Dossiê Ozualdo Candeias
Caçada Sangrenta
Direção: Ozualdo Candeias
Brasil, 1974.
Por Marcelo Carrard
Podemos definir o trabalho de Ozualdo Candeias no Cinema, como uma espécie de extensão do que foi o trabalho de Plínio Marcos no Teatro. Ambos iluminaram o mundo dos miseráveis, dos marginalizados, dos esquecidos, trazendo-os para a superfície, elevando-os a uma categoria do sublime. Como Mentor do Cinema Marginal, Candeias sabia o que estava retratando, não tinha o distanciamento e o fascínio de cineastas da Classe Média com a estética da fealdade, da miséria. Caçada Sangrenta é mais uma amostra de sua visão poética dos que habitam a margem da sociedade, daqueles que parecem invisíveis, dos feios, sujos e malvados...
Caçada Sangrenta foi dirigido e escrito por Candeias e tem como protagonista o famoso ator, produtor e diretor David Cardoso, com um visual clássico dos anos 70, cabelos compridos e calça Boca de Sino. Sua interpretação está acima da média surpreendendo aos que só o conhecem das notórias produções eróticas da Boca do Lixo paulistana que ele protagonizou. Ele interpreta um rapaz que foge de São Paulo com uma valise misteriosa após a morte de uma famosa milionária. É evidente o talento de Candeias em filmar com poucos recursos conseguindo ótimos resultados, em pequenas cenas onde o trabalho de câmera se revela em ângulos e enquadramentos criativos, Candeias nos ensina que o Cinema pode ser simples e ao mesmo tempo original sem a necessidade de hermetismos desnecessários. A sensacional perseguição de automóveis que é encenada em uma estrada de terra é uma amostra da visão de Candeias sobre o Cinema. Sem o glamour das grandes produções vemos o David Cardoso em um fusca sendo perseguido por um grupo de “vilões” em outro fusca. No meio da perseguição David troca o fusca por uma... Kombi, e a perseguição continua, sem perder o ritmo em nenhum momento, seguida de uma divertida seqüência de luta quase farsesca em sua coreografia.
Nesse “Anti-Filme de Ação”, Candeias mostra cenários de escombros, ruas características de cidades do interior onde o protagonista é caçado pelos seus inimigos, sempre carregando a misteriosa valise e cruzando espaços que o colocam diante de mulheres nuas no campo, em uma interessante seqüência com efeitos e desdobramentos que vão além da simples exposição dos corpos nus. Nessa fuga ele veste um pala e coloca um chapéu, montado num cavalo David Cardoso se torna, pelas mãos geniais do Mestre Candeias, uma espécie de Clint Eastwood mambembe dos faroestes italianos. Em sua fuga ele convive com a pobre população ribeirinha, garotas da periferia, motoqueiros, encontra com prostituas paraguaias e reencontra uma antiga amante em um cinema onde passa um documentário típico da época da Ditadura Militar com os ufanistas relatos do progresso do Brasil, mais especificamente sobre a Estrada Transpantaneira e o progresso do Mato Grosso. Numa cena de sexo filmada em plano-sequência do teto do quarto de um hotel barato, vemos mais um exemplo do talento de Candeias em criar cenas aparentemente simples no aspecto formal, mas com um excelente resultado final.
Nessa jornada em fuga do protagonista vemos a ação se transportar para um garimpo e as figuras que circulam nesse cenário. As prostituas paraguaias chegando no pequeno avião e a relação quase lúdica da personagem de Cardoso com uma nativa da região. Mas o grande momento dessa segunda parte do filme é o encontro com os índios e os desdobramentos que levam a história para seu desfecho com a poderosa imagem dos corpos ensangüentados descendo a correnteza suave do rio. Surpreendente, poético, criativo, Caçada Sangrenta é um filme que além de revelar o talento de Candeias e reafirmar a cada cena sua autoria, nos revela um mundo onde os marginalizados tem sua voz, tem sua cara registrada em celulóide. Como filme de gênero tem seus momentos, como documento do interior do Brasil na década de 70 também possui essa função em momentos quase documentais da trama onde os não atores, vindos do povo da região contribuem para a força dessa obra que precisa ser redescoberta e reverenciada pelas novas gerações.
