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Dossiê Carlos Imperial

ENTREVISTA COM CARLOS IMPERIAL

Original por Walter Negrão
Transcrição e seleção por Matheus Trunk

Zingu! marca mais uma vez sua presença em divulgar entrevistas esquecidas pela grande mídia. Aqui está intacta toda a antológica entrevista de Carlos Imperial a revista LUI em dezembro de 1977. Gênio, o “rei da pilantragem” diz que vai desistir da vida de bom vivant, e passará a ser um homem comum, constituindo família. A História, prova que felizmente o Brasil perdeu um pai de família mas ganhou um homem multimídia. A extraordinária necessidade hoje de pessoas como Imperial, que bem ou mal fazem da cultura brasileira algo único.

Aqui está publicação dessa entrevista é dedicada as pessoas que fizeram da LUI uma das mais geniais “revistas proibidas” brasileiras. Em especial a seu diretor de redação, o escritor e jornalista Ignácio de Loyola Brandão. Se você conhece alguém que colaborou com a Lui, de alguma forma, por favor, entre em contato comigo pelo e-mail zingu@bol.com.br. Pretendemos fazer um grande dossiê falando mais desta inesquecível publicação, percussora da Zingu! juntamente com publicações como Peteca, Fiesta, entre outras. Este artigo é dedicado a todos os jornalistas, fotógrafos que colaboraram para essas publicações e permanecem até hoje ignorados pela grande mídia. São todos gigantes.

Atenciosamente,
Matheus Trunk.

CARLOS IMPERIAL: “ESTOU CANSADO DE SER O OUTRO”

Cafajeste mesmo ? Grande abatedor de lebres ? Ou um velho senhor cansado ? Por vista das dúvidas, leiam estas memórias.

Por Walter Negrão

Parti para a entrevista com Carlos Imperial. Surpresa: encontrei um senhor abatido, cansado, muito preocupado em provar- até desesperadamente- que nunca foi má pessoa, que sonha com lar, filhos e netos. Encontrei um senhor solitário, que vive apenas com uma cachorra no apartamento de Copacabana. Verdade ? Mentira ? Estaria mais uma vez Imperial fazendo tipo ? Estaria eu enganando a seu respeito, como milhares de pessoas que o conhecem como um dos maiores cafajestes brasileiros ? Ou estaria Imperial me enganando para que eu- através da entrevista- o ajudasse a enganar esses milhares de pessoas ? As perguntas que havia preparado para suas experiências sexuais, suas mulheres, perdiam o sentido diante daquele senhor interessado em trabalho, crianças, flores, animais. Então me perguntei: Imperial não é mais o mesmo ? E a resposta não veio dele. Veio- aleluia!- de uma tremenda loira que surgia do quarto, em roupas muito, muito íntimas, para perguntar: benzinho, sirvo o uísque agora ? A “lebre” recebeu um olhar fulminante do comportado senhor Imperial, mas era tarde. Não havia mais como e por que continuar mentindo. Ele foi obrigado a botar as cartas na mesa, abrindo- completamente- o jogo.

LUI- Imperial, como é que você perdeu a virgindade ?

