas eu tenho ali. Depois eu mandei a resposta que publicaram também no jornal. O Inimá Simões viu que o cinema paulista carecia de um estudo mais apurado para afinal se colocar a opinião pública ao par do que deve e o que não deve ser. E encomendou ao Inimá Simões, aí ele fez...O Salviano era um guru, lecionou na USP, eu li um livro dele. Depois eu acho ele aqui e procurei abraçá-lo e pedir desculpa: “Desculpa, eu exagerei chefe” (risos). Eu não consegui encontrar com ele até hoje. Voltando o assunto, aí quando eu cheguei na distribuidora do Rio, o gerente estava arrancando os cabelos: “Pô, o cara acabou com o nosso filme. Vai arruinar a nossa bilheteria”. Eles só pensam em bilheteria também. Aí eu falei: “Não, calma. O que foi ?”. E ele: “O cara arrasou o Patty, A Mulher Proibida”. Eu falei pro distribuidor: “Não, o cara nos honrou, nos citou. Existe filme brasileiro que ele nem considerou. Ele nos considerou, desceu o porrete mas pelo menos fez publicidade da fita. Entenda lá”. O meu primeiro filme, eu podia ter ficado todo mortificado, todo cabrunhado: “O cara não gostou do meu filme”. Mas a minha consciência do cinema que eu fazia era tamanha e inabalável que nada, mas absolutamente nada ia me desestruturar. Eu tinha consciência das dificuldades, do filme que fiz, como fiz, com quem fiz, porque fiz: tudo. Então, eu não tinha porque ficar preocupado e não era isso que ia me preocupar. Aí falei pra ele: “Fica tranqüilo”. E fui pra porta do cinema, que era o que eu tinha ido lá. Ver a renda, fazer a publicidade do filme, quem sabe uma entrevista. E na porta do Cine Metro, um cinemão do centro do Rio. O público veja só: entrava, assistia o filme e saia no meio da sessão. Era uma época em que se fazia sessão corrida, então sujeito entra no meio, depois fica e recomeça o filme e assisti até o ponto onde tinha começado. Ou plantava e via desde o começo e saia no fim. Constantemente, o cinema era um entrar e sair de gente. O público saia rindo e se divertindo com o filme e comentavam com os caras do cinema. Esses, falavam pro público: “Olha, o diretor está aí. Vocês não querem falar com ele ?”. Os caras me procuravam rapaz, mas assim dando pulos de alegria com o filme. Você acha que eu ia me preocupar ? Só ia me ajudar ! Essa crítica do Salviano só me ajudou, mexeu no caldeirão e fez ele ferver. Olha, eu fazia um debate com um monte de gente ao redor de mim no salão de espera. Você precisa ver que legal os caras comentando o filme, elogiando, falando: “Que genial, que idéia essa coisa desse anão aí. Mas ele era um demônio”. As pessoas imitando os personagens do filme. Quando você chega a esse ponto dos caras se interessarem a ponto de incorporam os personagens e sair com eles discutindo o comportamento deles, quer dizer que você entrou na alma do espectador, não tenha dúvida nenhuma. Eu voltei e contei pro gerente da distribuidora: “Viu. Essa história está acontecendo na porta do cinema. Planta lá e diz que é da parte da distribuição”. Se o público me procuravam era porque adoraram o filme. Então, esta foi a verdade da crítica. Claro que é bom: elogiando ou falando mal é bom que publique sobre mim. Me dá oportunidade. Se eles tivessem me elogiado, esse livro não existia cara, pensa nisso ! Porque ninguém iria editar um livro porque alguém elogiou: “Muito obrigado, o meu amigo, padrinho me elogiou”. Estado nenhum vai escrever um estudo sobre o que está nos conformes. Esse feito pelo Inimá pela Secretaria do Estado da Cultura só foi possível porque o debate entre eu e o Salviano suscitou a interveniência de um terceiro elemento, que foi um órgão oficial do Estado pra estabelecer a Justiça democraticamente na questão levantada. Principalmente, aproveitou-se aí da dicotomia que sempre existiu tanto em cinema ou em futebol entre Rio e São Paulo. Eu aproveitei disso aí, eu sabia disso aí, conhecia essa questão. Então, um bom debatedor se aproveita dessas questões, pra ele se insinuar na consciência da sociedade ou através de órgãos de imprensa oficiais ou particulares e causar exatamente aquilo que foi importante: o debate. Era um assunto, o meu cinema, o nosso cinema era um assunto da minha paixão. Vê-lo discutido, analisado, compreendido, incompreendido, criticado, execrado, exaltado, adorado era tudo isso que eu quero meu. Bote fogo no circo e não chame os bombeiros, deixe queimar até a última chama (risos). Senão, não teria uma obra boa e de referência como esse livro. É verdade que também o Inimá Simões perdeu uma ótima oportunidade, pra não ficar a crítica só de um lado. De fato, aquilo que ele fala aqui contra o cineasta da Boca era o que eu falava em particular dos meus colegas. Tanto é que até hoje sou amigo deles, adoro o meu povo, minha gente mas eu reconheço que eles são cheios de guetos, de grupinhos.
Z- Tinha muita divisão lá na Boca então ?
LGS- Tinha. Muita divisão, graças a Deus. Porque era justamente essas divisões que interessavam porque era exatamente essas divisões que faziam cada um buscava superar o outro no sentido que a consciência dele lhe permitia compreender. Ás vezes, o cara queria fazer um filme mais pornográfico que o outro quando o veio o explícito. Mas aí eu já não estava mais na Boca e era outra história. Mas quando era o nosso inocente sexo que tem na novela hoje. Por que a imprensa não chama a novela de pornochanchada ? Aquelas cenas que a gente fazia nos filmes da Boca estão hoje muito mais fortes nas telenovelas. Eu vi aí TV Cultura a idolatrada TV Cultura essa semana um filme estrangeiro, acho que colombiano...não sei, eu vou me lembrar depois. Passou semana passada, uma cena de sexo oral. A sacrossanta TV Cultura que recusou um material documental que o Roveda fez sobre o sincretismo religioso do catimbó na Paraíba. Ela recusou a comprar o nosso material eu quero deixar a patente aqui. Se você quiser divulgar eu estou autorizando aqui que de viva voz que os moleques da TV Cultura deixaram de comprar um material: de um produtor independente e hoje formou novamente a mesma camarilha pra fazer e aprovar o Doc TV de acordo com seus interesses. As tais comissões de avaliação do que deve e do que não deve. Um material excelentes e eles recusaram. Essa repórter, a Márcia Bongiovani que acho que está em outro canal hoje, na Bandeirantes recusou comprar esse material do Roveda: “Não. Em vez de comprar dele, nós vamos lá e fazemos”. Mas esse está feito e é a visão dele, pelo viés dele. Nós falamos: “Você pode ir lá e fazer o seu se você quiser, mas entenda que ele é um produtor independente, vocês precisam de documentaristas que produzam pra vocês”. A Márcia nos disse: “Mas nós produzimos, a casa mesmo produz”. Olha que mentalidade tacanha que essa moça tinha como jornalista e funcionária de um órgão público. Que obtusidade, que cegueira que essa moça era dotada e estava ocupando um cargo de poder de decisão na TV Cultura e dizendo uma bobagem desse tamanho aí. E de fato, não compraram o material dele até hoje e não sei porque você (olhando pro Gaúcho) fica tímido e não expõe.
VR- Não interessa, vou expor pra quê ?
LGS- Eles já fizeram e apresentamos o projeto pro Doc TV...
VR- Vou dar pérola pra porcos ?
LGS- Foi o que eles fizeram: eles assistiram o filme, tiveram que assistir pra ver. Aí que falaram: “Nós mesmo fazemos”. E acabaram fazendo uma porcaria eu acabei vendo aqui, uma pobreza. Fizeram lá no lugar, voltaram lá...olha que falta de caráter eu estou falando da TV Cultura, São Paulo, Brasil, estou descendo o pau. Se for mentira, defendam-se ! Sabe, escrevi outra vez uma carta pro presidente anterior ao Cunha Lima. Escrevi uma carta pra ele, comentando essas coisas e ele me mandou uma brochura de luxo produzida com dinheiro do contribuinte mostrando os prêmios que a emissora vem ganhando por programas infantis. Merecidamente, não há dúvida nenhuma mas eu estava discutindo outros aspectos que agora eles estão fazendo pelo Doc TV, inclusive algumas coisas interessantes mas a maioria coisas completamente insípidas, sem nenhum interesse. Olha que eu defendo esse canal sempre, onde quer que eu esteja discutindo por aí o cara fala de televisão e eu pergunto: “Qual é a TV que você vê ?” e ele fala: “Ah, eu vejo a Globo, não sei o que”. Eu falo: “Perdeu seu tempo. Você não vê a TV Cultura ? Então você não está sabendo o que interessa !. É assim que eu trato ela, quer dizer tenho um carinho todo especial por essa emissora no seu aspecto justo, de causa justa. Mas essa discriminação com o produtor independente só porque ele não faz parte da camarilha daquele canal, eu acho isso uma falta de profissionalismo cruel. Esse é um dos problemas que nós enfrentamos no nosso cinema em relação ao cinema estrangeiro. É quando órgãos oficiais, até independentes, particulares como é o caso da imprensa tendenciosa perdem de colocar com critério para a opinião pública, o que é de justiça. O Inimá Simões fez alguns ensaios disso aqui nesse “O Imaginário da Boca”, mas as críticas que ele fez foram um tanto azedas sobre o nosso cinema aqui de São Paulo e não correspondia a visão geral. Inclusive, ele criticou o público que consumia os nossos filmes. Quem é ele pra dominar a opinião pública ? Primeiro a opinião pública e eu vou com ela. Até que todo mundo quebre a cara e mude de opinião, aí tudo bem problema do público mas se está sendo aceito esses filmes é mais importante saber o porque. Então, ao invés e é a crítica que eu faço a ele, ao invés dele fazer o que você está fazendo...Ele me entrevistou também e por isso ele não falou muito de mim no ensaio.
Z- Ele não fala mesmo. Fala mais do Jean, do Tony Vieira, do Miro.
LGS- Exato e fala mal.
Z- Mais ou menos...
LGS- Mais ou menos, mas do Jean eu vi pelo menos ele falar mal. Aí mas tudo bem, mas ele dá uma pra lá, uma pra cá- uma no cravo, outra na ferradura- o certo é isso. Para que a opinião pública tire as suas conclusões a partir da exposição do articulista, o autor da matéria. De um modo geral, o livro pra mim me satisfez apenas ele poderia ter citado a fonte do projeto, historiar a origem do livro porque a Secretaria da Cultura não falou da minha “briga elegante” minha e do Salviano, foi por causa desse debate pela imprensa que ele ganhou um salarinho pra fazer a obra. Então, ele deveria ter citado e historiado isso também. A história deve ser contada por inteiro, como nós estamos fazendo agora. O livro “O Imaginário da Boca” do Inimá Simões, professor da USP encomendado pela Secretaria de Estado da Cultura foi inspirado nesse debate público entre o filme “Patty, A Mulher Proibida”. E isso faltou coragem dele ou faltou honestidade e isso eu cobro dele. Ele se entrevistou comigo na Boca, e eu falei com ele: “Já pedi desculpas pro Salviano. Eu acho que peguei pesado né ?”, porque eu tenho mão pesada pra escrever. Eu já quase levei uma pessoa ao suicídio por uma coisa que eu escrevi (risos), tenho que ter cuidado com o que eu escrevo. Foi um problema, porque eu tenho essa dor até hoje.
Z- Foi por causa de cinema ?
LGS- Não, foi fora de cinema. Mas é outra história. Mas agora no cinema teve um cara que quase se suicidou também, o Charles da Linxs Filmes.
Z- O senhor trabalhou Na Linxs filmes antes de ingressar na Boca ?
LGS- Sim, trabalhei como assistente de laboratório e montagem.
Z- Quem era o montador ? Era alguém da Boca ?
LGS- Quando eu estava lá era o falescido Gilberto e esse rapaz o Charles.
Z- Não é o Gilberto Wagner ?
LGS- Não, ele já falesceu...Você se lembra do Giba lá da Linxs ?
VR- Eu conheço o Gibinha, mas não é esse não.
Z- Depois o Rodolfo Icsey trabalhou lá ?
LGS- Era um dos donos. O dono era o Rodolfo que fotografou o “Cangaceiro”. A bem da verdade cabe a quem um dia escrever a esse estudo “O Imaginário da Boca” pra bem informar o público retomarem essa origem entre eu, o Salviano e a Secretaria do Estado da Cultura de São Paulo. Que foi quem encomendou ao Inimá esse estudo. E ficaria mais completo o livro dele, que é muito importante. Agora é uma pena que a classe cinematográfica tenha se fechado em copas. O único cara que cita o livro dele e o mostra sou eu porque eu sei a origem do estudo, então, eu tripudio sobre o cadáver deles (risos).
Z- Não sei se o senhor sabe o Nuno Abreu lançou um livro “Cinema da Boca” ?
LGS- Hum...Ele não me entrevistou, ele deve ter continuado escrito sobre mim. Você fez bem em vir a fonte. Eu sou em Tauape e não em Tanapé e nem em Tatuapé. Tauape é essa pintura que eu fiz aí, tirada de uma fotografia que eu tirei estilizada no sentido da obra naif.
Z- O senhor entrou em cinema tentando ser ator ?
LGS- Não. Eu fiz interpretação para ser diretor. Eu fui um dos raros caras já com o olho na direção. Fui ser ator pra fazer direção de atores, então isso me valeu muito pra eu conhecer aquilo que eu estou exigindo deles. Porque eu sei o que estou exigindo deles e quais os processos pra se chegar naquilo que eu desejo. Então, na verdade a intenção é essa. Mas eu já entrei no cinema com o primeiro passo já pra ser diretor, minha intenção e fui até hoje. Fiz os ensaios lá na escola, tanto é que na própria escola de cinema, no Seminário o filme que nós fizemos lá foi direção minha que foi esse “A Greve”, com direção minha, um filme oficina. E depois o “Primeiro de Abril” foi outro oficina dum curso que eu já era professor no Teatro Casarão que ficava na esquina da rua Asdrúbal Nascimento com a Brigadeiro Luiz Antônio, na ponta do viaduto que vai ao Largo São Francisco. Então, esses aspectos da história é preciso a gente fazer um corte vertical e cortar certo e separar as informações verdadeiras das falsas. Porque é muito ímpar um cara que está pesquisando como você. Você faz muito bem, porque vai a fonte direta e bebe nela, porque é lá que está a verdade verdadeira. Então, isso lhe dá muito mais substância no seu material e você presta um serviço ao público, a cultura, aos futuros pesquisadores, estudantes, etc, etc. Quando aponta eles a senda correta da história.
Z- A gente já falou um pouco do Jean. Mas como se estabeleceu essa parceria do senhor ? O senhor chegou a ser amigo pessoal dele ?
LGS- Fui amigo pessoal dele, depois nós brigamos porque havia droga no meio da produção e eu não sou do ramo. E aí houve problema de relacionamentos e acabei me desatendo com ele, mas continuamos amigos. Ele estava vinculado aos mesmos guetos problemáticos que prejudicou muito o cinema. Inclusive na mesma Boca eu me bati na frente com essa gente
Z- Por quê ?