Caçada Sangrenta
Direção: Ozualdo Candeias
Brasil, 1974.
Por Marcelo Carrard
Podemos definir o trabalho de Ozualdo Candeias no Cinema, como uma espécie de extensão do que foi o trabalho de Plínio Marcos no Teatro. Ambos iluminaram o mundo dos miseráveis, dos marginalizados, dos esquecidos, trazendo-os para a superfície, elevando-os a uma categoria do sublime. Como Mentor do Cinema Marginal, Candeias sabia o que estava retratando, não tinha o distanciamento e o fascínio de cineastas da Classe Média com a estética da fealdade, da miséria. Caçada Sangrenta é mais uma amostra de sua visão poética dos que habitam a margem da sociedade, daqueles que parecem invisíveis, dos feios, sujos e malvados...
Caçada Sangrenta foi dirigido e escrito por Candeias e tem como protagonista o famoso ator, produtor e diretor David Cardoso, com um visual clássico dos anos 70, cabelos compridos e calça Boca de Sino. Sua interpretação está acima da média surpreendendo aos que só o conhecem das notórias produções eróticas da Boca do Lixo paulistana que ele protagonizou. Ele interpreta um rapaz que foge de São Paulo com uma valise misteriosa após a morte de uma famosa milionária. É evidente o talento de Candeias em filmar com poucos recursos conseguindo ótimos resultados, em pequenas cenas onde o trabalho de câmera se revela em ângulos e enquadramentos criativos, Candeias nos ensina que o Cinema pode ser simples e ao mesmo tempo original sem a necessidade de hermetismos desnecessários. A sensacional perseguição de automóveis que é encenada em uma estrada de terra é uma amostra da visão de Candeias sobre o Cinema. Sem o glamour das grandes produções vemos o David Cardoso em um fusca sendo perseguido por um grupo de “vilões” em outro fusca. No meio da perseguição David troca o fusca por uma... Kombi, e a perseguição continua, sem perder o ritmo em nenhum momento, seguida de uma divertida seqüência de luta quase farsesca em sua coreografia.
Nesse “Anti-Filme de Ação”, Candeias mostra cenários de escombros, ruas características de cidades do interior onde o protagonista é caçado pelos seus inimigos, sempre carregando a misteriosa valise e cruzando espaços que o colocam diante de mulheres nuas no campo, em uma interessante seqüência com efeitos e desdobramentos que vão além da simples exposição dos corpos nus. Nessa fuga ele veste um pala e coloca um chapéu, montado num cavalo David Cardoso se torna, pelas mãos geniais do Mestre Candeias, uma espécie de Clint Eastwood mambembe dos faroestes italianos. Em sua fuga ele convive com a pobre população ribeirinha, garotas da periferia, motoqueiros, encontra com prostituas paraguaias e reencontra uma antiga amante em um cinema onde passa um documentário típico da época da Ditadura Militar com os ufanistas relatos do progresso do Brasil, mais especificamente sobre a Estrada Transpantaneira e o progresso do Mato Grosso. Numa cena de sexo filmada em plano-sequência do teto do quarto de um hotel barato, vemos mais um exemplo do talento de Candeias em criar cenas aparentemente simples no aspecto formal, mas com um excelente resultado final.
Nessa jornada em fuga do protagonista vemos a ação se transportar para um garimpo e as figuras que circulam nesse cenário. As prostituas paraguaias chegando no pequeno avião e a relação quase lúdica da personagem de Cardoso com uma nativa da região. Mas o grande momento dessa segunda parte do filme é o encontro com os índios e os desdobramentos que levam a história para seu desfecho com a poderosa imagem dos corpos ensangüentados descendo a correnteza suave do rio. Surpreendente, poético, criativo, Caçada Sangrenta é um filme que além de revelar o talento de Candeias e reafirmar a cada cena sua autoria, nos revela um mundo onde os marginalizados tem sua voz, tem sua cara registrada em celulóide. Como filme de gênero tem seus momentos, como documento do interior do Brasil na década de 70 também possui essa função em momentos quase documentais da trama onde os não atores, vindos do povo da região contribuem para a força dessa obra que precisa ser redescoberta e reverenciada pelas novas gerações.