CI- Eu tinha catorze anos, havia me mudado recentemente do Flamengo para Copacabana. Naquele tempo eu era magrinho, atlético, jogava futebol no Dínamo, um time de praia. Fui um craque de futebol de praia, cheguei a ser campeão pelo Dínamo...
LUI- Perdão, o esporte-tema da entrevista é outro. A iniciação sexual, Imperial, a primeira vez, como foi ?
CI- Calma, que eu chego lá. Ao lado do edifício onde eu morava com a minha família, havia uma coisa que me impressionou muito: um carrão lindo, um Pontiac do ano, 1950. E a dona desse carro era uma senhora, casada com um médico amigo do meu pai. Eu via sempre aquele carrão entrando e saindo do edifício ao lado e, quando ele estava estacionando fora, eu ficava horas curtindo o automóvel. De tanto me ver ali, a dona do carro acabou me convidando para dar uma volta com ela. Mas o meu sonho era dirigir pessoalmente aquele carrão. Tinha loucura pra pegar naquele volante.
LUI- Você está fugindo da história com essa história do carro.
CI- Acontece que o automóvel sempre teve muita importância na história da minha vida sexual. Prometi que ia abrir o jogo e não vou fugir da raia, não. Um dia, aquela senhora começou a me ensinar a dirigir. Toda tarde, durante uma semana, ela me levava até o Leblon, me dava o carro e eu ficava dirigindo. Depois do Leblon começamos a passear de carro na Barra da Tijuca.
LUI- Inocentes passeios da velha senhora com o atlético rapaz ?
CI- O meus fascínio pelo carro era tão grande que eu mal poderia pensar em alguma maldade, em qualquer coisa de sexo com aquela mulher. Naquele tempo eu tinha catorze anos e a minha curriola era a curriola da masturbação. A gente se masturbava e ficava sonhando com o dia em que pudesse ter relações. As garotinhas naquele tempo não transavam. E as relações com as prostitutas eram impossíveis porque nós, garotinhos, tínhamos que chegar em casa ás 10 horas da noite. Nossa farra era bater papo na porta do edifício...
LUI- E passear de carro com senhoras casadas na Barra...
CI- Não, não ! A minha loucura pelo carro era tanta que eu nem percebia que havia uma mulher de categoria, de sociedade, ao meu lado. Mas, num desses passeios pela Barra, ela parou o carro, começou a me alisar. Começou a me beijar, se insinuando. Falando. Me lembro que fiquei estático, mas excitado. Fiquei erecto, enquanto ela me alisava, me beijava. Então ela tirou a minha roupa, com uma precisão incrível de movimentos e teve sexo comigo. No autmóvel.
LUI- E foi essa a primeira vez, para você ?
CI- Foi. E aconteceu de uma forma engraçada: nós não trocamos uma palavra sobre sexo. Ela tirou minha roupa em absoluto silêncio, levantou o vestido, e transamos ali mesmo, no automóvel. Depois aconteceu outras vezes, sempre da mesma forma, como um ritual. Mas eu tinha medo. Tinha tanto medo que não falava direito com ela. Terminando o ato, no maior silêncio, eu punha a minha roupa, ela se ajeitava e com a maior tranqüilidade me dizia: “Vamos embora”.
LUI- Era a única coisa que ela dizia ?
CI- Na primeira e na segunda vez eu ainda me lembro que foi no banco da frente. Depois nós passávamos para o banco de trás. Esta foi a segunda frase que ela me disse: “Vamos para trás”. Durante um mês isso acontecia quase todos os dias. Até que eu fui deixando de ter uma atuação passiva, fui melhorando, comecei a fazer algumas coisinhas. Quando eu estava mais- digamos- craque, ela me levou para o apartamento de uma amiga desquitada dela.
LUI- O que aconteceu lá ? Como era essa amiga ?
