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Dossiê Ozualdo Candeias

A Margem, um filme sobre o olhar sem esperança

A Margem
Direção: Ozualdo Candeias
Brasil, 1967.

Por Fernando Roveri, em colaboração especial para a Zingu!

Ozualdo Candeias estreou como diretor com A Margem, em 1963, talvez na ambição de ser o diretor que primasse o lírico na cinematografia brasileiro, característica que se perdia ou, para ele, era algo até então a ser explorado. Aclamado por crítica, desprezado pelo público, o filme teve um número restrito de espectadores na época de seu lançamento, mas o tempo, sempre responsável pela cura dos erros retumbantes do ser humano, alçou o filme como uma das grandes obras do cinema brasileiro.

Sorte de quem viu tão magnífico trabalho, por sorte em algumas dessas raras exibições em cineclubes restritos. O que se vê, logo de início, em A Margem, é a interpretação da própria vida através do olhar de cada personagem distinto, cada um com suas angústias e medos sobre algo que atordoa a alma de todos: a morte. Não por acaso, o filme se desenrola em um ambiente triste, distante, lodoso, onde ninguém poderia pensar que ali, às beiras da margem de águas caudalosas, modorrentas, poderiam surgir devaneios sobre o peso de que, um dia, tudo terá fim.

Primeiramente, surge uma misteriosa mulher que desce o rio em uma canoa. Esta passagem é o mote inicial para que os quatro personagens iniciem uma via-crúcis repleta de incertezas. Todos vivem em São Paulo que, naquele período, era (e ainda é?) a terra das grandes oportunidades. No entanto, a mesma metrópole que abriga, também exclui. De certa maneira, esses quatros personagens representam esse olhar perdido, de desesperança, ou seja, à margem da sociedade.

Minha intenção não é classificar filmes por termos filosóficos mas, no caso de A Margem, não há como não classificá-lo de existencialista, perante sua visão que leva ao nada. E pelo fato de viverem distante do grande cerne da sociedade, eles automaticamente se alienam, mas nem por isso deixam de ter um significado. De certa forma, Candeias faz sua crítica social. A única alternativa que lhes resta é o amor, e este também se fragiliza, pois não consegue sobreviver ao ambiente frágil no qual estão condenados a sobreviver.

O rio, dessa forma, tem um sentido simbólico no filme. Tomemos como exemplo o conto A Terceira Margem do Rio, de Guimarães Rosa, quando o pai se despede da família, adentra em uma canoa e passa a viver dentro desta, bem no meio do rio. As águas podem lhe levar a algum lugar, mas no caso deste personagem, levaram a lugar algum, por opção própria. Em A Margem, as águas caudalosas do rio servem como motim para discutir o comum.

Apesar das diversas interpretações, A Margem é também um filme sobre o amor. Amor frágil, amor sem salvação, amor preso à incomunicabilidade, à falta de sentido na vida. Se é isso que lhes resta, então, o que fazer com este amor? Os quatro personagens necessitam um do outro, mas como compartilhar esse sentimento se ele está no fio da navalha?

Não há como classificar ou explicar a narrativa de A Margem. Somente ao assisti-lo, o espectador perceberá que se trata de uma obra arenosa, mas não de difícil acesso. Fala sobre uma classe social excluída, mas o filme não se dirige diretamente a esta. Também não se restringe a uma camada “intelectual”. Com sua morte recente, vale buscar uma (re)intepretação deste que é um dos grandes filmes do cinema brasileiro, onde o radical se funde ao lírico, e o humanístico ao radical. Uma obra urgente e pungente.



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