LGS- Isso tudo prejudicou profissionais- como eu inclusive- que tive poucos contratos lá. Porque primeiro ideologicamente, eu era um estranho no ninho. Eu era comunista, de esquerda e o pessoal da Boca era quase todo mundo da direita, e alguns se faziam passar por esquerda só porque era chique (risos). Mas não era de esquerda nada. Ou era chique e fazia obras de direita, então, era o corte vertical novamente da espada de Damoclos. Mas uma grande maioria- que eram amigos meus- usar esse tipo de negócio pra fazer contratação de pessoas isso era um prejuízo pro filme e pra própria cinematografia como atividade séria. Apenas eu não admito que as pessoas prejudiquem uma atividade ou um profissional apenas por uma coisa completamente fora do assunto que se pratica nesse ambiente. Isso inclusive eu paguei um mico por isso aí...
VR- Todas as coisas os caras se afinam. O usuário da droga mais pesada, por exemplo. Os homossexuais dentro do teatro, da televisão tem o mesmo processo. Ele logo forma um grupo do pessoal dele. Nos shows mais recentes, década de 90 o pessoal consumia droga e eu não era do ramo, ficava de fora e isolado. Eu e mais um e dois que ficávamos de fora, leve nem pesada. Eu não tomo cerveja. Então, esse processo que o Gonzaga tava falando. Eu vivi dentro da Boca desde 67, 68 até agora recente e o pessoal de cinema eram mais consumidores de álcool, cerveja. O pessoal bebia muito.
LGS- E poucos homossexuais também.
VR- Pouquíssimos homossexuais. Era só tomador de cerveja, o resto era pouquíssimo.
LGS- Mas quando surgiam tava um estrago, pelo menos na droga...
Z- Então, o Jean teve esse problema com o senhor ?
LGS- Inclusive ele morreu precoce por causa disso. Olha o malevício- eu era contra por causa disso- não tenho nada contra. Então tomo a minha cachaça, não vou pra casa de quatro (risos), mas nada contra a droga em sim desde que a pessoa saiba beber. Droga de beber, de fumar, enfim toda droga. Ontem eu falei prum menino ali, um pedreiro meu: “Eu tomo uma e vou embora. Você já tomou três, eu controlo. Por isso que você tem dificuldades tais, tais, tais e eu não tenho”. É porque eu sei usar, podia até usar droga. Eu tenho certeza que não iria abandonar a família, trair o melhor amigo- porque eu fumaria minha maconhaninha, meu cigarrinho esperto- numa boa, de vez em quando, em casa sem que interviesse na minha vida de relações com as outras pessoas que não usam a minha droga. O meu problema é esse. Se os caras fizessem assim...até eu sou favorável a liberação da droga e fizeram isso na Holanda. Parece que não dá certo, o cara gostaram tanto que piorou (risos). Mas a verdade que isso prejudicava atividades sérias e o que se fazia naquele lugar ali e acabava predominando o tráfico no meio artístico. Isso era ruim e prejudicava as pessoas que não pactuavam com o uso dela. Mas nada contra, isso é problema de cada um e a liberdade é pra todos. Jean meu amigo, dias antes dele morrer descobri ele diretor de um teatro na Brigadeiro Luiz Antônio, fui lá visitar ele aí de repente, ele morreu. Eu achei ele um pouco estranho, quando o revi depois de uns anos.
Z- Ele tinha um porte atlético ?
LGS- Aí Matheus tudo isso foi evoluindo assim e falei: “Bom, vou tomar o meu caminho. Vou pegar a minha produção e vou começar os meus filmes”. E comecei a montar um esquema para afinal me tornar um industrial de cinema, um negócio, uma empresa: a América Internacional Filmes fundada por mim. O “Mustang” começou com produção dela e tive de passar pra Haway porque recebi um golpe do meu produtor e o pessoal que estava comigo, a Topázio. Os caras me deram um golpe lá, eu briguei com eles saí e fui pra Haway. Foi outra história cabeluda a minha ida para a Haway.
Z- O filme já tinha começado ?
LGS- Eu tinha começado com a Topázio, feito uma semana.
Z- O “Patty”, você está falando.
LGS- O “Mustang”. Na verdade, “Patty” não existe foi a fraude que a Haway fez, você pode colocar aí também. Foi um desrespeito ao autor da obra cinematográfica, o roteiro era meu. A obra literária era do Marcos Rey, mas eu comprei “Mustang Cor de Sangue” e estava fazendo esse filme e os moleques da Haway mudaram o título do filme para “Patty, A Mulher Proibida” porque o autor do conto estava com processo contra eles por outro roteiro que parece que eles escamotearam dele, do Marcos Rey. E eles pra despistar ele, mudaram o título como se todo mundo não soubesse que “Patty” é o mesmo “Mustang Cor de Sangue”. Coisa de português (risos), raciocínio lusitano. Aí me prejudicou moralmente e eu não entrei com um processo contra a Haway porque eu não tinha condições mínimas. Eu estava com dívida na praça, com necessidades muito grandes de emplacar o meu primeiro filme e aí eu não tive condições. Mas se eu tivesse, eu embargava a obra, mas não tinha como produzir e eles produziram afinal. E predominaram. Predominaram porque eu não bati o pé, porque só o meu direito faria o filme voltar a ser “Mustang Cor de Sangue”.
Z- É por isso que o filme tem dois fotógrafos ?
LGS- Porque eu mudei de equipe, comecei com uma e terminei com outra. Então, esse tipo de problema existe no cinema brasileiro, também no estrangeiro, mas eles lidam com muito dinheiro e mais profissionalismo. São problemas tipicamente nossos. Esses problemas de produção, injustiças, de roubos.
Z- E por que a produção do “Anúncio de Jornal” foi diferente ?
LGS- Porque eu peguei um jovem, um amigo que já era um grande profissional do cinema para ser produtor. Produtor e montador do filme, mais que montador um editor porque o filme cresceu na mão dele, um cara muito competente.
Z- Ele montou poucos filmes.
LGS- Ele montou bastante longas pra Clarisse Amaral, Ana Carolina e principalmente muitos filmes comerciais. Botavam ele num avião aqui e mandavam ele pra Los Angeles pra fazer o acabamento de um comercial de trinta segundos. Pra você ver como o cara era precioso profissionalmente. Ele montou muitos filmes atuais depois dessa lei Rouanet também ido por Estados Unidos, fazer acabamento lá: o Ademir Francisco. Com os exibidores foi complicado, ele reclamou e destrataram ele e fomos e eu marquei com o Magalhães que era diretor da Sul Paulista, a exibidora e distribuidora. Eles tinham outra distribuidora, mas eu não me lembro o nome. Eu acho que era Orion. Mas a exibidora, a rede de cinemas era dele e hoje parece que está fechada, foi pro saco. Aí marquei com ele pra ir discutir no escritório da Sul Paulista, e aí nos batemos boca e ele quase se pegou a tapas no Ademir. E eu intervi entre os dois, que eu queria justamente apaziguar, porque eu tinha foco no filme, na carreira dele. O “Anúncio” tinha duas semanas, três semanas de exibição e eu queria que ele continuasse a carreira dele, não queria brigar com ninguém. Mas imprudentemente, embora coberto de razões o Ademir bateu boca com um sapo chamado Caetano, um sapo da Sul Paulista. E esse sapo levou pro patrão o bate boca dele com o Ademir. Mas quando nós chegamos ao chefe dele que era o Magalhães, ele já estava em cima dos cascos, super motivado pelas calunias que o sapo Caetano tinha colocado pra ele (risos). Aí dificultou o meu trabalho de apaziguador, e começaram a perseguir o filme, desmarcar ele, falar mal: massacrar o filme. O Ademir cobriu com eles essa negócio de estar no Olido e eles mudarem de uma sala boa para uma pequena e desacreditada como o Arouche. E talvez eles quisessem levantar essa sala, que foi justamente o que aconteceu. Foi de três a nove espectadores por sessão que o gerente me falou e eu tenho o borderô aqui em casa: foi de zero a dez vezes em sete dias decuplicou a renda da sala. Fazendo propaganda contrária, anunciando no Cine Olido enquanto passava no Cine Arouche. Pois bem, isso arruinou o produtor, o Ademir. Um homem de origem muito pobre, que emperrou carrinho na rua quando garoto pra ganhar alguns trocados- igual como você vê os catadores lá. Um cara que começou lá, foi galgando como assistente e chegou a esse ponto de importância no cinema paulista que estou te falando aí, de montar grandes fitas inclusive na Lei Rouanet com acabamento no Exterior e tem uma larga folha de serviços prestados no filme comercial, aliás uma grande escola para o cinema. Porque é uma indústria, o filme comercial pra televisão que hoje é o vídeo e na época era em cinema mesmo está adaptado hoje. E o Ademir também está adaptado ao computador, a fazer a edição por computador, fazer a edição por esse meio. Mas ele tem um conhecimento maravilhoso de edição em película cinematográfica em trinta e cinco milímetros ou em dezesseis. Pois bem, e aí nos perdemos uma bela carreira como produtores. Hoje em termos de relações estamos um pouco estremecidos porque ele ficou magoado comigo porque eu falei: “Foi você quem brigou Ademir. Eu tentei manter o negócio com os caras, não tinha que brigar. A briga era entre nós aqui, não leva pros caras lá porque eles são bandidos”. Os distribuidores são bandidos, são máfias. Distribuidores e exibidores são máfias criminosas e ele foi bater justamente com esses caras. Aí nos perdemos dinheiro e com o “Mustang” eu fiz essa casa aqui. Ganhando vinte por cento, tendo ganhado cinco, talvez três porque eles roubavam tudo. Eu tinha no contrato vinte, mas eu devo ter recebido entre cinco ou três. Em quatro meses eu fiz essa casa.
Z- Seu Luiz, uma coisa que eu conversei com o senhor antes da entrevista sobre a produção de cinema no nosso país, o senhor tem uma visão muito original. Na sua opinião seu Luiz, qual é a questão crucial da produção do no cinema no Brasil ?
LGS- A questão crucial no cinema no Brasil é a questão política. Não é se o governo vai financiar ou não vai. É normatizar a indústria cinematográfica, organizá-la e normatizá-la dentro daqueles interesses da economia nacional. Em falar em economia, uma das brigas minhas é tirar o cinema desses veados da Cultura e levar pro ministério da Indústria e Comércio. Esse negócio de artista quem não é veado tinha vontade de ser. Não conseguiu ser veado foi ser artista (gargalhadas). São intelectumerdas. Isso é que é uma merda na porra do cinema e por isso eles não conseguem pensar empresarialmente de forma pragmática, Mazzaropi por exemplo. E ele que não era tão machão assim era um machão sabendo pensar como homem de negócio, de comércio.
Z- O próprio Galante.
LGS- O próprio Galante que era um puxador de cabo. O Ademir que empurrou carrinho na rua quando garoto e hoje é um cara que botam ele dentro de um avião e mandam ele pra Los Angeles pra acabar um filme de trinta segundos ou um longa-metragem como aconteceu com um filme da Ana Carolina. Ele viajou pros Estados Unidos pra fazer o acabamento de som desse filme, tudo por conta da produção. Então, você vê que há talentos enormes mas falta empresários na atividade cinematográfica.
Z- O senhor acha que sem a figura do produtor é impossível ?
LGS- Sem a figura do produtor profissional entendido de arte e cultura, mas sobretudo de mercado é a grande questão que ninguém fala. Está aí o Gilberto Gil distribuindo dinheiro pra todo mundo, a turminha e coiso. Mas cometeu injustiças porque não praticou aquela isonomia que é a obrigação do Estado. Não cabe ao Estado estabelecer seletivamente qual ou qual filme irá ser feito. Você viu que inclusive o Luiz Gushinken do governo Lula iria fazer isso, mas infelizmente parece que o pessoal gritou. Ele ia fazer filmes somente que o Governo quisesse que fosse feito. Que financiaria somente esse tipo de fitas. Tá certo, não foi feito isso aí. Foi quebrado e o Luiz Gushinken caiu fora dessa aí mas o assunto continua na mão dos “artistas”, “intelectuais”.
Z- Gustavo Dahl...
LGS- Gustavo Dahl, esses nomes aí. Esse pessoal que está fazendo aí por interesse político, apadrinhamento as comissões de seleção escolhem esses projetos quando na verdade deveria fazer-se o contrário. Que ao invés de dar dinheiro pra mim fazer o “meu” filme, me dê uma sala para todos nós do cinema. Ora você nunca viu alguém pegar uma parede e levar pra casa ? Mas todo o dinheiro da produção de um filme posso levar metade pra minha conta e fazer o filme pagando mal a equipe, o elenco e tudo mais como todo mundo faz aí. Além de ser dada a origem desse dinheiro, que é na verdade uma origem espúria. É tirada do contribuinte e tirada portanto da saúde, da educação e isso quem disse isso é o grupo Casseta & Planeta e disseram que não vão fazer mais filmes com a Lei Rouanet por causa das injustiças que eu estou aí falando. Não se pode num país onde se falta saúde, se falta educação, se falta transporte, falta tudo pegar uma fortuna do contribuinte pra fazer filme que vai ficar na prateleira. Porque estão todos na prateleira. Filmes ótimos, por sinal. Nossos colegas são ótimos cineastas e péssimos empresários. Os caras tem uma visão míope, obtusa, de que não se pode brincar com dinheiro rapaz, é um quinhentos mil reais, um milhão, dois milhões, três milhões de reais que se vai gastar pra eu fazer um filme que vai ficar na prateleira ? Minha consciência não dá. Se me derem eu aceito, eu vou falar: “Se me der aceito, mas não deviam me dar e pra ninguém”. Mas se está dando pra uns, eu posso querer pra mim também, você querer pra você, ele querer pra ele. Nada mais justo. O problema é o seguinte: é o princípio da decisão processual de distribuição desse dinheiro que é errado. Não é nada isonômico, então, já que não dá pra fazer justiça entregando dinheiro na mão de A, B e C, faça-se assim: “Você se vira pra produzir um filme e nós te damos o circuito em rede. Quinhentas salas só pro filme brasileiro, você vai exibir o seu filme até gastar as cópias que você tem. Até que você vá acompanhar e ver que é perda de tempo e não está dando mais renda”. Mas tem o direito de exibir ele e é justamente isso que o projeto Só Brasil prega e propõe. Está na mão do presidente da Câmara dos Deputados, o Aldo Rebelo. Esteve na mão do Roberto Gouveia, o ministro Welford. Você vê: eu estava falando aqui pra colocar o cinema no Brasil na mão de um ministério sério. Eu mandei uma cópia do projeto, porque andou se levando algumas coisas do cinema e da produção cultural para o Ministério da Indústria e Comércio que é o ministro Dornelles, Francisco Dornelles. Aí eu mandei uma cópia pra ele falando do projeto Só Brasil, falando da suituação do cinema brasileiro, tal e tal. Pra você ter uma idéia: tudo isso eu tinha mandado pros funcionários do Ministério da Cultura. Ninguém me deu resposta rapaz, os filhos da puta simplesmente não me deram a menor resposta. Devem ter dado outro uso ao papel que eu mandei escrito aquilo lá (risos). Mas primeiro e único ministério que eu mandei e recebi um telegrama em resposta assinado pelo ministro Dorneles, foi exatamente o da Indústria e Comércio. Isso revoga a diferença de seriedade entre o da Cultura e o da Indústria e Comércio, sabe. Os caras que estão nesse segundo pelo menos pela origem deles são empresários, pessoas que sabem da importância do dinheiro, aplicá-lo corretamente e que já são de um mercado, que significa mais emprego, emprego continuado. Há cem anos o cinema americano dá ocupação aos americanos e tira emprego dos outros países. Inclusive dos cineastas, técnicos e artistas brasileiros. E essas measmas, essas zebras do Brasil não percebem isso ? Que eles próprios estão perdendo emprego ? Não, eles preferem ganhar um premiozinho pra fazer o “meu filmizinho particular” do que beneficiar toda categoria cinematográfica brasileiro. Esse tipo assim nós estamos: eu, o Roveda e uma pá de gente a fora estamos trabalhando pra ver se conseguimos vingar uma lei que troca o patrocínio pela construção de salas como está descrita no projeto Só Brasil. Isso é um bem público, um terreno ou um prédio, uma sala pública do governo municipal, estadual ou federal ali se fazer uma sala de cinema só para fitas brasileiras. E o cara faz o filme e entra na fila e vai exibindo aqui, passando pra cá, pra lá e passando pra aquela outra e fazendo um circuito alternativo levando as cópias para a sala mais próxima, a cidade mais próxima ou o bairro mais próximo. Agora o transporte eletrônico de imagem está contemplado nesse novo projeto, precocemente. Nós planejamos isso no projeto, você marca uma sessão lá na Serra Pelada dum filme brasileiro vai. Então, não precisa levar uma cópia para lá, a renda é muito pequena. Mas você manda pelo espaço, pelo ar a imagem sintonizada num telão digital e faz-se a sessão, cobra-se o ingresso e paga parte do produtor imediatamente e a cópia não existe. Ela está na mão duma central nacional de distribuição informatizada. Isso, mesmo que haja os erros de roubo de imagem, captação, etc, etc. Mas tem mil maneiras de você fazer essa transferência de imagem é só você fazer com mais qualidade essa projeção digital. Eu assisti a projeções digitais perfeitas. Não deixa nada a desejar a película de cinema pelo menos em termos comerciais dá perfeitamente pra você fazer isso. Então se levar concretamente a cópia o peso é quase nada hoje em dia com a digitalização, você põe num disquinho e manda num envelope de carta. Você manda a cópia pra qualquer parte do país a troco de setenta centavos, por aí. Mas agora é só controlar a renda lá no lugar através de um sistema que corrige isso aí que é uma microcâmera na própria sala de projeção que pega a massa de público que houver na sala. Por exemplo, tem mais ou menos duzentas pessoas pode não contar um por um, mas tem também a borboleta que conta. Se a microcâmera mostrar mais ou menos, genericamente duzentas pessoas e o controlador da sala mandar a venda de cinqüenta ingressos, aí o produtor vai protestar na Justiça e exigir aquela figura que ele capturou em casa no seu PCzinho e ver quantas pessoas estimadamente tinham na sessão de seu filme. Sendo que se mostra nessa própria imagem tomada por trás na nuca dos espectadores mostraas imagens na tela. Então, ele identifica na mesma tomada de vista se é o filme dele ou não é que está na tela lá. Ele sabe que essa sessão teve duzentas pessoas e ele sabe que o borderô que a sala mandou de cinqüenta pessoas é mentira.