CI- Ela me disse eu íamos fazer um lanche na casa de uma amiga, na rua General Venâncio Flores. O papo inicial dela e da amiga foi sobre as minhas qualidades como volante. Então a amiga me disse: “Ah, eu tenho um Chevrolet se qualquer dia desses você precisar, eu lhe empresto meu carro”. Em seguida piscou para a outra, pediu desculpas e saiu, me deixando sozinho no apartamento com a esposa do médico, a dona do Pontiac 50, a minha primeira mulher. Imediatamente ela me pegou, me levou pro banheiro, me botou debaixo do chuveiro, me deu um banho, me ensaboou todo. Acho que a primeira noção de higiene antes do sexo que eu tive. Ela me deixou zerinho, me perfumou e me levou pra cama. Então ela tirou a roupa. A roupa toda, pela primeira vez. Pude ver aí que ela, embora tivesse no máximo 35, 36 anos não era bonita, tão bem-feitinha de corpo quanto a amiga, dona do apartamento, a desquitada. Mesmo assim, fiquei muito excitado e transamos muito, muito, muito. Ela ficava meio impressionada porque eu estava sempre pronto para transar. Acabava, dali a pouco já queria mais. Nesse dia foi também a primeira vez que ela falou durante o ato. Ela me chamava de meu hominho, meu machinho.
Ela me mordeu, me arranhou muito. Como eu não sabia se era certo ou errado, mordi também. E ela pedia mais: me morde, me morde ! Mas ela me arranhou demais, me mordeu demais, me machucou. No dia seguinte eu mostrava as marcas pros meus amigos como um troféu.
LUI- E a amiga ? Nunca mais viu a amiga desquitada ?
CI- Um dia eu estava esperando, paradinho, lá no campo do Dínamo, que era nosso ponto de encontro, quando chegou a amiga no Chevrolet. Chegou e disse: “Olha, ele não pôde vir, pediu para eu te buscar !”. Me levou e a mulher do médico não estava no apartamento. Aí a amiga me serviu um drinque, me tirou pra dançar, começou a me beijar. Só então eu senti que havia alguma maldade naquilo. Transamos, eu e a amiga desquitada. Fiquei com as duas perto de seis meses. Se não era uma era a outro que me levava pro apartamento. Eu gostava mais da amiga, porque era mais bonita e dava mais presentes. Me deu uma camisa bacana que precisei inventar em casa que havia comprado de um colega do time. De outra vez ela me deu uma calça americana legítima. Na hora de experimentar a calça meti a mão no bolso e vi que tinha dinheiro lá dentro.
LUI- De quanto foi esse primeiro michê ?
CI- Não me lembro quanto, mas era bastante. Como se fosse, assim, a mesada de dois meses. Daí pra frente, garotão, vivendo de mesada de mulher, melhorou muito a minha condição. Confesso que larguei a vizinha e fiquei com a amiga, que me oferecia um apartamento, cama, dinheiro. Essas duas eu considero como aquelas que me iniciaram sexualmente. A primeira, que me iniciou quando era ainda muito inibido, e a segunda, que me fez descontrair, que me ensinou todos os mistérios do sexo.
LUI- Ainda lembra do nome delas ?
CI- Da primeira não posso dizer. Mas a segunda acho que vai ficar até feliz ai ler essa reportagem. Chama-se Denise.
LUI- Você era o único homem na vida dela ?
CI- Não. Nessa época, meu pai era diretor do Banco da Prefeitura do Rio de Janeiro, que corresponde hoje ao Banco da Guanabara. Fui com ele a uma festa no Country Club. Lá encontrei aquela primeira vizinha, mulher de médico, mais a Denise e algumas amigas dela que haviam transado com os meus amigos. Transas que eu mesmo havia arrumado durante os seis meses de convivência.. Todas elas estavam com seus maridos, com os homens em volta. Eu queria me aproximar mas não podia. Elas riam muito, de longe. Foi quando tive a primeira noção de ciúme. No dia seguinte discuti e rompi com Denise.
LUI- Deixou de ser gigolô então, para voltar a namorar as garotinhas da sua idade ?
