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Entrevista

WILSON GREY POR OUTROS

Sem Wilson Grey, eu acho que nem existiria cinema brasileiro
José Lewgoy

Eu adoro e continuo adorando Wilson Grey
Carlos Manga

Por Matheus Trunk

Eu quando iniciei esse projeto de entrevista aqui para a Zingu!, não imaginava que o grande Ozualdo Candeias ia morrer e a nossa pauta de março ia mudar radicalmente.Infelizmente, com pouco tempo eu não consegui contactar ninguém que trabalhou com ele. Nosso tempo foi reduzido.

Eu tinha planejado pra outra edição, um grande especial sobre um ator que adoro e que o cinema brasileiro adora: WILSON GREY. Mas como ficamos sem entrevista para essa, acabei adiantando essa pequena (mas interessantíssimo) tópico sobre esse

Falar de Grey pra mim, é extremamente difícil. Grey é o começo da minha cinefilia, da paixão pelo cinema brasileiro e seus personagens. Um homem que deu sua vida pelo cinema tupiniquim e permanece completamente esquecido. Não se importava em trabalhar com produções baratas, pé rapadas mesmo e trabalhar com diretores cult como Arnaldo Jabor, Rogério Sganzerla e Júlio Bressane.

Na verdade, eu comecei a me apaixonar pelo cinema nacional depois que conheci o Grey. Isso foi no segundo semestre de 2003. Eu pirei realmente quando vi que um cara que tinha feito mais de 200 filmes no meu país, tinha morrido na mais completa merda. E sem qualquer tipo de reconhecimento oficial.

O conheci por aqueles documentários meio sem-vergonhas mas extraordinários do Canal Brasil: “Retratos Brasileiros”. A partir daí fui por sessões de “Vai Trabalhar Vagabundo”, “Bonitinha, Mas Ordinária”, “Águia Na Cabeça”, “Uma Fêmea de Outro Mundo”, “Perdida”, entre outros. Nessa fase, eu via os filmes pra ver se achava o Grey. E marcava num papel: nesse ele foi garçon, naquele bicheiro, no outro bookmaker, porteiro, ajudante de bandido, malandro encabulado...E assim fomos. E essa paixão pelos personagens/gigantes brasileiros, ia cada vez aumentando. Fui conhecendo outros que se encontram até hoje na mesma situação como ele: Rodolfo Arena, Humberto Catalano, Bené Nunes, Colé Santana, Ronald Golias, Grande Othelo, Ankito e cada vez ma apaixonando mais pela grandeza desses verdadeiros artistas nacionais.

E assim de ponta em ponta eu fui me deslumbrando por esta figura que tanto cooperou pela grandeza do cinema brasileiro. Por isso, quero deixar aqui registrado antes de me apaixonar pela obra de diretores nacionais ou pelas musas eu sou até hoje completamente marcado por estes grandes personagens populares.

Por isso, decidi enviar e-mails para os diretores que tivessem trabalhado com Grey. O resultado é o visto abaixo. A Zingu! marca assim, mais uma vez seu compromisso pioneiro ao falar de assuntos virgens em estudos pela imprensa oficial brasileira.

Hugo Carvana

Dirigiu Wilson Grey em quatro longas: “Vai Trabalhar, Vagabundo” (1973); “Se Segura Malandro!” (1978), “Bar Esperança” (1983) e “Vai Trabalhar Vagabundo II” (1993).

Z- O que o senhor acha do Grey como pessoa ?
HC- Grey era uma extraordinária figura humana, sempre alegre e divertido com seu humor e sua simplicidade.
Z- E como ator ?
HC- Como ator era um gigante. Poucos o igualavam na recriação de tipos urbanos, marginais, vagabundos, pilantras. A intuição era a sua formação e a vida nas ruas sua ferramenta.
Z- O senhor foi influenciado por ele ?
HC- Fui influenciado por diversos filmes que ele participou. Várias chanchadas brasileiras, por exemplo.
Z- Como era dirigir ele ?
HC- Nunca foi difícil dirigir o Grey. Captava a essência dos seus personagens com rapidez. Depois de 200 filmes feitos, Grey não tinha mais dificuldade pra compor personagens.
Z- Ele tinha alguma peculiaridade ?
HC- Uma peculiaridade do Grey era de criar trejeitos físicos que não constavam do roteiro mas enriqueciam suas criação.
Z- Algum personagem do seu filme foi escolhido ou planejado especialmente para ele ?
HC- Minha admiração por ele era tanta que sempre eu começava a escrever um roteiro pensava em um personagem para o Grey. Foi assim em Vai Trabalhar Vagabundo em que ele fazia um bookmaker que perseguia o personagem Dino cobrando uma dívida; no Se Segura Malandro em que ele fazia o ascensorista do elevador seqüestrado por Lutero Luiz; no Bar Esperança em que ele era o jornalista que anunciava a todo momento que a cidade ia submergir da merda; no Vai Trabalhar Vagabundo II em que ele faz um jogador de pôquer. Infelizmente, ele já não estava mais entre nós no O Homem Nu.