VR- Isso quando manda cinqüenta. Se foi cinqüenta, eles põem cinco.
LGS- Exatamente, é isso aí que eu estou falando. É esse o sistema que a minha classe, a nossa própria classe cinematográfica ainda não adotou e não está ajudando nem um pouquinho ao governo entender isso e implantar esse sistema sem o qual não haverá salvação jamais para a indústria cinematográfica brasileira comercialmente. Comercialmente não tem outra saída senão essa do projeto Só Brasil.
Z- Do “Mustang” é narrado em flashback pelo Escriba. Isso parece um pouco filme-noir. Isso foi premeditado pelo senhor ?
LGS- Não, eu respeitei simplesmente a obra do escritor Marcos Rey. Obra maravilhosa, simplesmente hilariante. Quando eu li o conto eu chorava de rir no ônibus e as pessoas ficavam olhando pra mim (risadas). Eu não conseguia conter o riso, literariamente os personagens: o anão Jujuba e tal. Aí fui fazer o filme procurando fazer isso aí. Tive mil percalços pra fazer ele. Problemas de produção, intervenção. Eu tive de mandar o produtor embora de campo porque ele ficava colocando outros problemas pessoas com a atriz que o rejeitou e aí ele queria tomar a direção do filme. Ele achou que era fácil dirigir um filme. Era um moleque, um molecão e o pai era rico. O Joaquim, andava por aí. Aí ele queria me abalar na direção e eu peguei e tirei ele de campo, o repreendendo como um garoto.
Z- Aí o senhor teve um conflito com ele ?
LGS- Tive um conflito, entrei em conflito. Por vingança ele trocou o título do filme, não só por isso mas porque ele tinha um problema jurídico com o Marcos Rey que o escritor estava processando eles. Todo mundo estava processando eles e aí por vingança ele trocou o título dizendo que só dava dinheiro todo filme que tinha no título a palavra “mulher”. Olha que mentalidade medíocre do cara. Então, ele tirou “Mustang Cor de Sangue” e botou “Patty, A Mulher Proibida” porque isso dava mais dinheiro e tal, tal coisa. Você vê como os caras era miseráveis, mesquinhos, ardilosos, cavilosos, traiçoeiras, burros, medíocres. Essa mentalidade estava muito forte naquele tempo porque produzíamos muitos filmes por ano. Chegávamos a produzir 112 filmes por ano, bastante. Tínhamos uma indústria com todas as qualidades e defeitos, mas era uma indústria, um cinema comercial.
Z- E tinha o público...
LGS- Tinha o público.
Z- Tinha musas
LGS- Tinha as musas e os ídolos que fizeram fama.
Z- O David, o Tony Vieira.
LGS- Esses caras tudo que eram pessoas de talento interpretativo talvez um pouco limitado ? Sim, talvez. Mas talvez dependesse mesmo de uma boa direção. Mas eram os caras que estavam fazendo, produzindo. Estavam na estrada, o que importa é isso: estavam na estrada. Então, dá esse caminho pros caras. Aí podaram de repente um abismo no meio do caminho, uma pedra no meio do caminho como diz o poeta e aí o cinema caiu num abismo com o governo Collor.
Z- Como foi dirigir a Helena Ramos ?
LGS- Maravilhosa.
Z- Você já tinha visto ela no “Mulher, Mulher” ?
LGS- Eu conheci ela no “Mulher, Mulher”, e aí eu contratei ela pra fazer o “Mustang” e ela fez a “Patty”, a Patrícia, vedete, clorofila. A protagonista feminina, e foi maravilhosa, dócil pra gente dirigir sabe. Estudava bem o papel, decorava muito bem inclusive, interpretava conforme a gente pedia e do jeitinho que a gente pedia. Na primeira, segunda...por ela estava pronta a tomada. Mas talvez um ou outro ator atrapalhava. O Dilin teve dificuldades e nós fomos pacientes com ele, muito pacientes. Quer dizer, um estava fácil demais como a Helena e não dava trabalho nenhum. Mas outro dava mais dificuldades e era mais limitado, era um anão. O anão tem uma psicologia muito complicada, afinal, eu por exemplo com o meu tamanho os caras me chamam de baixinho. Aliás, o Chico eletricista-chefe dizia pra mim que eu escolhi fazer um filme com anão pra achar alguém menor que eu (risos). A gente ria muito com essas brincadeiras. Então, o anão tem uma psicologia muito complicada.
Z- Mas ele é bom ator.
LGS- Você viu que talento ? Ele leva o filme.
Z- Tanto que o senhor chamou ele no “Anúncio” pra fazer uma pontinha ?
LGS- Exatamente. Ele faz bem. Agora eu sustentei, segurei ele assim. É meu papel de diretor, tem que ser meio pai, meio mãe. Esse é o nosso papel, o ator está com dificuldade ? Não chuta ele não porra. Chama ele aqui como pai, beija ele e olha: “Vem cá, você é ótimo cara, você é ótimo. Olha o que você conseguir falar do diálogo, dê o máximo e se você errar não tem importância. Nós cortamos, aí eu mudo a câmera de ângulo”. Um cara que sabe fazer cinema faz isso. Como um tonto aí que me deu inclusive um papel no filme dele e eu falei: “Não tenho tempo”. Aí nos ensaios ele pegou e me cortou do papel porque ele não sabia que eu não precisava declarar o diálogo inteiro. Cinema não é igual teatro: você não coloca a câmera lá e manda o ator fazer um discurso na frente dela com um plano só. Eu dava graças a Deus quando o meu ator errava porque era motivo pra eu mudar a minha câmera de ângulo. Lógico: enriquecia o meu filme, inclusive o “Anúncio de Jornal” que tem quase duas horas ninguém diz que é duas horas. “O Mustang” nem se fala, porque quando o Dilin errava não queria que ele fizesse teatro pra mim não. Eu mato o meu filme se eu fizer isso. Ao contrário: eu pego um bife desse tamanho e picotamos ele mudando a câmera, errando ou não. O cara sabe todo o diálogo com a Helena Ramos, mas eu queria mudar porque eu não queria minha câmera deixando o ator falando lá, não é isso que eu quero não e não é a montagem que vai resolver isso. Eu tenho que começar a montagem na filmagem, quando eu mudo a câmera de ângulo e nós continuamos de outra maneira, acabando levando o espectador a ter uma visão em torno do personagem e enriquece muito mais o meu filme. Mas acontece que os caras não sabem fazer cinema hoje aí sem escola. E no meu tempo não tinha escola, não tinha porra nenhuma de escola de cinema e também não perguntavam pra mim. Se perguntassem eu dava um curso de cinema antes dele começar a fazer o filme dele. Então, esse tipo de coisa assim eu fiz com o Dilin: “Olha, você não tem obrigação de saber”. Esse Pedro Cardoso da televisão aí, falou que ele não decora roteiro não. Ele dá uma lida assim e vamos rodar. O repórter perguntou a ele: “E quando você erra o que faz ?”, e ele respondeu: “Ué, o cara corta e a gente recomeça daqui pra frente. Eu sempre criando, criando, criando”. Ele falou que nunca decorava, dava uma lida e entendendo o que acontecia. Ele recria o diálogo em cima do assunto e o diretor vê e fala: “Está melhor que a encomenda”, porque escrever diálogos não é todo mundo que sabe também não. Você pega um ator criativo que reinventa o diálogo de forma mais interessante ora porque ? “Não, eu quero o meu texto que foi eu que escrevi isso aí”. Isso é uma grande bobagem e uma falta de competência sobre o que é realmente a linguagem cinematográfica. Porque quanto mais você varia o ponto de vista do espectador, mais o filme enriquece em ritmo.
Z- O personagem Escriba funciona como um alter-ego do senhor porque ele é meio obrigado a fazer aquilo do Jujuba e não é o lance do que ele está realmente interessado em fazer. Tem uma hora que ele fala: “É deplorável a situação dos intelectuais na América Latina. Não recebemos subvenções oficiais, não lêem os nossos livros”. Tem a ver isso ?
LGS- (riso) Não deixa de ter haver sim, porque ideologicamente é meu ponto de vista. Embora não tenha sido que escrevi isso, e sim o próprio Marcos. Por acaso, coincidiu sobre o meu ponto de vista. Quanto a ser um intelectual é um alter-ego do próprio Marcos que eu também assumo. A verdade do personagem interpretado pelo Roberto Miranda é a minha verdade também, eu concordo plenamente. Aquilo é real. É uma verdade que eu pactuo com aquela verdade que o personagem fala e aquilo é real. Eu concordo, e não deixa de ser meu alter-ego (risos).
Z- E trabalhar com o Roberto como foi ?
LGS- Foi muito bom. Roberto era um cara pacato, tranqüilo, não me deu trabalho. Ele também não deu trabalho nenhum, não tive dificuldade com ele. Ficamos muito amigos. Nós já tínhamos sido amigos antes no “Excitação” do Jean. Continuamos mais amigos ainda no “Mustang” ele fazendo o Escriba. Foi um cara assim que satisfez bem o papel dele, aquele cinismo dele ele passou bem. Era aquilo que eu queria. A gente discutia, a gente conversava, ajustava ao que eu estava fazendo e aquela intencionalidade que eu queria impor e reunir no personagem ele prestava atenção e era isso aí, esse jeito. Nós trabalhamos muito bem. Você sabe a relação entre atores e diretores ? Ela tem que ser muito estreita quase carinhosa, paternal pra você ás vezes arrancar. Claro que de vez em quando você é obrigado a bater o pé e fazer ao contrário.
Z- No “Mulher, Mulher” quando o senhor foi assistente do Jean, tem aquela famosa cena da Helena Ramos com o cavalo, acho que passando hortelã nela. Como foi ?
LGS- Foi passado nela um melado para o cavalo lamber. A gente faz todas as invenções para obter um efeito. Muitas vezes até você é durão com uma pessoa e não é porque você é durão e menos ainda com ela. É que você quer obter outro efeito, que está difícil de obter através do campo da imaginação então você é obrigado ás vezes a fazer. É uma espécie de trote, pregar uma peça pra fazer uma cena de efeito bem natural. Ás vezes a gente faz isso sim, mas de modo geral a gente procura apelar para o talento dos atores. Agora, filmar com animais é um problema porque animal só filma quando quer (risos), ele só faz graça quanto tem interesse próprio (risos). Agora eu já filmei muito com bichos. Aqueles cães lá do “Mustang”, eu dirigi eles como dois atores e a gente chamava ele pelos nomes que não eram deles não. Mas até um dia deles eu lembrava o nome deles, porque eu dirigi eles. Eu falava: “Vai fulano, deita, morre”. Ele deitava e morria e você vê que eles pareciam atores. Agora pra eles não entrar na piscina, que era perigoso porque a Helena estava nadando lá com o contrato na mão. O treinador deles primeiro jogou eles na piscina pra eles sentirem que era água. E tirou eles pela corrente, pela coleira. Aí eles já sabiam que quando a Helena se jogava lá na piscina eles estavam soltos, sem coleira nenhuma e se eles resolvessem atacar ela lá era perigoso. O treinador estava lá inclusive pra dar uma pancada num ou outro que tentasse atacar ela e fazer o bicho desmaiar. Aí eles já respeitavam e ficavam em torno da piscina com a gente filmando com ela na cena dela lá, nadando com o contrato na mão pra não molhar. Na primeira a gente jogou eles lá pra verem que era água mesmo (risos) e aí eles não se jogaram atrás dela. Acho até que eles perceberam que era uma espécie de uma brincadeira repetida, então eles passaram a participar da coisa (risos).
Z- Bons atores ?
LGS- Bons atores (risos). Eu cheguei a dirigir eles com umas palavras de comando que o treinador deles havia me dado e a gente fez amizade com eles pra não atacarem a gente. Porque eram animais perigosos, dobermans que são bichos psicóticos. São capazes de matar os próprios filhos se tiver exasperado. É uma raça criada não sendo natural, criada em laboratório. Da forma que quando ele fica nervoso, a cabeça comprime o cérebro e aí bloqueia o órgão. Por isso, ele ataca, mata e não solta mais a vítima. Por isso que foi ao mesmo tempo divertido e ao mesmo tempo muito perigosa e cheia de cuidados aquela cena com os cães. O Dilin não sabia mergulhar, nós tivemos que achar um dublê pra ele. Aquele anão que está morto lá no fundo não é ele, é um outro anão que sabia tudo de piscina. Um bom mergulhador e por isso que eu te falei...
Z- Mas seu Luiz, como foi pra chamar um anão mergulhador ?
LGS- Nossa, esses são cheios de habilidades anões de circo. Só o Dilin que era meio assim bicho de mato.
Z- O que ele fazia o Dilin ?