CI- Por causa dessas mulheres, o meu relacionamento com as namoradinhas ficou péssimo. Começava a namorar e queria logo sexo. Como elas não concordassem, eu me afastava. Até que uma concordou e eu tirei a virgindade dela. Eu tinha quinze e ela catorze anos. Nós éramos o único casalzinho da curriola que transava. Quando deixei a garota, todos os rapazes da turma quiseram namorá-la, porque ela transava. Mas ela não queria transar com qualquer um e eu vi que havia criado o primeiro problema social. Acabei voltando para ela e namoramos perto de uns dois anos, tendo sexo normalmente. Mas aconteceu que- como não podia deixar de acontecer, na nossa irresponsabilidade- ela ficou grávida, com quinze para dezesseis anos.
LUI- Você teve um filho com essa menina ?
CI- A família dela me chamou, houve um problema enorme, acabaram se mudando para Curitiba. Soube que os pais fizeram a garota abortar e nunca mais a vi. Essa foi a primeira namorada que teve sexo comigo. O nome dela era Maria Alice.
LUI- Nunca mais voltou para as velhas senhoras, para as transas nos automóveis ?
CI- Sempre tive fascinação por transar dentro de automóvel. Quando ia para Petrópolis com a família, meu pai me deixava pegar o carro. Eu botava as namoradinhas dentro e ia transar no carro mesmo. Nessas temporadas de Petrópolis, a mais alta sociedade carioca freqüentava a casa do meu pai, no Retiro. Freqüentávamos também o Clube Petropolitano. Nisso, eu conheci uma grande senhora de uma família muito famosa no society hoje em dia. Comecei a transar com essa senhora. Para mim era normal, era como um hábito paquerar e transar com mulheres de 35, quarenta anos, quanto eu tinha só dezessete. Mas a transa com essa senhora do society, virou uma coisa muito séria. Virou uma grande paixão. Apesar de todo o dinheiro que ela me dava, tentei me afastar. Ela ficou atrás de mim, mandou a própria filha falar comigo. A filha era um pouco mais velha que eu, acabou sabendo de tudo e veio falar comigo, contar do desespero da mãe.
LUI- E você acabou transando com a filha também ?
CI- Não, não. Isso me chocou. Porque até então era tudo um sarro. Eu não via a responsabilidade. Mas aquela mulher desesperada, além de contar tudo pra filha, tentou me comprar. Me ofereceu tudo para que eu ficasse com ela. Me ofereceu carro, tudo. Eu não precisava, porque minha família sempre me deu tudo, sempre fui um rapaz rico. Essa foi a primeira vez que tomei consciência desse problema da compra do homem. Senti- pela primeira vez- que aquela farra estava se tornando um tumulto na minha vida.
LUI- Não foi dessa mulher que, anos mais tarde, você recebeu aquele Mercury Cougar ? Aquele carro que lhe inspirou a frase: “Prefiro ser vaiado num Mercury Cougar, que aplaudido num ônibus” ?
CI- Não. Esse foi outro caso. Não nego que tenha recebido o carro de uma mulher. Mas foi um presente muito especial. Ele me deu o carro de aniversário. Mandou uma dúzia de rosas amarelas, com um cartão dizendo que o carro estava á minha espera na agência. Fui até lá e realmente estava. O que o pessoal esquece é que ela também usufruiu do carro. Toda vez que saiamos juntos, ela ia no carro comigo. Foi para essa mulher também que eu fiz aquela música Uma Dúzia de Rosas. Existe uma forma melhor de agradecer um Mercury Cougar ?
LUI- É natural então que essas mulheres paguem pelo seu amor ?
CI- Não acho nada demais que as mulheres dê presentes ao homem que lhe faz companhia. Ao homem que a agrada em todos os momentos. Ao homem que é seu companheiro, seu amigo,seu amante, seu acho. Eu acho perfeitamente normal que a mulher- tendo posses- dê presentes a ele, dê até dinheiro a ele.
LUI- E apartamentos, ela deve dar também ? Você ganhou um, não ganhou ?
CI- Prefiro não tocar nesse assunto, que já me deu dores de cabeça.