Carlos Diegues

Dirigiu Wilson Grey no longa “Quando o Carnaval Chegar” (1972)

Z- O que o senhor acha do Grey como pessoa ? E como ator ?
CD- Um homem doce e delicado, um amigo sempre de bom humor. Um grande ator, acho que ele foi o ator que mais filmou no Brasil, das chanchadas a Júlio Bressane, passando pelo Cinema Novo e todos os grandes diretores brasileiros.
Z- O senhor crê que ele é um grande ator ? Por quê ?
CD- Em primeiro lugar, ele era a encarnação do homem brasileiro e sobretudo do carioca, como a gente gostaria que fosse até hoje.
Z- Como foi dirigi-lo ?
CD- Facílimo ! Grey tinha instinto de cinema, é um desses atores que sabe tirar partido da câmera e interpretar para ela.
Z- Grey tinha alguma particularidade ? Qual ?
CD- Ele era uma pessoa discreta. Gostava de contar umas piadas, mas era sempre em voz baixa e quando solicitado.
Z- O personagem que Grey interpreta em seu filme foi criado especialmente para ele ?
CD- Foi escrito para ele.
Z- O senhor acha ele a imagem da Lapa dos anos 40 ?
CD- Da Lapa e do resto do Rio de Janeiro.
Z- O senhor admira ele ? Por quê ?
CD- Sim, por ser um grande homem e ator, um homem bom e digno.

Gustavo Cascon

Dirigiu Wilson Grey no curta “O Combustível do Futuro” (1989)

Z- Como o senhor conheceu o Grey ?
GC- Acho que desde que me conheço por gente “conheço” Wilson Grey do cinema e da TV. Mas o conheci profissionalmente em 1987, quando o convidei para fazer o papel de um velho astro de rock decadente e viciado em drogas em meu curta “O Combustível do Futuro”, que comecei a filmar em 1987 e terminei em 1989.
Z- Como ele se apresentou ? Como foi convencer ele a fazer o curta ?
GC- Liguei para ele e marcamos- como não poderia deixar de ser- no Amarelinho, na Cinelândia, numa manhã ou início de tarde, não me recordo bem. Levei o roteiro e assim que cheguei ele sugeriu que pegássemos um táxi até a Urca, pois ele tinha uma entrevista para dar no rádio e íamos conversando no caminho. Ele estava bem vestido como sempre, camisa social estampada em preto e branco e o indefectível sapato bicolor. No táxi conversamos sobre o roteiro e o personagem. Ele topou no ato, com a condição de receber uma diária (a princípio ele só filmaria um dia) do SATED (Sindicato de Artistas e Técnicos de Espetáculos e Diversões). Mesmo sendo um filme universitário com pouquíssimo dinheiro, aceitei pagar, pois valia mais do que a pena. Por princípio Wilson Grey não trabalhava de graça (no final das contas, ele filmou dois dias pelo preço de um, provando mais uma vez a generosidade de artista).
Z- Pra quem não o conhece, o senhor pode falar quem é Wilson Grey ? O que o senhor pensa dele como pessoa ?
GC- Não tive muito contato com ele além desses três dias, do primeiro encontro e das filmagens. Posso dizer que era um ator extremamente profissional, um sujeito divertido e ótima pessoa. Nunca reclamou das condições de filmagem, que não era grande coisa ainda mais para alguém de certa idade como ele e com seu gabarito. No dia em que filmamos a externa ele murmurou discretamente para a produtora Sonali Santos: “Eu acho que o Gustavo está me explorando”. Sempre bem humorado !
Z- Como ele era como ator ? E dirigir ele ?
GC- Ele era um imenso ator ! Foi facílimo dirigi-lo porque ele sabia tudo de cinema: tinha noção do posicionamento de câmera, já fazia raccors sem mesmo eu pedir, pois sabia como as cenas iam ser montadas. Posso dizer que aprendi muitíssimo nos dois dias que tive a honra de trabalhar com Wilson Grey. E tudo isso sem um mínimo de postura de estrela, coisa com a qual ele até teria direito. Tratava a equipe de jovens inexperientes universitários com grande respeito e profissionalismo reconhecendo as dificuldades da produção e fazendo o possível para ajudar. Um autêntico ator do cinema brasileiro !
Z- O Grey tinha alguma peculiaridade ? Qual ?
GC- Além do cabelo eternamento gomalinado e dos sapatos bicolores, posso dizer que, como todo cinema brasileiro, gostava de fazer uma fezinha...assim que lhe paguei a diária ele falou: “Vou ali embaixo, fazer uma fézinha”.
Z- O personagem dele no seu curta, foi escrito especialmente para ele ?
GC- Foi criado para ele. Só pensei nele quando escrevi. Nem sei como seria se ele não topasse. A idéia que tive de criar o papel para ele era exatamente quebrar o esteriótipo de malandro da Lapa. De certa forma, ele continuava um malandro da Lapa, se levarmos em conta que a Lapa foi um dos berços do Rock brasileiro dos anos 80, com o Circo Voador...
Z- O senhor acha ele a figura do malandro da Lapa, dos anos 40 ?
GC- Pode ser. Mas Grey era também a imagem do brasileiro de outros tempos, não só o malandro da Lapa. Personagens como o roqueiro do meu filme, o Profeta do “Bar Esperança” do Carvana, o coveiro português de “Bonitinha, Mas Ordinária” do Braz Chediak ou o mágico de “A Dança dos Bonecos” de Helvécio Ratton provam que encarnava como ninguém uma certa nostalgia de um Brasil mais generoso, descontraído e bem humorado. Sem perder a tragédia, jamais !
Z- Qual foi a útima vez que você viu ele ?
GC- Pouco antes de finalizar o meu filme, Wilson Grey sofreu um derrame que o fez perder boa parte das faculdades mentais. Passou o resto dos seus dias vivendo com dificuldades, pois não era de guardar dinheiro. Quando o filme ganhou prêmio do governo, dividi o dinheiro com parte da equipe e fui visitá-lo em seu apartamento em Santa Teresa para dar sua parte. Ele me reconheceu com dificuldade, foi muito triste. Grey morreu com sérias dificuldades financeiras. Ele é um bom exemplo de como o Brasil trata os seus artistas.