LGS- Ele sempre foi artista de circo, fez comerciais. Depois do meu filme foi pra Tv S e fez um programa que ficou lá bastante tempo. Do Sílvio Santos, sistema SBT e ele vivia bem. Depois, quando terminou o filme, ele perdeu o programa, acabaram com o programa. Ele fazia eventos, lá porém depois ele entrou em decadência e eu vi ele como mendigo na rua. Isso é uma coisa que mais me revolta é ver um cara como o Dilin, cheio de talento morrendo como mendigo na rua. É verdade que ele era terrível, muito difícil e incontrolável. A mulher e os filhos dele não o controlavam ele. Ele era muito difícil em casa também, aqueles problemas complexos do nanismo. O nano, a vítima do nanismo, o anão tem algumas dificuldades psicológicas muito difíceis. E ainda por cima ele bebia e provavelmente se drogasse também. Mas eu cheguei a ver ele uma manhã no viaduto Santa Efigênia, dormindo lá no chão e eu não pude fazer nada. Eu passei ali, fui lá e voltei pensando: “Meu Deus do céu ? O que eu posso fazer ?”. Eu tão sem recursos, tão quase como ele. Não tinha o que fazer e pra onde levá-lo. Depois era um caso de família, de internação e de tratamento. Se ele fosse um anão rico, não tinha problema não faltasse quem quisesse levar ele pra casa, mas ele era um pobre diabo. O problema era esse. Aí a gente e eu passei e voltei e fui embora e fiquei muito tempo sem me livrar da imagem do Dilin como mendigo na rua. Você vê uma atividade dessa, a atividade cinematográfica. Um filme daquele que eu fiz com ele e o papel que ele desempenhou. Não era pra ele ter ganho muito dinheiro ? Não era pra esse filme ter dado muito dinheiro pra mim ? E até pra ele ? E pra mim, e numa hora dessa eu ter recursos pra pegar o Dilin e acolhê-lo dali. Eu não pude fazer isso e é por isso que é uma coisa muito séria o abandono em que se encontra o artista cinematográfico brasileiro. Os da televisão que tem trabalhos continuados, etc tudo bem. Mas os do cinema pegam contratos muito esporádicos, então o cara não tem uma continuidade, um contrato fixo com uma produtora. Daí a transformação do cinema em uma atividade industrial, empresarial. E você poder levar um cara desse, acolher ele numa hora dessa e pelo menos botar ele numa boa pra entregar pra família: “Oh família como é ? Vamos cuidar do Dilin ?”. Não, ele desceu aquele degrau lá. Eu não tinha condição de fazer nada por ele e a família muito pior. Pra você ter uma idéia os filhos eu fiz de tudo pra que eles fossem ver o filme lá na Cinemateca e eles não foram. São cheios de problemas, os filhos dele. A Rosa, Rosinha mulher dele que é grandona e ele um anão casado com uma mulher maior que eu (risos). Qualquer pessoa pode ser maior que eu, mas tudo bem. Ela não foi, eles não foram e são todos problemáticos. Eles trabalham com arte cênicas, são palhaços, animam festas coisa assim e são anões também. Mas olha, pra você ter uma idéia ela falou pra mim um dia desses, um deles que se chama Wagner, o outro eu não me lembro o nome. Ele falou: “Mas mãe, a senhora escolheu logo um anão ?” (emocionado). Rejeição cruel prum pai. Quer dizer, são coisas assim que é a história. Se um dia nós transformamos um dia todo esse material que eu estou te passando em arquivo, um dia você pode a escrever uma matéria pra publicar são coisas que vão compor, enriquecer o seu texto.
Z- Fala um pouco dessa redescoberta dos filmes do senhor por essas mostras do Remier.
LGS- São pessoas que colaboram com a gente. Esse menino aí o Remier, foi um cara que eu conheci e aí eu fui chamado pra ver o Malditos Filmes Brasileiros na Cinemateca. Aí nos demos a se conhecer, coisa e tal e ele ficou porra encantado porque ele é um cara sensível. E me falando: “Seu Luiz como a gente acha os seus filmes ?” e eu: “Puxa, eu tenho uma cópia muito ruim e toda estrupiada”. Ele pegou e achou uma cópia pirata lá no Rio de Janeiro. Exibiu lá na Casa França Brasil e foi um puta dum sucesso que o Alexandre Wenerck do “Jornal do Brasil” ligou pra mim e fez uma matéria por telefone. Eu tenho ela aí e nem sei se você chegou a ver, uma matéria inspirada em mim, no Carlão e todos os cineastas daqui de São Paulo: Cláudio Cunha, nessa mesma matéria que ele começou falando comigo. Aí eu falei abertamente todo esse painel que eu estou passando pra você, passei pra ele e ele compactou e aquela matéria que eu vou te mostrar depois que ele tratou com seriedade inclusive. Foi graças ao Remier que atraiu esse jornalista.
Z- Foi através do Remier que eu conheci também a obra do senhor.
LGS- Então. Eu e o Werneck ficamos quase uma hora no telefone. Ele me procurou uma semana e nós não conseguíamos nos acertar. Até que ele ligou e alguém falou um horário ideal pra falar comigo. Aí bem que falaram certo, e acertamos o horário e deu tudo certo. Fizemos uma matéria muito legal, de interesse geral que é muito melhor. É melhor que a gente faça uma matéria pro cinema brasileiro geral pra esclarecer. Esclarecer para a opinião pública, os agentes do governo dando dados corretos, pesquisados, anotados na ponta do lápis que ás vezes falar de mim, de minha pessoa. Se tiver uma coisa e pegar esse blá, blá, blá meu e transformar isso numa matéria política é muito mais importante pra mim que me elogiar, falar dos meus filmes. Pode até falar, mas dentro de um contexto que sirva a coletividade cinematográfica e atividade cinematográfica como ela é e como ela deveria ser para que ela viesse a ser uma coisa continuada, consistente, séria, respeitada. E não ás vezes objeto de pequenas ironias. O meu vidraceiro, alguém falou pra ele que eu sou do meio cinematográfico e ele um velho me ironizou que a gente até batemos de frente nos encontros e desencontros meu e dele. E depois ele veio cobrar de mim algo que ele é que me devia e aí ele falou: “Esse negócio não é novela não”. Isso é pra quem não conhece a minha obra e a minha vida. Você conhece agora, senão você não viria aqui. A vida é uma novela sim, porque essa coisa do vidraceiro que só faz drama faz parte das novelas sim (risos). Esse prestigiamento da indústria cinematográfica como uma coisa que precisa ser protegida pelo governo como indústria e atividade nacional e não satisfazer pequenos grupos de privilegiados que tem acesso. Até montar um projeto se cobra dois mil, três mil reais. Porra, não é todo mundo que tem esse dinheiro. Eu não tenho esse dinheiro pra montar um projeto. Só teria, se eu vendesse a minha casa, mas eu não. Você pode dizer e apontar o que o governo deve fazer e não o que ele está fazendo. É bom ele continuar fazendo o que ele já faz de bom, mas sem fazer aquilo que é esse negócio da abertura de mercado. Que abertura de mercado ? Em primeiro lugar eu estou mandando mensagens pra eles, estou entregando em mãos. Para o governador Covas, entreguei na mão dele e ele colocou no bolso no salão azul do Palácio dos Bandeirantes. “Dá licença governador”, o Gaúcho botou no bolso dele falando: “É uma carta pro senhor”. Fizemos essa ousadia. O ministro Welfort eu mandei não sei quantos e-mails pra ele, inclusive no gabinete dele em Brasília. Aí entregamos nas mãos deles. E o que me faz o Welfort ? Ele me pega e faz a Ancine. Ela é apenas a perpetuação dos mesmos privilégios dos privilegiados. Ela não me consultou, mas consultou os cupinchas deles do Rio de Janeiro, os amiguinhos dele que interessam a ele. E fez aquela porcaria que é a essa instituição. Que papel que está fazendo a Ancine ? O que ela me acrescentou ? Eu estou com dois filmes aí ditos aí como maravilhosos e importantes e o que a Ancine fez ou está fazendo por esses dois filmes ? O Gaúcho tem um projeto inacabado de um documentário. O que a Agência Nacional de Cinema está fazendo pelo material dele que está envelhecendo lá ? E ele também está envelhecendo....
Z- O que ela faz por essa geração toda: o senhor, o Fauzi, pelo Cláudio Cunha.
LGS- Exatamente. Ela deveria fazer dando oportunidades iguais para todos. Eles não tem que julgar ninguém: “Esse presta, esse não presta. Esse é bom, esse não é. Esse interessa, esse não”. Porque as pessoas que vão fazer os seus filmes tem grupos que concorrem por fora e ganham. Tem influência política, pessoal dos próprios comissionados das comissões. Tem gente que faz um projeto, porra vou procurar a ABD (Associação Brasileira de Documentaristas). Ela pode influir porque tem pelo menos um integrante dela na comissão desses concursos públicos. Aí você fica perdido aqui, só xingando, xingando e xingando. Quando você pega um momento lá um congresso, um seminário de cinema você solta os cachorros em cima de todo mundo e o que você pode fazer é isso. É você falar o que tem que fazer. Esse projeto Só Brasil, a gente distribuiu ele em tudo que é lugar que você pode imaginar. Inclusive dentro no Salão Azul, onde estava o ministro da Cultura, o governador Covas, toda a turma do cinema, da cultura, televisão. Mas o que foi que eles fizeram ? Nada, eles simplesmente não chegaram assim a sentir o efeito. Porque na hora que eles vão fazer, eles pegam aquela idéia que você criou e deu pra eles por escrito e eles chamam os cupinchas deles e deformam aquelas idéias e sai as Ancines da vida, outros concursos, esse sistema de Petrobrás e tal. Ao passo que se eles criassem salas, a única coisa que interessa ao cineasta brasileiro é a garantia da exibição dos seus filmes comercialmente, pra exibir em todas as salas. Nós fizemos um seminário de cinema patrocinado pelo governo do estado de São Paulo há muitos anos atrás, uns quinze anos e nós pegamos jovens dos cantões do Brasil afora. Lá do Norte, do Centro-Oeste, do Leste, lá dos cafundós de Pernambuco. Os caras foram trazidos aqui para São Paulo pelas despensas do governo do estado pra dizer como era feito o audiovisual lá na sua terra natal. Esses caras mostraram o sacrifício que era pra eles fazerem as imagens deles lá. Por isso, que agora graças a aquele seminário e fui eu quem passei para o papel uma semana de gravação, acho que oito horas de gravação. Estavam aqui em São Paulo Nelson Pereira dos Santos, Zelito Viana, pessoal daqui de São Paulo e todo aquele pessoal da nata do cinema e os novatos chegando, se aproximando. Eles tiveram uma semana aqui nas oficinas Três Rios, lá no Bom Retiro e foi gravado tudo aquilo. Eu passei tudo aquilo acho que com dois meses de datilografia passava a fita fonográfica igual a isso aí e datilografava ao pé da letra o que o cara falou. Inclusive pegando alguns colegas da Argentina que também participaram do seminário e eu transcrevi isso e entreguei pro sindicato de técnicos de cinema.
Z- Sindcine ?
LGS- É que o do Tony. Se você ver ele, pergunta pra ele o que ele fez com aquelas transcrições que eu fiz. Você conhece ele ?
Z- Não conheço.
LGS- Quando você for entrevistar ele pergunte a ele que Diabo que ele fez, que o sindicato fez com aquele Diabo de trabalho monstruoso que eu fiz que foi transcrever para o papel aquilo. Aí devolvemos as fitas gravadas para a Secretaria do Estado da Cultura. Então, essas fitas ou estão na Secretaria ou estão transcritas ao pé da letra. Até as reticências que o cara fazia, eu botava os três pontinhos que eu fazia. Sabe um trabalho de cão ? Um cachorro farejando a presa ? Vai pegar, tem que pegar, morre mas pego. Era assim que eu pesquisava e aprendi aquelas gravações e passava para o papel datilografando. Pois bem, está agora surgindo o Doc TV por causa dos caras de lá, de lá, de lá. Sabe alguém deve ter ouvido pra formatar esse projeto aí do Doc TV sendo do nosso trabalho do seminário e fui eu quem transcrevi essas fitas. Um trabalho miserável, mas muito ambicioso da minha parte e infelizmente a gente convenceu o sindicato a fazer isso, fizemos, eu fiz. E aí está aparecendo aí o Brasil e a cara do nosso país escondido, porque todo pensa que a terra brasileira se resuma a São Paulo e o Rio de Janeiro, a gente tem mesmo que acabar com isso. Fugir desse centralismo do eixo Rio, São Paulo. Por isso, estão fazendo filmes bons em Pernambuco, os caras estão botando pra quebrar e fazendo filmes maravilhosos lá e mostrando que não que não é somente São Paulo e Rio de Janeiro que fazem cinema não. Os caras tem talento pra caraco e dá pra fazer o Brasil inteiro tem gente captando imagens. O Problema é o que fazer com essas imagens ? Eu preciso exibir e ganhar dinheiro, preciso vender ! Tem que haver comércio disso aí pô ! Porque o governo não ajuda a gente ? A gente faz as propostas como fiz do projeto Só Brasil. Nunca recebi uma comunicação, tendo falado com a Petrobrás que está assim com o governo, dei uma cópia do projeto a eles e que tenta exibir os filmes dela. Os coleguinhas nossos, a Petrobrás paga trezentos reais por mês pros meninos pra exibir um filme por final de semana. Aqueles produzidos ou patrocinados por ela. Não adianta, porque ninguém vai ver esses filmes nas casas de amigos de bairro, ninguém vai nessas casas de amigo de bairro. Quem dirigi isso são uns carinhas ligados a políticos, umas miasmas que não sabem fazer nada e uma velharia que não sabe fazer nada. Não precisa ser velharia, porque tem gente jovem lá que é velharia também e não presta também. Os caras vinham e iam exibir o filme e ninguém ia ver, não sabiam promover as coisas. Aí falei pros caras da Petrobrás, fui lá na Paulista falar: “Não é isso não. Vocês tem que criar salas de exibição e cobrar ingresso sim porque ninguém vai em filme que é de graça, pensando que é favor ir lá. Tem que cobrar ingresso, nem se for um real mas cobre pro espectador sentir e valorizar o que vocês estão oferecendo. Assim o produtor ou o patrocinador ganhar dinheiro...
Z- Não pode ser tudo de graça.
LGS- Não pode ser tudo de graça senão ninguém dá valor.
Z- Só dão valor quando pagam...
LGS- Só quando pagam. Que cobre barato, mas cobre um, dois reais. Bom, você fez ? Assim foram eles, eu fiz e assim foram eles. Tem a possibilidade de entrar pelo BNDES, mas aí é particular. Não é pra fazer particular, tem que fazer misto, um circuito misto. Que seja público, privado porque quando você vai ler lá, ele não pode ter nada de sala minha pra exibir o filme que eu quero. A sala não é minha, nem sua, nem dele, nem dela, é pública. Você só tem que entrar na fila e respeitar a ordem de chegada e entrada na fila. Vai, exibe o seu filme e toma conta da bilheteria, botando um cara seu na bilheteria. Um outro cara com um carro rolando nas imediações da sala de cinema anunciando o seu filme, pagando o carro de rua e som de rua. Paga a quermesse do padre pra anunciar o filme, pagando pro padre pra anunciar. Faz coisa paga, vai cobrar dinheiro.
Z- A personagem da Helena é dublada no “Patty” ?
LGS- Ela mesma se dubla. A Helena se dubla. Eu dirigi ela na dublagem do “Mustang” e eu sei porque eu que dirigi ela na dublagem.
Z- Ela teve atrito com o Jean fazendo o “Mulher, Mulher” com ele ?
LGS- Teve. Ele fez assédio sexual nela e ela falou: “Não, sou profissional”. Foi o mesmo caso do cara da Haway também com assédio sexual e ela falou a mesma coisa. Ela falou pro cara: “Sou profissional e que não estou aqui pra fazer isso. Se eu gostasse de você tudo bom, mas não é o caso”. Ela sofreu na mão dele em “Mulher, Mulher”.