LUI- Mas todo mundo conhece a história do apartamento que você comprou de uma mulher por um preço dez vezes menor do que realmente valia. Todo mundo sabe que coce vendeu esse apartamento em seguida, lucrando uma pequena fortuna. Todo mundo sabe que o marido dela tentou provar que houve má-fé de sua parte. E você não era mais um garotinho. Estava com trinta anos. Por que fez isso ? Para se vingar, por ter sido usado, vilipendiado pelas mulheres ?
CI- Muito bem ! Nós combinamos abrir o jogo, então vamos abrir ! Realmente isso aconteceu. Mas não foi como foi noticiado. Em primeiro lugar, os dois, embora casados, viviam separados há dois anos, quando eu entrei no negócio. Era uma mulher maravilhosa, ao lado da qual vivi grandes momentos. Acontece que eu era compositor, um artista que ganhava pouco e ele tinha uma vida social intensa. Queria que eu a acompanhei para a Europa. Lógico que eu não a poderia acompanhar. Não com o meu dinheiro para a viagem era organizar aquilo tudo. Me “vender” o apartamento. Ela passou o apartamento para o meu nome, mas eu não fiquei com ele nem quatro meses. Vendi logo. Por um preço trinta ou quarenta vezes maior do que o valor do recebido que havia dado a ela. O caso não devia ter vindo á baila, não devia ter provocado o menor problema, porque o dinheiro não foi usado por mim. Foi usado por nós. Ela botou o apartamento no meu nome por questões particulares dela com o marido, com a família. Mas o dinheiro que arrecadei na venda foi gasto por mim e por ela, na Europa. Depois ela voltou e eu fiquei por lá mais um tempo.
LUI- Imperial, você nunca teve um romance normal ?
CI- Desde os catorze anos de idade que eu sou amante. Sempre fui o outro. A mulher sempre casada, ou noiva. E eu era o outro. Desde garoto eu tenho essa sina, mas dentro de mim existe aquela vontade de construir um lar, ter filhos..
LUI- Mas você já se casou uma vez. Ou não ?
CI- Aos vinte anos eu me casei com uma moça que tinha dezesseis. Ficamos apenas dois anos casados. O tempo que tivemos dois filhos. Quando ela esperava nosso segundo filho, já estávamos separados. Acho que não sou um cara quadradinho, certinho, que sirva pra ser marido. Talvez eu não só sirva pra ser o amante. Mas bem que eu gostaria de ter o meu lar. Tanto é que tentei. Não deu certo. Eu não culpa a mulher, de maneira alguma !
LUI- E você se sente fracassado por não ter um lar ?
CI- Não me julgo fracassado. Mas cada vez que me separo, fico numa fossa enorme. Fico me perguntando: será que é tão difícil assim ? Vejo meus pais que vão fazer bodas de ouro, vejo amigos casados há dez, vinte anos e me pergunto: só comigo não dá certo, por quê ? Eu tento. Tentei várias vezes, porque eu quero ter um lar. Tenho uma filha de 21 anos, um filho com vinte anos, duas netos e não tenho um lar. Essa situação está me deixando numa angústia terrível.
LUI- Só que você não dá certo, por quê ?
CI- Por causa da minha fama de mulherengo. Acho que as mulheres se sentem inseguras ao meu lado, quando estamos casados. Se desço pra comprar cigarros, elas ficam imaginando mil aventuras. Ultimamente tenho tentado provar o contrário. Tenho sido para cada uma delas- o homem de uma mulher só. Numa fase anterior eu era o grande abatedor de lebres e nem permitia que elas se instalassem na minha casa. Costumava até dizer: em matéria de picirico, escova de dente é mudança. Mas isso foi há algum tempo. Reconheço que durante muitos anos vivi em função de sexo, mulheres, de interesse, conforto, viagens. Coisas que elas sempre me proporcionaram. Mas agora é diferente. Eu quero um lar. Um lar. É tudo que eu quero: um lar !
LUI- Enquanto não consegue o seu lar, vai se conformando com sua vocação de amante ?
