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A General

Por Filipe Chamy

A General
Direção: Buster Keaton
The General, EUA, 1927.

Um dos filmes de guerra mais anti-belicistas — junto com alguns outros honrosos colegas, como o impressionante A grande ilusão, de Jean Renoir —, A General é o testemunho fatal do amor de Buster Keaton pelo cinema. Realizado apaixonadamente e com incrível competência, permanece um belíssimo e poético relato sobre humanidade em tempos em que isso já não importa tanto. Centrado na figura de Johnny Gray (Keaton), um pacato maquinista, temos aqui a confirmação de que no amor vale tudo, até a guerra: pois a paixão do rapaz (Marion Mack) é indiferente a qualquer um que não é adepto do esporte mais perigoso de todos — cujo estádio se chama front —, e o pobre moço é obrigado, contra sua pacífica vontade, a alistar-se. Eis que sua profissão de maquinista é tida pelos recrutadores como mais importante ao desforço de guerra que a de soldado; e Keaton parece dizer que para a manutenção da paz é mais importante trabalhar na luta cotidiana que nas batalhas sangrentas. Ao saber que Johnny foi dispensado, a amada moça não quer saber dele. Desconsolado, vai levando sua vida, mas eis que espiões nortistas (época: guerra civil norte-americana) roubam suas duas musas: Anabelle, a garota mimada, e a General, a locomotiva orgulho de seu coração sulista.

Johnny Gray entra na guerra movido não por ideais, mas por uma idéia, fixa: recuperar suas duas metades. Não mede esforços para a tarefa, arriscando sua vida e sua integridade física. Como Keaton também é o diretor do filme, vemos não apenas um acrobata brilhante mas um grande pintor de cenas plasticamente lindas, enquadramentos perfeitos e criativos trabalhos de composição. E Keaton já provara saber extrair grande beleza de cenas ferroviárias em Nossa hospitalidade.

A guerra não é mostrada em seus horrores: parece antes um grande desperdício de tempo. Uma pausa na funcionalidade do dia-a-dia, uma interrupção no andar da sociedade. Uniformes são simples roupagens para bandidos sem escrúpulos, os que mexem e vivem da guerra. Com seu físico nada heróico, Keaton vai escapando de vários perigos e chega incólume à conclusão de que a verdadeira batalha é a paz, a compreensão e o respeito entre as pessoas. Tudo isso de uma maneira elegante, sem melodrama ou momentos piegas. O “Cara de Pedra” não altera suas feições, mas nós alteramos as nossas por ele: sorrimos, ficamos preocupados, com raiva. Marca de mestre, mas era um homem de muitos talentos: em A General, atuou, dirigiu, roteirizou, editou e ainda fez vários trabalhos como dublê. Há quem diga que ainda fazia dublê para outros atores do filme e que também bolava os cenários. De qualquer modo, é um brilhante e maduro cineasta que aqui consolida seu talento, com destreza e um exímio senso cinematográfico. Subestimado enquanto diretor, Buster Keaton talvez fez seu melhor trabalho em A General, e até o crítico mais resistente é obrigado a reconhecer. Apesar de co-creditado como diretor, Clyde Bruckman (parceiro freqüente do “cômico que nunca ri”) não se destaca, pois o show é por mérito de Keaton — e todos sabem que era artista humilde e que não gostava de ser creditado em muitas funções; além de muitas vezes ser orientado por produtores pilantras a abdicar de seus créditos.

Há duas trilhas sonoras para o filme, feitas respectivamente em 1987 e 1995 por Carl Davis e Robert Israel. Mas por mais bonita que seja a melodia, o cinema de Keaton é puramente visual, a imagem diz tudo e não necessita de complementos. Assim como a locomotiva A General corre faceira por entre os trilhos da Geórgia, o filme A General corre na lista das mais importantes comédias da década de 1920. Aliás, corre mais ainda: é um dos mais simbólicos e reverenciados clássicos do cinema mudo. Merecidamente.



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