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CANTORAS
Por Domingos Ruiz Júnior

Zezé Motta

Gravado em 1975, “Gerson Conrad e Zezé Motta”, em parceria com o ex-integrante do revolucionário grupo Secos & Molhados, era o prenúncio de que mais uma grande cantora estava por vir. No ano seguinte, o retumbante sucesso como protagonista do filme “Xica da Silva”, de Carlos Diegues, adiou o lançamento do primeiro disco solo, homônimo, para 1978.

“Negritude” (WEA-1979) foi produzido e arranjado pelo violonista João de Aquino e mostrou que, além de toda a sensualidade como atriz, Zezé poderia arrebatar corações em disco, mesmo com alguma firmeza, decorrente de certa exaltação do orgulho negro.

Logo na primeira faixa de “Negritude”, ouve-se a voz suja, mas segura de Manacéia, autor de “Manhã brasileira” e responsável pelo delicioso cavaquinho que percorre a canção.

“Atividade”, uma das jóias do disco, do genial compositor Padeirinho, conta com solos de clarinete do efêmero soprista e cantor Roberto Guima e de chapéu de palha, a cargo de Pedro “Sorongo” Santos. Versos como “quando as coisas ficam pretas/ele até que não comenta/pra mostrar no pé da letra/que ele é pedra noventa” talvez fossem impensáveis nos correntes tempos do politicamente correto, ainda mais se entoados por uma cantora negra. A “patrulha-ideológica” de Diegues deveria estar preocupada com outras questões naquele final de década.

O belo choro “Ai de mim” é malemolente, perfeito na voz quente de Zezé. Contém os impagáveis versos “porque eu não sou tico-tico/pra viver só de fubá”. Não deixa de ser surpreendente ler no encarte do disco que a autoria da canção é dividida entre o poeta Geraldo Carneiro e “il maestro” John Neschling, o sobrinho-neto de Schoenberg e soberano da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (OSESP), que também teve músicas gravadas por Ney Matogrosso, na virada dos 1970 para os 80.

Com participação, ao violão, do próprio autor, Morais Moreira, a afro “Pensamento iorubá” é conduzida elegantemente por Zezé. Sua voz flui pelos atabaques e pelo dedilhado de Moreira.

“Autonomia”, de Angenor de Oliveira, o Cartola, usa do tema da escravidão para descrever os tentáculos do velho mote do amor não correspondido e sua insubmissão à vontade do amante.

João de Aquino e José Márcio são os autores de “Tabuleiro”, um sambão de partido-alto, com direito a muita frase solta, clichê do gênero: “goiaba doce de tirar chapéu”, “o mal fica de bem com o mel”. “Senhora liberdade”, lançada também em compacto simples, é o manifesto negro do disco, dos atuantes Wilson Moreira e Ney Lopes.

“Cana caiana” foi o presente dado a Zezé, “ouro negro de Campos”, por Rosinha de Valença e Maria Bethânia. “Trovoada”, de Tunai e Sérgio Natureza, feminista até o último fio do bojo do sutiã, poderia também ter sido gravada por Angela Ro Ro em seu disco de estréia no mesmo ano.

O disco termina com duas boas releituras: Ai, Yoyô (Linda flor), de Henrique Vogeler, Luiz Peixoto e Marques Porto e “Boca de sapo”, de João Bosco e Aldir Blanc, mas que são imbatíveis nas vozes de suas criadoras, Aracy Cortes e Clementina de Jesus.




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