Z- (espantado) Sofreu ?
LGS- Sofreu.
Z- O senhor viu isso ?
LGS- Eu vi, estava lá. Rolava muita droga e foi difícil. Foi foda, foi foda. Eu acho que isso que era ruim pra mim porque os caras estavam perdendo o sentido da espontaneidade e da razão.
Z- Que coisa...Um cara como ele não precisa disso.
LGS- Mas ele era um casca-grossa, um casca-grossa. Agora era um bom diretor ? Era. Dirigia muito bem ? Dirigia, agora ele fez um filme baseado no roteiro meu do “Mustang”. Os três personagens eram iguais: um ricaço que era feito pelo Benjamin Cattan, um motorista do milionário que era um outro ator o David Cardoso e o patrão que era o Benjamin que não era o anão, mas era feioso, um velho feioso. E a vedete não sei quem era, a mulher. Não me lembro o nome do filme também. Quando terminou o filme, um amigo meu também diretor o José Adauto.
Z- Sim, que dirigiu filmes do Sady Baby.
LGS- Isso. O Zé Adauto morava na minha casa lá no Jardim Tremembé. Eu estive divorciado naquele tempo e o Adauto tava sem casa e me falou: “Não dá pra gente morar lá com você ?” e eu: “Dá, vai vamos lá”. E formamos uma colônia lá, eu o Adauto, o Joãozinho que era enteado Mazzaropi e havia brigado com o Mazza e saiu de casa. Então, foram os outros também pra lá. Tinha outra colega mas foi...aqui. Eu adotava muito, recebia muito artistas que estavam sem casa e passavam a morar na minha casa, adotava. O Gaúcho é prova disso aí. Eu acolho todo mundo que precisava, então quando nós saímos pra ir pra casa, o Adauto só olhou pra mim e viu que eu estava meio calado, sem graça. Aí ele respondeu: “Putz ! Inteirinho o seu roteiro meu”. Nós saímos da pré-estréia porque todo filme tinha essa pré-estréia a meia-noite, qualquer cinema do centro cedia pra gente fazer uma sessão maldita. A gente convidava amigos, técnicos, críticos e nós fomos ver o filme. Chegamos lá, estava o roteiro “Mustang” inteirinho lá. Mas Deus foi tão justo, que foi o único filme dele que não deu sucesso nenhum. Ele tinha lido comigo o roteiro, porque eu havia tentado fazer com ele e o Augusto o mesmo filme.
Z- O senhor tentou fazer primeiro com o Cervantes, porque ele era um bom produtor ?
LGS- Exatamente. Acontece que ele queria fazer o filme, o Jean. Ele era mal caráter, não é porque ele morreu não mas ele sabe que a minha opinião era essa. Eu era amigo dele, mas ele sabia que eu falava pra ele: “Você é mal caráter. Você não é honesto”.
Z- E como o senhor propôs de fazer o filme com o Cervantes ?
LGS- O Jean dominava ele completamente. Ele só botava o dinheiro, fazia muitos favores e só aparecer pra dar umas olhadinhas na filmagem pra não dizer que ele não tinha haver. Aí fomos detalhar o negócio, cena por cena e ele tinha montado todo um roteiro em cima do meu roteiro que ele havia lido pra eu dirigir pro Augusto produzir. E como ele queria só ele dirigir pro Cervantes, aí ele pegou e falou: “Não posso comprar o roteiro”. Ele tentou comprar o roteiro, eu falei: “Não vendo. Eu vou dirigir. Ou ninguém dirige até vencer os cincos anos”. Aliás eu comecei a filmar o “Mustang” faltava quinze dias pra expirar o contrato de cinco anos que eu tinha com o Marcos Rey que eu tinha com ele pra eu perder o roteiro de volta. Quinze dias, fiquei num suspense (risos). Você acredita ?
Z- Foi milagre seu Luiz ?
LGS- Milagre, coisa de Deus, justiça. Ele o pai lá em cima estava olhando pra mim: “Não é possível”. Eu fiquei cinco anos rodando com aquele roteiro debaixo do braço e ninguém queria me dar oportunidade porque ninguém acreditava em mim. Aí eu comecei com os caras do “Menino da Porteira” que haviam feito o filme com o dinheiro do mês, da semana meu, do Gaúcho que nós devolvemos pra produção pra terminar o filme. A rodagem foi feita lá em Araraquara pra vim com filme na lata, somente com o nosso salário. A Topázio começou o “Mustang” e aí já peguei material eu pude mostrar pra Haway. Mas eles eram gananciosos e não sabiam quem era bom diretor e quem não era. Eles pegaram e aceitaram o meu projeto, e aí eu dirigi e foi um dos filmes que eles rajaram de ganhar dinheiro as minhas custas e nas minhas costas e me deram muito pouco. Me roubaram. Eu fiquei sabendo que esse filme foi exibido na Argentina e eu não recebi nem o borderô de lá nem nada. E eu conheci um cara que me falou que tinha visto o filme na Argentina. Ele não foi exibido...
Z- O Brasil afora o senhor não ficou sabendo ?
LGS- Não, não tive acesso.
Z- O senhor não tem noção de quantos espectadores teve o filme ?
LGS- Não, não tenho. Tem os borderôs falsos, eles me davam cópias de borderôs geral e tiravam o meu percentual lá. Mas davam tudo rebaixado e eu acompanhei o filme em todo lugar que foi exibido eram salas lotadas, mas muito lotadas mesmo. E no entanto, eu recebi uma mixaria que seria o equivalente mais ou menos a cinqüenta mil reais.
Z- Eles lucraram muito mais ?
LGS- Muito, muito, muito mais. Aí foi assim: nisso eu fui roubado muito com os meus roteiros. E tem um que eu ainda não vou te falar não, porque eu estou entrando com ação e não quero prejudicar a ação. Mas é uma emissora de TV que roubou uma obra minha inteirinha.
Z- Tem haver com os dois filmes ?
LGS- Não. Obra literária, publicada. Um conto que eu escrevi e publiquei. Mas eu não vou falar, porque a gente está preparando um processo e por enquanto deixa pra lá...
Z- Indiscutivelmente o grande apelo do seu primeiro filme foi a Helena Ramos. O cachê dela foi maior que dos outros atores ?
LGS- Eu não me lembro, mas tenho anotado nos contratos aí que fui eu que assinei o contrato com s minha produtora, América Internacional Filmes que ela foi contratada. Eu entrei com elenco, parte da produção e roteiro. Eu entrei com um bom patrimônio, vinte por cento era muito pouco para o que eu tinha investido. Mas é contrato leonino que eles fazem, eles sabem quando a gente está economicamente enfraquecido e eles esfolavam o diretor e autor do projeto. Aí a sua pergunta, o salário: ela foi o maior salário do filme, não me lembro quanto foi. Eu tenho impressão que foi cinco milhões de cruzeiros, era cruzeiro naquele tempo e não sei o equivalente hoje. Mas ela foi o cachê mais alto. Ela já era uma estrela entende ? E outro que o pessoal que trabalhou no filme tinha gente importante, mas ninguém estava na crista da onda como a Helena Ramos. Tanto que ela terminou o meu filme e foi fazer o “Mulher Objeto” que é também o que acontece no “Mustang”. Foi uma chupada assim de leve assim no “Mustang”. Quem assisti o filme, vê que é uma mulher e seus problemas sexuais sendo objeto e o marido só quer ela como objeto decorativo. Acho que é isso né ?
Z- É mais ou menos isso, produção do Aníbal.
LGS- Do Aníbal e direção do Silvio de Abreu. Boa direção, por sinal bom filme , excelente filme. Tecnicamente muito melhor que o meu, sem dúvida nenhuma. Muito mais bem produzido, o meu foi produzido por aqueles dois moleques da Haway. E eu ainda brigando com eles pra tentar melhorar as coisas e não dava. Mas o Massaini sabe produzir e sempre soube produzir. O Sílvio um cara também experiente, fazendo uma direção tranqüila e que não foi atormentada como a minha.
Z- Uma situação mais favorável. Tem muitos outros grandes atores: Nuno Leal Maia, Kate Lyra...
LGS- Kate Lyra, foi um puta dum elenco.
Z- Trilha sonora com Os Originais do Samba, uma parte. Tinha uma grana bem maior.
LGS- Tinha, tinha mesmo.
Z- E essa idéia de filmar quase o filme todo na casa é pra baratear ?
LGS- Tem muita coisa e tinha muita coisa pra baratear. O meu plano é inclusive fazer um remaker do “Mustang”. É meu sonho fazer um remaker. Porque tem muitas cenas que eles cortaram na produção, não deixaram eu produzir. Então, o anão na televisão tem umas cenas do programa, eu lembro de uma porção...Ah ! O enterro do anão no final era sensacional e o Escriba ia lá chorar lágrimas de crocodilo no cemitério. Eles cortaram a cena.
Z- O senhor chegou a filmar isso ?
LGS- Não, eles cortaram na produção e eu não cheguei a filmar. Se recusaram a produzir e eu não pude mover uma ação contra eles, porque eu precisava deles. Foi uma situação muito delicada, um dia eu ainda vou escrever sobre isso e você vai ver.
Z- O final era outro ?
LGS- Eu adaptei daquela maneira lá, mas era muito mais rico o final com o Escriba acompanhando o enterro do anão. A Associação de Pais e Mestres e as crianças chorando a perda dele, que era o ídolo deles e todo mundo no cemitério. Isso eles não produziram e você sabe: o filme foi castrado de tudo quanto é jeito.
Z- Mas o tom do filme tem o crime, mas é uma comédia ?
LGS- É uma tragédia para rir (risos). Tem um pouco de humor inglês.
Z- Os personagens são muito engraçados.
LGS- São muito engraçados. E você viu que naquela sessão que você viu na Cinemateca havia um grupo lá de espectadores que realmente riam muito. Porque outros realmente viam o lado da mulher caçada, o assédio sexual em cima dela, da mulher.
Z- Como foi a idéia da casa do Jujuba que tem umas fotos dele com o papa. De onde surgiu isso ?
LGS- Eu queria fazer o seguinte: mostrar o exibicionismo do anão, o egocentrismo dele ao lado do papa, ao lado do Kennedy. Na situação ele chaga andando e ele mostra pra Clorofila e ela fala: “Nossa, Jujuba. Você esteve com toda essa gente ?” e ele responde: “Estive sim, são meus amigos”, qualquer coisa sim que ele responde né ?
Z- Acho que sim, é muito engraçada essa parte.
LGS- É muito engraçada a pretensão dele de estar ao lado do papa.
Z- Pô, falar em coisas assim na época da Ditadura era uma coisa assim audaciosa ?
LGS- Audaciosa.
Z- Os censores não perceberam isso ?
LGS- Não perceberam. Aliás tem várias coisas lá, inclusive o próprio triângulo deles ali na época era muito significante para o que a Ditadura representava para a sociedade brasileira. Era realmente um exemplo que o Escriba fala: “A ação dos poderosos sobre os mais fracos”, etc. O entrecho todo do roteiro revela exatamente o poder dos ricos sobre os desvalidos, os menos beneficiados pela sorte na vida. Se transformam em joguete na mão dos poderosos. Isso se contextualizava com a própria Ditadura, mas eles deixaram passar e os portugueses cortaram antes muita coisa. Porque o negócio deles era só ganhar dinheiro, não era falar verdade, nem coisa nenhuma. O problema deles era apenas e meramente o fluxo de caixa do filme. Só isso, não tinha outro interesse. Eles podiam até um fluxo maior se tivesse um lucro maior se tivesse produzido direito, integralmente. Eles não confessaram, nunca confessaram mas é fácil perceber que o negócio deles era botar mais um filme na tela. Detinham na imaginação deles, uma fábrica na rua Turiassu de filmes. Era um movimento aquele escritório deles, de manhã a noite e você precisa ver: diretores, produtores, técnicos. O Álvaro de Moya era um dos divulgadores dele lá.
Z- Que trabalhou na Excelsior.
LGS- Trabalhou na Excelsior e em uma porção de lugares.
Z- Dirigiu na Boca um longa. O Eleutério fotografou.
LGS- É dirigiu.
Z- Por que o senhor ficou muitos anos de fazer o “Anúncio” ? Uns dois, três anos ?
LGS- Foi até rápido. Porque os caras que produziram “Patty” comigo me sabotaram e levaram um ano e meio só enrolando querendo que eu entregasse o filme por qualquer dez mil reis. Mas eu fui duro na jogada: “Não. Eu quero a renda, a receita”. Eles por vingança depois me roubaram toda receita, mas eles ficaram um ano e meio quando eles tinham todo recurso pra trabalhar em três meses e o filme estar pronto e na praça. Eles chegaram a dominar 600 salas de cinema. Portanto, eles não precisavam de ninguém pra passar os filmes deles, ganhavam só com as salas que eles dominavam. Ou eram donos ou arrendavam ou ainda o dono do cinema era programado por eles. Mas o interessante é que eles detinham esse número expressivo de salas pelo domínio deles. Os portugueses foram enrolando, enrolando e também porque não mostrando o meu filme, ninguém via ou sabia que eu era cineasta. Só acredita quando vê. Sem exibir, a fita não existia e eles ficaram enrolando pra lançar o filme sendo que podiam lançar a hora que bem entendessem. Aí eu atrasei pra vender o projeto do “Anúncio de Jornal” com o Ademir. Aí acertei com ele e foi infelizmente na hora que lançou o filme onde houve a mudança. Os caras começaram a pensar mais no sexo explícito e o golpe da Sul Paulista através do Magalhães que pensavam que a gente tinha dinheiro pra fazer as cópias. Eles que tinham, porque tinham contratado a gente. É um mercado muito sujo viu, os caras são muito desonestos e não tem piedade nenhuma sobre o seu sacrifício. Foi por isso que eu demorei pra fazer outro. Eles suguraram pra concluir o filme e ficaram segurando pra lançá-lo e sempre insinuando se eu não queria vender minha parte. Aí eles pegaram o que quiseram, afinal, eles estavam acostumados a fazer isso com todo mundo lá. Eu acreditei na bilheteria do filme e eu não estava errado, só que eu não sabia que eles tinham como me lesar e me roubar o quanto quisessem. Era isso que controlava toda a renda do filme, recebia os borderôs, etc. Aí foi por conta dessa razão e não era fácil também sair de um filme e já entrar em outro imediatamente.
Z- Eu perguntei pro senhor, porque muitos dirigiam um atrás do outro. O Ody Fraga por exemplo, é um atrás do outro.
LGS- Como o Jean, que era fixo com o Augusto e o David. E o primeiro filme deles não teve esse problema de amarração, foram lançados, exibidos e devem ter dado dinheiro logo. Aí engrenou, mas eu não fiz uma produção bandida, com bandidos. Os caras reconhecidamente bandidos, todo mundo processou os caras da Haway, todo mundo. Eu conheço um advogado que cansou de ganhar causas da Haway e por trapaças dos portugueses e aí ele entrava com uma causa e ganhava. Hoje ele é político inclusive. Qual é o nome dele ?
VR- João Manuel.
Z- Aquele do partido do Eymael ?
LGS- Acho que é ele mesmo. Ele ganhou muito dinheiro dos portugueses, processando eles.
VR- Com a Sul também.
LGS- A Sul também. Os caras erravam e ele entrava com a causa e os caras pagando ganhavam.
Z- Vamos falar do seu segundo longa. De onde veio a idéia de basear o filme numa canção (“Anúncio de Jornal”) ?