CI- Eu aceito, o que é que eu posso fazer ? Mas não é fácil a posição de amante. Veja bem, como a coisa é engraçada: o amante é quem atura os problemas da casa da mulher. Se ela tem um atrito com o marido, ela sai uma pilha de nervos da casa e descarrega no amante a sua tensão. Talvez ela tenha mais fúria sexual com o amante por causa disso. O marido a deixa tensa, nervosa, aborrecida. Quando se encontra com o outro, ela vê nele um novo horizonte. Ela tem um novo enfoque do homem. Então ela descarrega, se entrega ao amante não porque gosta dele, mas porque tem uma necessidade fisiológica de aliviar o sistema nervoso abalado que conseguiu em casa.
LUI- Como é o dia-a-dia de um amante profissional como você ?
CI- Os encontros são sempre fortuitos. Nunca num barzinho, numa praia. Uma das maiores armas dos amantes é o táxi. Seria preciso fazer um estudo do táxi na vida dos amantes. Como diz o Pitigrilli, os amantes se encontram ao cair da tarde. De duas ás seis da tarde é o horário ideal dos amantes. Mas o amante não pode escolher o local: quem escolhe é a mulher. O amante precisa estar sempre disposto, inclusive, para ouvir os problemas do marido dela. O amante é para ser usado, para ser tirado da prateleira quando ela tem tempo. Ela vai, pega o amante, usa-o, depois devolve á prateleira e continua na sua vida normal.
Nós não temos uma participação na vida dela. Nós somos um paralelo, um apêndice na vida da mulher. Para exemplificar, posso até contar um caso engraçado que aconteceu comigo. Ela estava com uma senhora num hotel e ela ligou para o escritório do marido. Não encontrou nem ele nem a secretária. Então ficou com uma bruta raiva, na certeza de que ele estava transando com a secretária. Esqueceu completamente que estava comigo, na cama. Ficou uma fera, andando pra lá e pra cá, nua, espumando. Me deixou deitado, feito um palhaço, enquanto curtia o ciúme do marido. Por isso, o cara que tem vocação para amante precisa segurar também essas barras.
LUI- Ou seja: a função é de objeto sexual apenas.
CI- Bem, mais que isso. Elas exigem verdadeiros filmes, verdadeiras novelas do amante, nesses encontros fortuitos. Coisas que elas não exigem dos maridos. Desde experiências sexuais novas até violência.
LUI- Nenhuma delas tentou prendê-lo para todo o sempre ?
CI- Dizem que algumas mulheres, quando querem prender um homem, levam uma calcinha na macumba, depois vão transar com ele usando essa mesma calcinha e a escondem na casa dele. Não acredito nessas besteiras, mas que eu dou uma procurada em volta depois que ela sai, eu dou. Quando você sai por uma noite, pra dar uma transada só, se a mulher vem com a escova de dente, uma calcinha extra, ela já está se mudando pra sua casa. Isso eu não deixo. A autonomia feminina na minha casa vai da cama ao bidê. Porque a mulher chega com certo recato, certa timidez, mas depois do sexo, no dia seguinte, quando você acorda, ela já está dando ordens aos empregados. Ela assume a casa. Quando menos se espera, ela está recebendo amigos na sua casa. Pra evitar esse problema é que eu as proíbo de circular pela casa. Porque, quando uma mulher na sua casa abrir a geladeira, você está roubado. Já virou a dona de tudo. Ela pode passar até uma semana na sua casa, indo da cama pro banheiro, do banheiro pra cama. No dia em que ela abrir a geladeira e der uma olhadinha, você está perdido. Se acender o fogão então, nunca mais você a tira de lá de dentro. Na minha casa da Barra, acontecia muito isso: cada mulher que dormia comigo, no dia seguinte já mudava a decoração. No primeiro dia dava uma olhada pras paredes, no segundo dia estava trocando os móveis de lugar, quadros, tudo. Ou seja: a mulher primeiro toma posse do homem, depois toma posse de tudo que ele tem.
LUI- Então você acredita que a mulher é muito possessiva, que os homens deveriam criar o movimento Men´s Lib ?
CI- Eu li, num livro francês sobre sexo, que a mulher não aceita mais nem ficar por baixo, na cama. Hoje ela já quer dominar o homem na cama, mostrar a superioridade. Por isso eu digo: mulher é minha só enquanto está embaixo.
