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O que a Crítica sabe?!

Por Gabriel Carneiro

Independência ou Morte
Direção: Carlos Coimbra
Brasil, 1972.

Carlos Coimbra faleceu recentemente, no último dia 14. Conhecido por seus filmes de cangaço, o diretor parece ter entrado de fato na memória brasileira por sua mítica obra de D. Pedro I, narrando sua trajetória desde criança até o dia em que abdica do trono. Retificando, ninguém lembra de Coimbra, lembram apenas do filme-propaganda do regime militar. Infelizmente uma época paranóica que o Brasil viveu foi o Regime Militar (1964-1985), principalmente relacionado às artes. Independência ou Morte foi feito com o intuito de se comemorar os 150 anos de independência e não de reverenciar a ditadura. Como diria Ignácio Loyola de Brandão, “tolices da época”, mas algo de qualquer forma que repercutiu muito num momento histórico e ainda hoje traz resquícios desse preconceito por obras sem posicionamento contrário ao modelo repressor. Hoje é moda fazer filme-denúncia, é quase absurdo ou um equívoco falar de cinema no Brasil sem associá-la à miséria e à violência.

Aliás, toda possível crítica feita ao filme na época deriva-se da absorção do Cinema Novo, o cinema que crítica e que mostra a realidade de um povo oprimido. Mesmo o cinema marginal então nascente abordava um viés diferente dos mesmos problemas, como o banditismo. Ao se assistir o filme de Coimbra, vemos a aristocracia rural, pomposa, que não se importa com ninguém além deles, conseguindo privilégios para ninguém além deles. É mundo que vai de encontro ao concebido nos últimos anos do cinema nacional.

Independência ou Morte foi um sucesso extraordinário de bilheteria, quase 3 milhões de espectadores. Impulsionado pelo sucesso, o filme foi usado como propaganda para divulgar o ideário dos governantes de plantão, assim como fora a seleção brasileira de futebol em 1970 após o tri-campeonato. Aparentemente eles, a crítica e parte do público viram algo de patriótico ufanista no filme, para eles a persona de Dom Pedro I mostrada revitalizava a ordem militar. Algo que me soa um tanto inadequado, já que, mesmo havendo uma certa valorização do país Brasil – principalmente na época da independência, que todos sabemos, foi feita por interesses da elite portuguesa -, ele se interessa muito mais pela Marquesa de Santos do que pela pátria. O homem em questão tinha uma personalidade fraca, submisso primeiramente ao seu ministro José Bonifácio, e depois a seu grande a amor, a Marquesa de Santos. O que se mostra é um Dom Pedro que não conseguia tomar uma decisão própria e se houvesse qualquer intervenção ele cedia, a ponto de ficar completamente isolado no poder, não por uma trama conspiratória, mas por própria incapacidade de liderar uma nação emergente.

Mesmo começando na infância do menino Pedro, o que de fato interessa é quando ele vira o Príncipe regente do vice-reinado do Brasil. Pressionado pelos líderes políticos e cansado de ser ordenado pelas autoridades reais, ele resolve, às margens do Ipiranga, declarar a Independência. O evento ficou conhecido por duas referências: o quadro de Pedro Américo Independência ou Morte e pelo grito do Ipiranga (“Independência ou Morte”), ambos comprovadamente lúdicos. É dito que nada daquilo foi pronunciado e que a imagem em questão não passa da imaginação do pintor. De qualquer forma, Coimbra aproveitou-se dessa mítica criada para reconstruir perfeitamente o quadro em questão com atores e personificar Tarcísio Meira, fazendo-o naquele momento um herói que quer libertar o país das amarras metropolitanas portuguesas que reivindicavam o Brasil como colônia novamente. Aliás, um dos principais cuidados da equipe foi em recriar tal cena.


Independência ou Morte, de Pedro Américo

Muito mais que um filme histórico, Independência ou Morte é um romance proibido. Pedro I é casado com Leopoldina (a belíssima Kate Hensen), um casamento diplomático, que, desde a primeira aparição da Marquesa de Santos, começa a ruir. O imperador se encanta e se apaixona, e furtivamente se encontra com ela. Juntos concebem uma criança bastarda sem paternidade reconhecida. Porém, é ao lado dela que ele se reconhece e se encontra. A marquesa passa a morar perto da casa imperial e a freqüentar sua morada. Tomada de ciúmes, Leopoldina entra num estado depressivo e indignado. Dentro desse quadro de adultério vemos o poder que a amante assume, mandando e desmandando no governador-mor, destratando e desacatando os ministros, e instaurando um domínio sobre ele. Ela se torna a eminência parda do regime.

À parte das polêmicas do filme, uma coisa deve ser considerada: a habilidade do diretor Carlos Coimbra. O filme tecnicamente é impecável, a direção de atores é impecável, e o modo que ele conduzia a câmera era fenomenal. Há, em certa altura da trama, um baile em comemoração da nova casa da marquesa. D. Pedro e a marquesa dançam. A câmera passeia ao som da música, livre, como se estivesse flutuando pelo cômodo, sem se importar com o que capta de fato, mas sempre focando na convulsão emocional que aquilo tudo representa. E isso é lindo e hipnótico, é algo que me deixou maravilhado.

O filme está longe de ser um retrato fiel desse episódio da história brasileira, o que Coimbra faz é desenvolver o mito por traz de personagens tão instigantes como Dom Pedro I e Marquesa de Santos, e com todo sua desenvoltura mostrar que há muito mais do que política na vida de qualquer ser humano. É bom saber que passando por um conturbado período histórico, pode-se re-analisar algo muito injustiçado em sua época, e ver a poesia no filme de D. Pedro e suas mulheres.




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