LGS- Boa pergunta. Eu estava aqui nessa casa e a dona Maria que está fazendo aniversário agora e nós estávamos comendo o churrasco dela aí. Ela estava com o rádio ligado e estava no ar a Julia cantando “Anúncio de Jornal”. Aí eu parei e falei: “Olha só que negócio interessante”. E fiquei até o fim e terminou fiquei viajando: “Pô, que belo filme daria essa história aí. O cara que fizer esse filme, vai fazer uma bela fita”. Mas eu não sabia que dois anos depois, era eu esse cara (risos). Aí comecei a amadurecer a idéia na cabeça, fazendo a sinopse numa página. Mostrei pro Gabino, que é o pai e empresário da Júlia Graziela, procurando saber onde ele estava. O achei num estúdio na Paulista e falei: “O que você acha de fazer um filme sobre a canção da Júlia. Eu sou da área de cinema e estava procurando alguma coisa assim interessante. Você não quer examinar isso não ?”. Eu entreguei pra ele a sinopse de uma página, que era o miolo da história. Ele ficou encantado e nós começamos a negociar, eu indo a casa deles e andando, contatamos a gravadora dela, Polygram. Eles se dispuseram a fornecer os fonogramas e aí eu peguei e fui ver o Ademir como produtor. Eu falei mais ou menos o que estava fazendo e ele me falou que achava que dava pra fazer porque estava com bastante ajuda do meio da produção cinematográfica. Topamos fazer, e o orçamento foi feito: dois milhões e quatrocentos mil cruzeiros. Era um orçamento hoje de uns quinhentos mil reais, aí passei pro Ademir. Em dólares, dava cento e vinte mil dólares, acho que era isso que equivale a quinhentos mil reais hoje. Ele falou: “Vem aqui buscar o cheque”. Mas eu falei que não, que não era o jeito correto. Aí resolvemos, ele passou o cheque e eu dei um contracheque porque iríamos fazer o filme e eu falando pra ele botar isso na minha conta. O diálogo foi esse: “A compensação resgata e vai pra minha conta. De repente, eu saio na rua sou atropelado e morro. Minha família que via receber, você não existe. O saldo é da minha conta pessoal. Toma o meu contracheque”. Assinei o cheque de mesmo valor e convidei o Gimba que tinha sido ator comigo o personagem Negrão no “Mustang”. Ele é mulato e índio, mameluco: índio e negro. Mas é chamado no meu primeiro longa de Negrão: fulano de tal da Silva negrão. Aí chamei o Gimba e falei: “Pega um bom punhal, uma boa peixeira”. Era o tempo do overnight, em que o dinheiro girava feito louco. Em horas assim, você ganhava muito dinheiro com a inflação galopante de 86% ao mês, um absurdo. Eu não vou perder uma hora, vamos pegar lá em dinheiro. Fomos na Paulista, sacamos o dinheiro e botamos numa sacola. Eu ia levando e ele discretamente olhando de todos os lados. De ônibus, nós nem pegamos táxi. Olha a falta de dinheiro da gente e a gana que eu tinha de ganhar dinheiro pra fazer o filme, pensando em economizar desde o primeiro momento. Nós fomos de ônibus pra Boca do cinema e eu depositei na minha conta num banco que não existe mais. Deixei uma semana lá, só pra eles verem que eu poderia fazer um negócio lá porque eu tinha pedido um empréstimo um ano antes e eles me negaram um empréstimo mixuruca. Eu queria fazer um ensaio pra saber se valia a pena pegar um dinheiro bancário. Os caras me fizeram passar a maior vergonha, me trataram muito mal. O Denis que era o gerente me sacaneou e acabou não me dando empréstimo. Aí eu fiz questão de querer depositar na minha conta. Ficou uma semana no over night, tudo e perguntei quanto que eu tinha. Já tinha dado dois milhões, e já fui sacar. Me perguntaram por que eu ia sacar tudo, e eu falei na cara: “Porque eu vou pro Bradesco ali na frente”. Eles me questionaram pra eu deixar lá, mas eu falei que já tinha uma conta lá e vou depositar lá. O Dênis, o gerente não se conformou mas ficou assim...todo assim, mas calou-se porque ele sabia a humilhação que ele me fez passar. Peguei o dinheiro, segui na Santa Efigênia porque na frente na Duque de Caxias tinha o Bradesco, que eu abri a conta lá que eu havia previamente aberto lá: dois milhões e setencentos e tantos. Rendeu em uma semana trezentos e mais alguma coisa...e aí eu comecei a trabalhar no filme. Contratei um casal de escritores, o Pedrinho e a Camila e nos internamos aqui nessa casa por vinte dias criando. Acordávamos no meio da noite: “Lembrei tal coisa” e anotávamos. Foi uma coisa muito maravilhosa, esses vinte dias que ficamos aqui a gente nem saia na rua. Essa rua era uma estradinha de terra, bairro não existia e tudo parecia uma fazendo. Nada dessas casas naquela colina lá em cima, era uma ou outra e está tudo demolido daquele tempo. Terminaram os vinte dias, paguei a eles e aí peguei todo o material que nós escrevemos, três malucos. Fazíamos a nossa comida, tudo e vivemos internados aqui. Muito legal, uma verdadeira internação (risos). Aí peguei os vinte dias de trabalho realizados entre nós três e eu paguei a eles que foram embora. Aí eu fiquei mais um mês, um mês e meio na minha costura, sozinho nessa maquininha aqui. (Seu Luiz aponta pruma antiga máquina de escrever dele).
Z- O outro também foi escrito nessa maquinhinha ?
LGS- Os dois foram feitos aqui. Só o primeiro tratamento que eu escrevi numa maquina elétrica dum amigo, que é igual essa outra (aponta pra uma outra máquina, mais moderna) que o Gaúcho me deu. Essa aqui eu ganhei dele agora, uma máquina elétrica. Fiz o roteiro e aí começamos a juntar a produção, pessoas, elenco, técnicos. Alugamos escritório no Anhagabaú, o edifício Zazul um prédio altíssimo lá e começamos a fazer a produção desse meu segundo longa. Dentro de três meses, filmamos trinta dias e aí a Júlia e o Gabino sumiram e eu deixei ela por último. Era a primeira vez que ela fazia e eu queria que ela visse a gente filmando pra entrar no espírito da coisa. Mas aí acho que eles entenderam e precisavam de dinheiro. A Júlia é que era o carro-chefe da família, porque os discos vendiam muito, ela fazia muito sucesso, muitos shows, viajavam muito. Eles pegaram e viajaram pra fazer show no Brasil inteiro quando eu fui pegar pra filmar trinta dias depois cadê a Júlia ? Aí fiquei um mês esperando ela voltar de uma turnê com o saco na mão e se acontece alguma coisa com ela ? Eu já filmei o filme todo em cima dela, sem a participação dela própria. A Júlia chegou e eu falei: “A gente vai filmar tudo hoje, tudo que está no filme eu filmei em vinte horas de trabalho.
Z- (surpreso) Tudo ?
LGS- Tudo em vinte horas. Todo mundo ficou assim arrebentado, ela inclusive. Aí peguei ela de manhãzinha quando completou vinte horas e botei na Kombi no buraco da garagem minha aqui. Era só buraco, só tinha essa parte da casa e me joguei morto na cama de roupa e tudo, e morri durante umas dez horas (gargalhadas).
Z- A Júlia quando foi participar do filme, ela sabia que era uma fita de pornochanchada ?
LGS- Eu devo ter falado. Ela não participa de nenhuma cena mais erótica. Eles até reclamaram, que podia ter mostrado um pouco a sensualidade da Júlia. Mas esse filme, eu tinha imaginado assim: representar aquela família tradicional brasileira e latino-americana bem posta, regular: pai, mãe, todo mundo certinho. E aí vai e começa a degringolar porque tem a história da protagonista, que é a secretária. Que a Júlia não faz a secretária. Você vê que ela faz um arauto...
Z- Ela faz ela própria
LGS- Em vista do arauto que a gente encontra nos textos do teatro antigo: grego, romano. O arauto é quem conta história e ela realmente na música conta a história. Então, ela faz a artista Júlia Graziela mesmo.
Z- Uma amiga de infância da protagonista.
LGS- Uma amiga de infância da Blanche, tal.
Z- De onde o senhor tirou o nome Linda Blanche ? É um nome diferente.
LGS- Esse nome quem deu ele senão me engano...Nós tivemos uma conversa aqui entre eu, o Pedrinho e a Camila, a mulher dele. Ele foi meu assistente no “Anúncio”. Foi isso aí. No bate-bola aqui, falei: “Um nome lindo que tem que ser”. Eu estava pensando num nome lindo, Linda...uma artista Linda...Linda Batista, aquela menina do “Vampiro da Noite”. Eu lembrei daquilo lá e eu começamos a falar diversos lindas. Até que veio Linda Blanche ou fui eu que falei ? De repente aí surgiu o nome e ficou. Um nome gostoso né ?
Z- Um nome diferente, chama a atenção.
LGS- Chama a atenção, verdade.
Z- O filme parece muito “O Gosto do Pecado” do Cláudio Cunha. O senhor tem haver ? O senhor viu o filme ?
LGS- Não, eu não me lembro nem de ter assistido. Será que ele fez antes de mim ?
Z- Foi antes em 80.
LGS- É de 80 ? Eu fiz em 83, 84. Eu não tinha nem pensado e eu não vi até hoje. Não assisti esse filme do Cláudio. Assisti a outros: “O Dia Em Que o Santo Pecou”, um ou outro filme mas esse eu não assisti não.
Z- O senhor pensou em chamar a Helena ? Porque o senhor já tinha trabalhado com ela no “Patty”.
LGS- Não, porque a Helena não cabia no filme. A protagonista era uma menina, bem menininha mesmo como você viu. Precisava ter uns vinte e dois anos. Aí eu procurei, procurei, procurei e acho que o próprio Daniel, que me indicou. Eu conheci uma menina que trabalhava lá no sindicato, no Sated e eu quero uma menina bem assim...uma tetéia, bem delicada. Não precisa ser grande atriz não, a gente faz ela atriz na direção. Mas tem que ser assim uma coisa de porcelana e a Helena ficou bonita como uma boneca de porcelana ?
Z- Sim.
LGS- Aí eu chamei ela e veio consultei, examinei, conversei e vi que tinha uma formação intelectual interessante, colegial. Filha de professor e aí contratei ela. Fizemos alguns ensaios, dei o roteiro pra ela ler e ela se apaixonou pelo roteiro. Aí começamos a filmar com a Eliana e tocamos o filme. Chamei o Chicão: Chico de Franco...
Z- Isso. Ele faz uma participação especial como um namorado, enfim, um cara que cata uma amiga dela. Como foi essa participação dele ?
LGS- Foi muito fácil. O Chico era meu amigo, a gente já se conhecia ele da Boca e a gente dirigiu ele fácil. Ele já tinha muita experiência, tinha feito novelas, seriado do “Gerônimo”. E foi fácil dirigir o Chico. Ele não dava problema, era um meninão, brincalhão e foi fácil dirigir. Ele dançou bom na boate o rock paulera.
Z- E de onde o senhor tirou aquela casa ? Que ele tem e parece uma mansão.
LGS- Ah sim...Ali eu compus os exteriores: uma fonte, assim e nos filmamos em Itapecerica da Serra. Nós pegamos emprestados uma casa muito legal lá, que eu não sei quem foi que me arrumou lá. Acho que nós até alugamos a casa pra gente filmar. Aí filmamos a cena, a entrada lá na casa lá. A gente compôs uma casa com duas ou três casas, dois ou três ambientes. E deu o que deu no filme lá.
Z- O senhor não pensou em dar um papel maior pra ele ?
LGS- Não, porque não tinha mesmo. O meu papel mais adequado ao Chico era aquele lá. Eu perguntei se ele sabia dançar rock e ele falou que sabia (risos). E aí fiz aquelas perguntas de praxe, aquele interrogatório pra ver se ele estava adequado pro papel. Ele falou: “Olha o papel é meu”. Eu tinha lido, e depois dei pra ele ler e perguntei: “Você topa fazer ?”. E ele: “Vixi se topo ? Topo sim”. Aí fomos discutir preço, mas eu não me lembro quanto foi. Aí ficou esperando até que a gente marcou o início das filmagens. Aí eu fiz um organograma, pra ter as datas os atores que iam entrar. Botei na parede do escritório lá no Zazur e aí nós fomos tocar a produção. Aí começamos as filmagens e chegou as datas e ele foi entrando. Porque não é assim: a gente ordena as coisas ás vezes até desordenando. Tudo depende das conveniências da produção: se é exterior, se é interior. Então, se reserva sempre interiores porque se chove por exemplo. No dia que chove, você vai fazer os interiores. Não é Gaúcho ? Ainda lembra disso ? (risos).
VR- Faz um mapa.
LGS- Faz um mapa da produção de filmagem.
VR- O fluxograma de produção.
LGS- Um fluxograma. Você extrai as cenas, põe num mapa e faz muito o interesse e você tasca o campo e é só pauleira. Puta merda rapaz, cada filme que eu faço eu tenho impressão que eu tinha que me internar numa clínica de repouso (risos). Porque é incrível, eu acabo fazendo as coisas tudo sozinho no final. Nesse “Anúncio de Jornal”, puta que pariu ! Você vê que eu fui levar o motivo do filme que é a Júlia fui levar ela na casa dela em Moema no último dia de filmagem na própria Kombi velha que eu carregava todo o equipamento do filme. E aí envia daqui, nesse buraco que era a minha garagem: um buraco só, cavado no chão aqui e joguei aí e parecia que estava bêbado (risos), mas eu estava com sono. Eu caí na cama e dormi até a hora de acordar. Não tirei nada, tinha a pouco risco naquele tempo do carro ser encostado. Aí comecei a entregar as coisas, os equipamentos que estavam alugado e no dia seguinte voltamos pro escritório. Vamos fazer o rescaldo: o material estava todo na lata, vamos ver no laboratório e aí vamos esperar uns dias e vamos partir pra edição, deixamos tudo pro Ademir. Ele caiu em cima e fez. Eu não sei se você quer entrevistar o Ademir, ele é meio arredio. E a experiência desse filme pra ele não foi muito boa e ele está meio armagurado. Mas ele foi muito importante, despejar a amargura dele porque ele tem toda a razão. Ele continua tendo toda a razão. Foram os bandidos do mercado cinematográfico: os exibidores que nos sacanearam. E nem eu e nem ele ganhamos dinheiro com esse filme.
Z- Só perderam ?
LGS- Só perdemos.
Z- Metade o senhor e metade ele ?
LGS- Não...Na verdade sim porque roteiro, trabalho, mão-de-obra. Porque ele apareceu no campo de filmagem duas ou três vezes.
Z- Mas em dinheiro ?
LGS- Em dinheiro eu não botei um tostão furado. Mas botei dois meses e um trabalho gigantesco que valorado devidamente dava um bom capital como roteiro, argumento, direção de produção, direção do filme. Porque tinha que fazer todas essas coisas, porque eu fazia simultaneamente o que não precisava fazer alternadamente e fui pegando ali: contratação de atores, escolha de roupas. Eu fiz tudo, tudo que eu tinha aprendido a fazer eu puxei pra mim para baratear, baratear, baratear. Tanto é que quando eu terminei, eu estava um palito assim (risos).
Z- Nem comia direito seu Luiz ?