LUI- Afinal, é boa a tua vida de abatedor de lebres ?
CI- Engraçado, muita gente pensa que a vida do Imperial é maravilhosa. Só o encaram como cafajeste. Ninguém se lembra que a casa na Barra eu comprei com o meu dinheiro. Ninguém fala que eu dei um apartamento pra minha filha, recentemente. Ninguém vê que eu trabalho, que tenho uma agência cinematográfica montada, com mais de duzentas manequins e atrizes inscritas. Só se lembram que eu durmo com uma mulher por dia. Numa época isso realmente acontecia. Eu costumava pegar as mais famosas revistas e folhear, contando ali as mulheres que eu já havia abatido, entre as entrevistadas e as modelos de publicidade. Então todo mundo pensa: puxa, esse cara dorme com uma por dia, sempre mulheres bonitas.
Mas você não sabe a encheção que é acordar no dia seguinte e começar tudo de novo, com outra: uma conversa fiada, um convite pra jantar, uma boate, depois levar pro apartamento, contar um monte de besteiras, mentiras, botar o disco do Sinatra na vitrola, transar com a mulher. No dia seguinte ela vai embora e você tem que começar tudo de novo com outra, com outra, com outra. E note bem: a primeira vez nunca é perfeita. O sexo só é perfeito do quarto dia em diante. Na segunda vez os dois tentam se mostrar desinibidos mas ainda não estão. No terceiro dia é que se quebra o gelo e no quatro dia é que a gente se entrega totalmente. Então, você pode ter transado com trinta mulheres diferentes num mês e nunca possuiu nenhuma delas de verdade. Isso me dá uma certa frustração. Eu invejo meus amigos, vizinhos, que tem uma mulher só. Eu gostaria de não ter que ficar desfilando com várias mulheres em lugares finos, em estréias. Ás vezes essas mulheres são extremamente chatas, apesar lindas. Eu preferiria ter uma casa, um lar, um lugar ora levar os amigos pra jantar e ouvir aquela frase: “Puxa, meu bem, você não avisou que ia trazer os amigos !”.
LUI- Você teve mesmo tantas mulheres ?
CI- Uma vez um amigo me disse: “Imperial, eu gostaria de ter tido dez porcento das mulheres que você teve”. Olhei pra ele e respondi: “Pois eu gostaria de ter tido dez por cento das mulheres que você pensa que eu tive”. Porque há muito folclore em volta. Muitas vezes eu só saio com uma mulher pra uma praia, uma piscina, um jantar, mas como está do meu lado todo mundo pensa que ela vem vindo ou está a caminho do abatedouro de lebres.
LUI- Fazendo um balanço: você se entregou a primeira vez para dirigir um Pontiac 50. De outra vez se entregou para ganhar um Mercury Cougar. Uma terceira mulher lhe deu um apartamento e uma folgada viagem à Europa. O que é isso que você faz ? Prostituição masculina ?
CI- O verbo é: que eu fiz. Hoje estou em outra, repito. Estou tentando acertar minha vida, de casamento e tudo mais
LUI- Ah você renega sua vida de amante profissional ?
CI- Não, não renego. Mas é angustiante estar sempre no segundo plano. Quem pensa que o amante está no primeiro plano, pensa errado. O amante está sempre no segundo plano. Está sempre esperando a saída do marido, a viagem do marido. E quando volta, ele é o dono da mulher. A única coisa que fascina na posição do amante é o mistério, a necessidade de afirmação de macho que faz parte do nosso sangue latino. Mas, no fundo, no fundo, no fundo, eu quero ser o marido, quero ter a minha única mulher, o meu lar. Enfim, quero ser um marido. Mas é muito perigosa a posição de marido, porque há sempre um Carlos Imperial de prontidão na esquina.

*Entrevista originalmente publicada na revista LUI, número 09 de dezembro de 1977 das páginas 86 a 95.



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