QUEM É WILSON GREY ? (1923-1990)

Pra quem não sabe Wilson Grey é o ator que mais fez filmes no Brasil, aparecendo em mais de 200 longas. Nasceu em 10 de dezembro de 1923. Teve a vontade de ser ator desde cedo. Outro formado pela universidade da vida, teve diversas profissões antes de ingressar na carreira artística como anotador do jogo do bicho e até entregador de refeição de prostitutas. Ingressou no cinema pelas chanchadas cariocas trabalhando com todos os diretores importantes do período (Carlos Manga, José Carlos Burle) e com todos os grandes cômicos da época (Oscarito, Grande Othelo, Ankito). Sempre fez pontas.

Esteve presente em dezenas de filmes policiais cariocas, como no clássico “Assalto ao Trem Pagador”, “Mineirinho Vivo ou Morto” ou o lendário “Sete Homens Vivos ou Mortos” do gênio Leogivildo Cordeiro, vulgo Radar. Este filme Grey considerou sua melhor performance.

Trabalhou com diretores cinema novistas (como Nelson Pereira dos Santos, Arnaldo Jabor, Carlos Diegues,) e principalmente do Cinema Marginal (Rogério Sganzerla, Júlio Bressane e Ivan Cardoso). Para essa geração, era considerado um dos maiores atores do cinema brasileiro. Foi Ivan, que deu a Grey pela primeira vez a chance de ser protagonista em “As Sete Vampiras”, pelo qual ganhou o prêmio de melhor ator no Festival de Brasília. Por “A Dança dos Bonecos” de Helvécio Ratton, recebeu o mesmo prêmio em Gramado.

Mesmo assim, nunca teve nenhum tipo de preconceito, participando de dezenas de pornochanchadas e filmes populares de toda a espécie.

Teve longa parceria com diretores como Hugo Carvana e mesmo em filmes dos comediantes Trapalhões. Raros foram os atores que se dedicaram mais integralmente ao cinema do que a qualquer outra arte. Grey foi um deles.

Sempre fez papéis como de ajudante de bandido, bicheiro, camelô, barbeiro, cientista, garçon, vizinho chato, entre outros. Mesmo em papéis pequenos, deixou milhares de atuações extraordinárias e que roubam a cena.

Participou de algumas novelas e de alguns programas humorísticos, mas se firmou mesmo no cinema, veículo para o qual nasceu, viveu e deu sua vida. Se a cinematografia nacional tem um gigante, WG com certeza é um deles.

Deixo aqui um pouquinho do que significa pra mim, pessoas da grandeza desse homem extraordinário. Eu não me apaixonaria pelo cinema nacional, não existia a própria Zingu! se não existissem pessoas da altura e da grandeza de um Wilson Grey. Se ele não está no céu, pra mim é obvio que nem existe céu.



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