LGS- Nem comer direito eu comia (risos). E era uma energia cavalar que eu tinha durante as filmagens. Tanto é que no último dia foi que eu arriei de uma vez assim, pum. Mas arriei por todo o filme, porque durante a filmagem eu não me dei o direito de arrear porra nenhuma (risos). Não tinha que arrear nada, tinha que sustentar na base da determinação porque dinheiro não tinha pra tudo isso. Pra se folgar não dava, não havia dinheiro pra se folgar nada e nem pra botar gente. Mais ou menos o que eu estou fazendo com essa casa aqui pra construir. Eu vou carregar areia e me divirto com isso. Em fez de carregar areia no meu ombro, ás vezes sozinho ou com ajudante mas tem sido mais eu sozinho e foi a mesma coisa. Quer dizer: eu sou um cara destinado a ser só. Por opção, e ás vezes por opção porque as parcerias na vida por exemplo, o casamento. O casamento me atrapalhava mais que ajudava. Então, acabava sobrando pra mim e como eu pego mesmo: “Então fica com você mesmo. Acaba ficando com você mesmo Luiz Gonzaga”. Eu fiz o pré-roteiro com o pessoal aqui e depois fiz o roteiro aqui sozinho. Porque tinha que ter amarração e eu tinha que economizar o dinheiro o máximo possível. E a over night rolando, rolando e somando lá no capital. Mas também os preços, os custos eram a mesma coisa...Aí eu fui pegando aqui. Eu fui consultor sentimental, casos sentimentais eu tive que resolver, problema de droga eu tive que resolver nesse filme. Um foto still estava traficando droga pra dentro da minha produção, aí a Eliane e o Paulo Leite começaram a ser abastecidos pelo fotógrafo. Aí eu tive que mandar o cara embora, porque ele tinha feito uma barbaridade que eu não me lembro o que foi. Olha não me lembro o que foi...as fotos que ele tinha tirado: ele perdeu todas as fotos e não saíram. Aí o cara estava traficando pra dentro da minha equipe. Eu tive um enfrentamento da Eliane e do Paulo Leite, por causa disso. Porque os usuários ficam estéricos quando falta droga, o alimento deles. E aí começaram a querer mudar o sentido do filme: “Ah não, mas mulher não chora mais por estar grávida”. Mas eu fui duro na queda: “Essa personagem não é igual a você que já fez muitos abortos. Essa menina aqui era a primeira, cabaço e ela nunca fez aborto. Entende ? Ela é pura, uma filhinha de família e você não pode ser assim”. Se você está fazendo o papel de uma menina pura, você não precisa ser purinha embora isso não tenha nada a ver. Mas a personagem era inocente, ah rapaz foi difícil ! Numa cena lá em Pinheiros e ela chegou e cruzou os braços: “Não vou fazer a cena”. Eu tive que intervir: “Eliane, não vou sair daqui também”. Era uma cena em que ela vai fazer com o médico abortivo lembra ?
Z- Mas ela nem faz o aborto, chega alguém e grita e ela desisti.
LGS- Tem uma outra paciente na clínica que entra antes que ela, completamente apavorada. Minto: a hora em que ela trata com o médico e fala: “Olha doutor, eu nunca fiz aborto”. “Isso não tem problema minha filha, isso não faz mal nenhum a ninguém. Você não vai ter nenhum problema”, respondi o médico com cara de raposão. Foi o Vadner, nosso amigo que fez. Onde anda ele ? Sumiu. Aí ela vai indo embora pra ir fazer o aborto e quando ela está esperando na sala de espera desce uma menina e grita pela irmã: “Vocês a mataram ! Vocês a mataram !”. A Aline, aquela polonesinha, loirinha que fez muito bem a cena, boa atriz. Aquele grito dele é terrível, você vê a gritaria: é um choque. Aí você vê a palidez da Eliane, da Blanche. E aí dá o fora também e não tem coragem de fazer o aborto e vai enfrentar a vida. Tenta o suicídio, tal e por isso ela está andando pelo centro e se joga.
Z- Sim e aí o mais genial é que o filme muda completamente. Porque estava aquela coisa meio de pornochanchada, mas depois muda totalmente..
LGS- Exato. Muda totalmente e agodiza e dá um pique e sobre vertiginoso e vamos partir pros finalmente.
Z- E centraliza no personagem masculino.
LGS- Aí centraliza no personagem masculino. Ele faz muito bem, um cafajeste de marca maior o Paulo.
Z- Mas depois ele vira.
LGS- Ele era um cafajeste porque o fizeram de cafajeste. Mas na verdade, era um sentimentalzão. A mulher tinha sacaneado ele...
Z- Fugido com os filhos dele.
LGS- Aquele negócio porque a ex-mulher dele chama Medéia: ora eu peguei o teatro grego, é Eurípedes inteirinho até os diálogos. Até os diálogos porque a Medeia na verdade mata os filhos porque Jasão trai ela com a princesa do país que a exilou. Está em cartaz aí no teatro, parece que alguém está fazendo. Aí eu adaptei para os tempos modernos. Eu queria provar com aquela seqüência da Medeia de que a mulher de hoje não mudou em nada com a mulher de dois mil e trezentos anos atrás. E você viu que era um cachorro, eles vem que hoje a fera da Penha em que ela matou a filha do amante, uma criança pra fazer ele sofrer. É a síndrome da Medeia, o complexo da Medeia. Ela mata o filho de alguém, inclusive dela mesma para fazer alguém outro que ama aqueles filhos sofrer. Eu adaptei para os tempos modernos e quem conhece o teatro clássico grego percebe e valoriza ao filme, dá um grande valor. Agora quem não conhece, dá um grande valor também pela intensidade das cenas e seu significado.
Z- Por que o senhor muda completamente ? Porque no início ele trata ela como mais uma, a jogando fora. E depois ele se apaixona.
LGS- Aí sim, acontece o seguinte: o papel do Paulo Leite eu me inspirei no arquétipo também. O arquétipo do Don Juan, aquele clássico que nasceu e creceu um moço bonito, tão bonito, tão bonito que ele se apaixonou e a mãe o abandonou. Aí por vingança, ele cresceu um moço muito bonito e usou a beleza dele pra se vingar de todas as mulheres, universalmente. A instituição mulher era universalizada nas amantes que ele tinha tendo sucessivamente e as abandoná-las pra fazê-las sofrer como se elas fossem a mãe dele. Você vê que a secretária executiva é uma mãezona dele, parece uma mãezona.
Z- Uma loira.
LGS- A loira é a Noelle Pinne maravilhosa, gente finíssima e não deu trabalho nenhum. Um papel difícil, forte.
Z- E tem uma hora que ela dá pra ele e fala: “Domingo eu não posso porque tenho que ir na Igreja Presbiteriana do Tucuruvi”. Isso é genial.
LGS- A Igreja Presbiteriana: primeiro tem um estudo publicado na Imprensa que prova grandes coisas. Foram os presbiterianos que fundaram o Mackenzie e essa instituição foi uma dos colégios e faculdades que ajudaram a Ditadura Militar no Brasil. Aí eu botei isso. Vem me perguntar ! Vem e ninguém veio.
Z- Primeira vez ?
LGS- Só sei que ficaram mordidíssimos. Inclusive a minha ex-mulher lá e os familiares dela a levaram para esse tipo de igreja. Nós casamos católicos, eu casei católico. Ela se converteu a presbiteriana e aí eu peguei e coloquei isso com um motivo pessoal também. Mas na verdade, eu tinha pesquisado e tem estudo aí no jornal revelando que a faculdade Mackenzie era colaboradora através da CIA e passava informações pra lá e pra cá de gravíssimo valor paras os americanos. Eu não podia deixar de desafiar a igreja presbiteriana no Brasil e em São Paulo. Então foi essa a jogada. O filme é cheio de conteúdos verdadeiros, não é mera ficção não. Qualquer ficção é mera realidade (risos).
Z- Mas o senhor muda por que ? Ele vê que a mãe não era tanto assim. Por que essa mudança de comportamento do personagem ?
LGS- Aí o seguinte: de repente ele é fisgado pela mosca do amor verdadeiro, que é o amor por Blanche. Que ele havia descartado já e ele só percebe depois que a abandona. Ele sai procurando ela por todo lado, ela não está mais na casa dela. Eu filmei aqui na Patriarca mesmo essa cena. Inclusive essa casa é a casa do meu irmão. Ele não mora mais na casa, é alugada pra outra pessoa inclusive. Aí ele começa a se degradar: ir nos bares, beber...
Z- Não consegue mais transar.
LGS- Não consegue mais transar na impotência mesmo. As duas moças que ele acaba pegando não consegue fazer mais nada e começa a definhar, ir pro buraco. Até que ele chega a um quase suicídio. Aquela coisa: foi suicídio ? Não foi suicídio ?
Z- Antes seu Luiz tem uma cena genial que ele enche a cara e ele fica no centrão. É a melhor cena, junta uns tipos vagabundos. É do caralho essa cena.
LGS- Ah sim aquela cena do túnel em que ele vai pro viaduto do Chá. Isso mesmo, ele bebe com o anão no escritório e os dois saem e quando ia filmar os dois ele estava andando ali com o Dilin. Você não acredita: o filho da puta do Dilin faltou a filmagem !
Z- (surpreso) Sério ?
LGS- Eu não titubeei: filmei sem ele e botei o Dilin e o cara falando: “Aquele anão filho da puta me abandonou de novo. Me deixou sozinho”. Isso aconteceu porque ele faltou e estava abraçado no escritório estavam enchendo a cara lá. Ele sairia pra rua ali com o anão e aí encontravam com aquela trupe de malucos que era um conjunto musical que nós encontramos. Foi o Pedrinho que trouxe, eram uns parentes dele que foi o co-roteirista comigo e aí o Dilin não veio. Então, ele não veio filmar e estava faltando nas filmagens. É complicado o anão, eu fui muito paciente nos dois filmes com ele e eu sabia que ele tinha problemas, mas que era muito talentoso. Eu queria aproveitar a parte talentosa dele rapaz, mas não é que ele faltou naquela cena ali ?
Z- Mas ficou melhor ainda, quem sabe se ele tivesse ido não tinha ficado a mesma força.
LGS- Talvez até não tenha a mesma força porque o cara estava sozinho e depois encontrou com aqueles loucos ali. Mas o anão ali ia muito bem já imaginou ele vendo ali o chefe se fudendo ? (risos).
Z- Falando: “Porra, meu chefe é um fudido”.
LGS- (risos) É o Dilin se degradando naquele gradão do viaduto do Chá e vendo o chefe se ferrar lá embaixo e falando: “Oh chefe Adeus”. Eu tinha feito os diálogos disso daí, mas eu não me lembro o que era. Mas ele não vem, o diretor de cinema quando realmente é uma pessoa de personalidade forte, ele não titubeia. Tanto é que a Júlia ficou um mês sem filmar e no dia que ele veio eu filmei toda a participação dela em vinte horas.
Z- Sem parar ?
LGS- Sem parar. Esgotei a equipe, esgotei todo mundo. O Alemãozinho que era assistente de câmera do Ciambra entreguei ele aqui na Vila Formosa, e perguntei: “Onde você mora ?” e ele “Aqui”. Aí desceu da minha Kombi meio grogue e eu vim dirigindo meio grogue assim também. O dia estava amanhecendo, a aurora vinha raiando no horizonte dessa Zona Leste e os raios de sol amarelos começaram a ofuscar nos olhos assim e eu até fiquei com sono e dormir no volante. Até doía os olhos porque estavam em ferida viva, porque não tinha dormindo. Se tinha trabalhado vinte horas, nem tinha dormindo quatro (risos), mas não dormi não. Desde ontem que eu estava assim e tudo sem perder o pique, sem perder o pique. Até chegar em casa aqui morto, sozinho. Eu já estava divorciado a muito tempo. No primeiro filme, eu morava numa casinha lá na Zona Norte, mas no segundo eu já estava aqui. Eu me joguei literalmente e enfiei a Kombi com a tralha toda, carregada parecendo uma mula carregada assim. As rodas estavam abertas de tanta coisa, era um automóvel só. O veículo de transporte da produção era uma Kombi velha que eu comprei para a produção para depois vez vender e fazer dinheiro outra vez (risos). É terrível, um negócio assim inacreditável o que a gente faz.
Z- O senhor deu o sangue seu Luiz ?
LGS- Dei o sangue mesmo. É inacreditável o que você é capaz de fazer quando está determinado. Quando você morre de frio e você é duro na queda, não cedendo você sofre. Principalmente porque você não cede e é duro na queda. Você sofre, depois quando você olha pra trás e você vê a terra arrasada e fala: “Meu Deus do céu, eu fiz tudo isso ?” e você desmaia. É como a piada do cara que estava bêbado, bateu com um leão que estava solto no circo e chutou ele: “Vem cá gatinho, vem”. O bichano rosnou pra ele e o bêbado deu um tapa no leão. Ele estava acostumado a levar tapas de treinador, obedeceu e foi pegado pela juba e acabou entrando na jaula. No dia seguinte, foram homenagear ele na cidade inteira e quando ele soube o que tinha feito, ele desmaiou e morreu (gargalha): “O que foi que eu fiz ?”, e caí. Assim é quando a gente termina um filme nessas condições, que eu tenho filmado os dois longas.
Z- O “Anúncio” foi mais difícil ?
LGS- O “Anúncio” foi mais difícil por um lado porque eu filmei o longa que eu quis. E no “Mustang” eu tinha um aparato rico me apoiando, mas não a mim e sim o interesse deles. Eu me ferrava do mesmo jeito. Tem histórias assim de esforços inauditos que eu fiz também no “Mustang”. Coisas muito difíceis, muito, muito inacreditáveis e sempre sozinho. Acabava sozinho. E quando o anão abandona lá o Maurício é até um alter-ego. Eu me sentia muito assim, porque o anão deixou o Dilin, um cara que eu dei o segundo papel e ele me traiu. Não veio trabalhar e eu filmei sem ele e ficou sem ele. Eu acredito muito que isso levou ele a decadência e não se agüentou. Porque ele não aparece naquela seqüência que era pra ele. Aí o personagem fala: “Aquele anão filho da puta, me deixou sozinho outra vez”. Então, é forte, realmente forte.
Z- O senhor filma o hospital Santa Catarina e quando ela saí do hospital junto do antigo namorado. Qual o significado que o senhor tentou impregnar neste final seu Luiz ?
LGS- Ela não morreu. Ela está numa cadeira de rodas, toda quebrada. O namoradinho que ela traiu com o galã, foi ele quem valeu a ela na hora da desgraça e foi a recolher na hora do infortúnio. É um final chapliniano, eles saem na calçada indo pela vida como quem vai por uma estrada.
Z- E outro morreu ?
LGS- O outro morreu mesmo, não chega a falar nele mesmo. Você vê que eu botei até um quebra ossos nós botamos dentro e jogamos um saco de coisas e gravava. Nos produzíamos o próprio som. Fazíamos um saco de filmes igual um filme soltando carne. Eu aprendi muito com o cinema dos outros. No “Shane” do George Stevens aqueles estampidos, ele colocou dentro daqueles tiros um tiro maior. É um tiro dentro de um tiro no som, ficando estrondeante. Dentro do quebra-ossos, eu botei um maior. Em certos momentos, a gente percebe porque quando a fita é muito boa, o som funciona também. É o som do quebrar de ossos, que é o corpo do Maurício se esmagando no asfalto do Anhagabaú pulando ou caindo ? Parece até que ele queria cair. É meio suicídio mas é meio queda. Eu falei exatamente isso: deixar a dúvida pro espectador especular: “Puxa, será que ele queria se matar ? Será que ele não queria ?”. E eu gerar a polêmica na cabeça do espectador e parece que isso certiu um efeito. Não sei como você viu essa cena. Ele despenca do viaduto do Chá. É o namoradinho que ela chutou é que vem acolhê-la e recolher os caquinhos dela na hora da desgraça. A mora da história pra ela foi essa aí. Aí entra o fim.
Z- E os escritos ?
LGS- Pois é, eu não gostei desses escritos que o Ademir pois lá. Não fui eu, ele que quis. Eu falei pra cortar, achava feio mas ele não cortava. Foi ao contrário: “Não, tá legal sim, deixa isso aí”. Ele era muito rigoroso, mas eu que ficava fissurado pra cortar. Normalmente o diretor começa ficar lambendo a cria: “Está ótimo isso aí” e tal. Mas eu não: era tesoureiro, alfaiate, costureiro. Estava sempre querendo cortar na hora e ele sempre me obrigava: “Por que não é”. E acabava ficando, todas as vezes ele até me atendia e tudo bem.
Z- A gente sabe que é uma obra de ficção, mas se uma pessoa pulasse dali era difícil ela sobreviver.
LGS- É verdade, exatamente. Inclusive um daqueles caras que olhava assim pra atriz, não é figurante nosso não, estava ali na hora. A hora em que ela se joga tem um velhinho que fica olhando assim.
Z- Ela é de dia ?
LGS- Ela é de dia, ele que é de noite. Tem uma trupe de boêmios ali, tal. Mas ela é de dia, vai até lá, sobe na grade. Naquilo lá ela fez ao contrário: ela pulou pra dentro do viaduto e não pelo lado de fora. Porque a gente não tinha dinheiro pra botar, fazer um corpo despencando eu não queria isso. Eu queria fazer o efeito de despencamento dela só na ilusão de câmera e no corte. Então, eu a coloquei do lado de dentro e no lado de fora. Igualzinho a gente estar no antigo Mappin e vai pra rua Direita. O lado direito foi ali que nós filmamos. Eu queria botar aquele lado do lado de fora, como se fosse o lado direito na verdade filmado no lado esquerdo do viaduto ela pulando de dentro.
VR- Feito uma quebra de eixo.
LGS- Uma quebra de eixo. Eu fiz uma quebra de eixo, mas não na câmera e sim mudando o cenário que eram iguais. As duas grades di viaduto são iguais, então eu mudei de lado e aí parecia que era o mesmo lado direito. Mas não era, e sim o lado externo do interno de quem vai do Mappin para a Praça da Sé. Aí eu usei o lado esquerdo, o lado interno do esquerdo. Aí eu filmei e o lado interno do esquerdo ficou o externo do direito de quem vai pra Sé. E mandei quando pulasse fosse eficiente. Ela pulou de uma alturinha bem pequena, que você pula. Eu pulei pra ela ver como era. O pau estava cagado pra ficar ali sem segurar a mão. Aí eu falei: “Não Paulinho o que é isso ? Vem cá”, e fui andando, falando: “É assim Paulinho, você vai andando assim”. E ia passando umas famílias descendo a escadaria do Anhagabaú.Ia passando algumas famílias ali a noite, não sei que horas eram. O relógio marca inclusive no filme, eu aproveitei pra ficar na história. O horário que eu fiz essa cena foi esse horário. Eu falei: “Oh Paulinho é isso aqui”. Eu fazia muito o papel, inclusive mulheres eu fazia e falava: “Filha, você vai entrar assim” eu tinha pulso de interpretação. Aí fiz a cena e escorreguei, mas escorreguei querendo e quando eu vou despencando nesses sentidos aqui a minha mão mole endurecer e travou e eu balancei no ar. A família deu um grito (ri), porque nós não fazíamos barulho e nem tinha luz. Nós filmamos aquilo com luz natural, compramos o filme. O primeiro filme em duzentas asas que filmava sem luz pra quatrocentas assas, eu comprei da Kodak esse equipamento. Ele me falou: “Você é o cara que vai estrear esse filme especial”. Nós compramos um rolo só pra fazer aquela cena lá, aí de repente o corpo deles estava balançando assim, só que eu não estava no meio do viaduto. Eu falsiei a câmera dando a impressão que era no centro do vale, na altura de vinte, trinta metros sei lá. E a gente filmou na ponta ali e eu falseei tirando a escada, tirando a câmera do lado da escada. Então, parecia que era lá no meio. Era uma ilusão que a bruxaria do cinema faculta a gente a fazer. Aí passa a sensação, porque o que vale é a sensação que vai para o espectador. Eu despenquei e balancei no espaço, a família passou e deu um grito de horror. Perceberam e eu falei: “Calma pessoal”. Nós filmamos quietinhos, não tinha barulho não. Eu filmo sem chamar a atenção, nem nada e disfarçava quando via alguém que estava ali espiando. A gente esperava até o cara passar e falava rapidamente: “Ação câmera, vai vai”, não só aquela cena ali mas vários outros lugares que a gente filmava publicamente com a Eliane andando na rua. A câmera seguindo ela, e não sabendo se vai pra lá ou pra cá e o Ciambra correndo atrás dela e eu atrás falando pra ele: “Vai vai Ciambra, é uma reportagem, reportagem câmera na mão, câmera na mão. Agora Ciambra, vem, vem” e eu cochichando com ele no meio da multidão de dia (risos). Cochichando no ouvido do Ciambra e eu guiando ele ali. Ele era o tripé da câmera, era o câmera. Puta merda rapaz ! Os caras que olhavam e percebiam que era uma filmagem ele já tinha filmado, então todo mundo tinha servido a gente natural, de graça. Realmente a gente tinha um pique de fazer as coisas. Depois que passa a gente fica se perguntando: “A gente fez aquilo e deu certo ?”, mas era muito louco. Eram tentativas muito malucas e arriscadas, mas determinadas. Mas aí foi assim, filmar pra mim pelo menos tem sido uma grande aventura. Essas aventuras de cinema (risos)...eu parafraseando Neruda depois de cinqüenta anos de cinema, quando eu fiz pouco cinema mas parafraseando ele digo: “Confesso que vivi”. Nós né Gaúcho ? Vivemos ? Puta merda...Vivemos experiências realmente incríveis. Cada filme é uma aventura, o making off de cada fita...
VR- Não se fazia making off. Hoje está se fazendo. Mas muitas vezes o making off fica mais interessante que o próprio filme.
LGS- Exatamente. Você vai contar rapaz, “O Guarani” por exemplo, o making off é um negócio inacreditável. O Zé Adauto estava lá, sendo assistente do Fauzi. Eu pedi e ele também pediu pra Fauzi escrever um livro, ele não quis. O making off do filme onde o Zé Alencar ambientou a obra dele está lá, um acidente geográfico fazendo parte do planeta Terra. Olha, impressionante pra subir a serra, descer a serra todo dia chovendo numa época infeliz que eles escolheram pra filmar.
VR- Períodos assim são complicados.
LGS- Eternamente chuvosos.
VR- O Fauzi vai começar a produção dele, está com algumas coisas enroscadas tem umas coisas e ele também agora inventou de recomeçar.
LGS- Eu tenho sofrido muito com essa casa aqui. Com essa casa e os percalços que o cinema faz.
VR- Mas fazer filme é isso mesmo...
LGS- É igual fazer uma casa.
Z- O senhor quis fazer um melodrama ?
LGS- Quis. Outra coisa: eu quis fazer o melodrama, encarar ao contrário do contrário. O que não seria desejável, eu procurei botar no filme. O que ninguém tolera eu coloquei no filme, o que todo mundo faz e é mas nega, eu coloquei no longa. Todas essas indiossnicrasias do latino, de nós latinos eu botei. O tangueiro, então eu personifico tanto que é um filme falado em portunhol. O arauto é incontestavelmente um sotaque em espanhol, ela fala em portunhol. Eu até falo esse filme do primeiro feito no Mercosul (risos), que eu tinha intenção de expandir o “Anúncio” pra Argentina, tudo. Depois como o Gabino traiu o contrato que tinha comigo e não cumpriu com a parte dele no filme que era acompanhar o longa com a Júlia, fazendo a carreira do “Anúncio”. Ele desapareceu e aí me deixou na mão.
VR- Ela desapareceu também.
Z- Ela parece que está no Rio.
LGS- A Júlia ?
Z- Tem um cara que entrevistou ela, mas já está senhora.
LGS- Já está senhora. Ela está morando no Rio mesmo ?
Z- Eu acho que sim.
LGS- Pois é, olha só. Você vê como eles me devem: se fosse eu que devesse pra eles, eles estavam em cima de mim. Eles me devem moralmente, porque eles me abandonaram. No contrato nosso ela e ele iam fazer a divulgação do longa e iam aproveitar, ganhar dinheiro na soma do filme. Passava o “Anúncio” numa cidade, e ela dava um show. Eles iam ganhar dinheiro e eu nada, tudo em cima do filme: “Vou te pagar pouquinho. Mas você tem durante todo o longa pra fazer um marketing. Que é a sua carreira de cantora”.
Z- Claro ! Quando ela vai fazer outro filme agora nunca mais...
LGS- Nunca mais. Mas eles não entenderam, outra coisa latina essa volubilidade. Isso está tudo no filme, que eles fizeram com o filme, coisa de latino: irresponsável, temperamental. Inclusive um exercício também que não se falava na época de assédio sexual na mais grave acepção da palavra, nesse filme aí. Falta a expressão, o filme todo é um assédio sexual tudo mostrado com todas as malícias, toda aquela blandice do amante que parece uma cobra, uma serpente. Serpeia, enrola e envolve a criaturinha e engole o sapo. É isso, eu tratei dessa toda blandice dele que vai seduzindo, seduzindo. Cada gesto dele, cada palavra vai cercando ela e ela vai se rendendo, se rendendo. É uma excelente exercício de assédio sexual, excelente exercício. Hoje, por exemplo com a lei que está aí com uma porção de coisa, eu acredito que esse filme deu muito a esses juristas que criaram a lei do assédio sexual. Esse filme deve ter servido muito. E mostrava toda aquela contradição, porque a jovem quer ceder mas não pode porque os padrões da família dela não permitem. Então, isso nós estudamos muito: o contraditório de todos nós. Desde Hamlet: “To be or not to be, that is the question”. Esse é paradigmático e eu coloquei no filme da personagem, o desejo de se entregar e aquela resistência imposta por uma censura familiar. Depois ela acaba cedendo e começa outra luta pra camulfar e dissimular aquilo da família. Vai agravando, agravando e vai torcendo. Eu quis fazer um melodrama, um filme baseado na emoção e eu sei de gente que chorou fazendo o filme.
Z- Douglas Sirk alguma coisa ?
LGS- Não, eu não pensei nele. Eu nem assisti nada dele. Qual é o filme mais conhecido dele ?
Z- “Palavras Ao Vento”.
LGS- É o título ? Eu não assisti. Eu tenho ido pouco ao cinema. Você sabe que açogueiro não come carne e diz que come o lucro. Os escritores também não lêem os outros e cineasta vai pouco ao cinema. Mas é um defeito, é incrível isso.
Z- Mas quando o senhor fazia Seminário o senhor ia mais ?
LGS- Ah sim ! Eu amanhecia no cinema e ia até o anoitecer. Eu ficava na primeira sessão e saia na última, assistindo a cada sessão um aspecto do filme. Eu inclusive melhorei muito o meu inglês que era book and foot para book and foot e meio (gargalhadas). Porque assistia a um filme várias vezes, inclusive um pra entender a inflexão de voz doa atores que é o filme legendado. E eu ficava assistindo da primeira sessão e saia na última. Levava lanche lá pra dentro e comia dentro da sala de cinema. Acabava vendo a inflexão dos grandes atores hollywoodianos ou espanhóis, mexicanos passava muito filme mexicano no Brasil. Enfim, então essa foi a minha grande aventura no cinema.
Z- Esses dois filmes, o curta. O que o senhor acha que fica do senhor seu Luiz pra posteridade ? Pra gente encerrar...
LGS- Fica de mim: de um lado um grande reconhecimento para muitas pessoas sensíveis, muitas. Muitas até mais das que eu tinha imaginado. Sensíveis que souberam me compreender até tardiamente, as quais eu sou muito agradecido. Por outro lado, a decepção muito assim sublimada porque é melhor sublimar que chorar. Sublimada pela realidade que é o nosso mundo brasílico. O mundo, planeta em que nós vivemos onde as injustiças e o atraso da humanidade se deve a liberdade e ao não propiciamento das oportunidades as pessoas que pensam planetariamente. Eu pensei planetariamente a minha vida, desde precocemente. Eu tinha tenra idade, era um adolescente de dezoito anos e eu me lembro coisas que eu pensava, que eu fiz que era uma visão planetária. Depois o meu crescimento: escola, leitura, instrução foi me levando e só mais consolidando essa visão planetária da humanidade. Eu entrei no cinema pensando na humanidade. Eu não pensei em ganhar nada.
Z- Nem em ganhar dinheiro ?
LGS- Até pra ganhar dinheiro, porque nisso eu sou pragmático: era e tinha pra ganhar dinheiro porque eu sabia que era uma escolha cara. Mas fazer cinema comercial que fosse e autoral...
Z- O senhor se considera autor seu Luiz ?
LGS- Sim. É bem a minha cara ideológica, os meus filmes são um retrato virtual do meu pensamento e do meu procedimento na vida. Aliás meus escritos também, que estão espalhados por aí. Meus artigos de jornal que tenho pontificado através dele agora na API como nesse conto que publiquei na “Folha de São Paulo”, graças ao Zé Afonso. Um cara maravilhoso, e os irmãos dele. Ele diz que levou o conto lá pro jornal e a Lenita Miranda de Figueredo, a jornalista que dirigia a edição de domingo, a tia Lenita. Foi ela quem começou a levar as crianças pra fazer desenhos na Praça da República depois esse ponto da cidade virou “a praça das artes”, como virou. Foi lá, eu era jovem e o meu primo levou pra ela o conto “Confissões de Um Aventureiro Involuntário”, saiu publicado “Confissões” só. E ela não acreditou de início falando: “Só tem porcaria aqui. Deixa aí e depois eu vejo”. Mas depois ela perdeu o conto, mas ela acabou achando e lendo. Eu não tinha cópia, eu entreguei pra ela o original. Foi nessa maquininha aqui que eu fiz (seu Luiz aponta pra mesma máquina que fez o roteiro dos seus dois filmes). Essa máquina me acompanha há uns quarenta anos. Aí foi publicado e foi um arraso o conto, um arraso. Eu vi gente chorar lendo esse conto.
Z- O senhor tem projeto de dirigir ainda seu Luiz ?
LGS- Eu tenho, eu não desisto nunca. Nem tem porque: estou cheio de saúde, cheio de guerra dentro do peito e uma disposição danada por combate. Não tenho nenhuma intenção de desistir, azar dos outros (risos). Eu não bolho. Tudo que eu tentei fazer e fiz e ficou por aí. Até uma coisa grandiosa, que foi esse conto aí que me roubaram, me roubaram e fizeram uma série pra televisão.
Z- Fizeram isso há muito tempo ?
LGS- A muito tempo.
Z- O senhor não conseguiu processar ?
LGS- (emocionado) Eu não achei como. Eu estava na Ditadura Militar e eu estava comprometido com a resistência. Conheci a Lenita Miranda de Figueredo e ela também estava comprometida. Foi naquele período lá e foi ela quem publicou o conto. Ela foi presa, torturada e eu falo porque foi publicado, acho que na “Veja”. Ela acabou se tornando namorada do próprio carrasco dela, que foi o Sérgio Fleury, aquele famoso delegado Fleury.
Z- (surpreso) Caralho !
LGS- Ela tá com oitenta anos, oitenta e dois ou oitenta e quatro parece. Ela mora ali perto da Santa Cecília, com oitenta e poucos anos. Mas está lúcida, viva, mas não escreve mais.



<< Capa