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Dossiê Carlos Imperial

IMPERIAL: O ONIPRESENTE

Por Matheus Trunk

Hoje o Faustão é somente o Faustão. Mas nos anos 70 todos os apresentadores de programas populares não se resumiam a seus programas de auditório. Barros de Alencar e Raul Gil eram cantores, Silvio Santos era colunista de revista feminina e Chacrinha tinha sua própria publicação (“Jornal do Chacrinha”) ao qual colaborava.

Mas dos apresentadores de auditório somente um era um homem multimídia: Carlos Imperial. Difícil é dizer o que esse gigante da cultura brasileira não foi. Onipresente e onisciente, CI era um verdadeiro homem multimídia: cantor, compositor, arranjador musical, músico, produtor fonográfico, apresentador de rádio e TV, animador, humorista, ator, cineasta, roteirista, produtor cinematográfico, montador, radialista, programador de rádio, descobridor de talentos, diretor de televisão, agitador cultural, empresário, diretor e roteirista de teatro, escritor, político, entre outros.

Nascido em Cachoeiro do Itapemirim-ES em 1935, Carlos Eduardo Corte Imperial iniciou sua carreira artística no Rio de Janeiro. Começou na TV Tupi, aos 24 anos, como faxineiro. Subiu posto a posto, tornando-se em 1968 o supervisor musical da emissora. Chegou a ter o seu próprio programa de auditório, que ficou no ar durante o final dos anos 70 e início dos 80.

Também nenhum apresentador era tão namorador quanto Imperial. O “rei da pilantragem” era convidado para ser jurado de diversos concursos de miss pelo país. Como ele mesmo cita em uma de suas memoráveis colunas na “Amiga” de 1976: “Fui ser jurado da eleição de Miss Aruarama. Eu, Zé Rodrix, Humberto Reis, Éder de Castro e Condessa Von Konnig. Foi um sarro. Elisabete a vencedora é linda de morrer. Merece ser apontada como uma das moças mais bonitas que vi nos últimos tempos. A segunda colocada, Vilma, é uma parada”.

Muitos ignoram que foi praticamente Impera quem trouxe o rock para o Brasil. Numa época em que o gênero musical era algo quase pornográfico. Em seu lendário programa “Clube do Rock” descobriu o maior mito musical que o Brasil já teve (Roberto Carlos), diversos nomes da Jovem Guarda e as duas maiores lendas do soul music tupiniquim (Tim Maia e Wilson Simonal). Foi ele também que produziu o primeiro disco de Roberto Carlos, Louco por Você, que o rei renega até hoje. Bossa-novista, o disco foi uma tentativa de RC imitar João Gilberto, o que não deu certo e após esse disco, praticamente acabou as relações de Imperial com Roberto. Disputado por colecionadores, esse disco chega a custar três mil reais em vinil, por nunca ter sido relançado em CD.

Dos cantores da Jovem Guarda, difícil é achar um que não tenha gravado uma música dele pelo menos. Imperial foi o criador do maior sucesso de inúmeros integrantes do movimento. Tanto de Ronnie Von (“A Praça”), Waldirene (“A Garota do Roberto”), Eduardo Araújo (“O Bom”) e Silvinha Araújo (“Professor Apaixonado”). Nessa época o parceiro mais habitual de canções foi o cowboy Eduardo Araújo. Mas nada que o impedisse de compor com fíguras interessantíssimas da música jovem dos anos 70 como o brega Nenéo ou a cantora e compositora Elizabeth.

Mas a mais inusitada parceria dele seria com o lendário sambista Ataulfo Alves (1909-1969). Compuseram juntos seis canções, todas gravadas por Clara Nunes, até então uma inexpressiva cantora de bolero da Odeon, que começava timidamente a cantar samba. Em 1968, Clara gravou uma música de Imperial e Ataulfo “Você Passa e Eu Acho Graça”, que se tornou um grande sucesso nacional. A parceria durou pouco tempo porque o decano sambista acabou sofrendo uma úlcera no duodeno e morreu pouco tempo depois.

Juntamente com seu mitológico amigo Mister Sam, no final dos anos 70, foi também o responsável pelo lançamento nacional da rainha do bumbum e futura estrela dos explícitos da Brasileirinhas, Gretchen.

No cinema, Imperial iniciou-se como coadjuvante em chanchadas. Seu primeiro filme é “O Petróleo é Nosso” de Watson Macedo. Anos mais tarde, numa entrevista ele relembraria o fato: “Aos 18 anos de idade eu era astro num filme brasileiro (...) levei tapa na cara, cai de roupa numa piscina e no fim do dia o Macedo gritou para o seu assistente o Roberto Farias: “Manda voltar amanhã aquele cara que topa tudo. Ele é bom !” O cara que topava tudo era eu. Talvez a minha vontade de vencer no cinema me transformara numa espécie de “deixa comigo” para aparecer melhor e me fazer notar pelos diretores. Eu entendi rápido que somente o cara sendo muito profissional é que iria se firmar. E aí criei uma imagem longe da minha verdade. Eu dizia que não importavam os meios e sim a finalidade. Minhas loucuras e brincadeiras foram curtidas por todos”.

Se destaca nas chanchadas da companhia Herbert Richers, a qual desponta principalmente como amigo dos heróis ou vilão, ao lado de astros da companhia como Ronald Golias, Costinha e Zé Trindade. Tem rápidas atuações nos anos 60, já que o Cinema Novo parece não ser a sua onda. Na Herbert também que o homem multimídia vai ter sua primeira oportunidade em outras funções cinematográficas, como assistente de direção.

Na década de 70, sua carreira na telona ganha força. Com a volta do cinema popular, a ousadia e a inteligência de um grande personagem como ele está de volta ao campo cinematográfico. Em pornochanchadas, sua participação é sempre marcante, seja em produções cariocas ou paulistas. Além de ator, atuou ainda como montador, roteirista, diretor e mesmo produtor por sua firma, a CIPAL. Claro, que como sempre foi músico, ele não poderia deixar de assinar trilhas sonoras também.

Seu primeiro longa como diretor “Um Edifício Chamado 200”é baseado numa peça de teatro que Imperial estrelava de grande sucesso na época. Comédia popular, contando com o ator Milton Moraes teve público de 88.457 espectadores, coisa raríssima para um filme nacional hoje em dia. Moraes, ganhou até prêmio por seu desempenho na fita: de melhor ator no Festival de Cinema de Belém. Curioso é que o roteiro de “Um Edifício”, ficou a cargo de Ipojuca Pontes, que depois foi peça importante quando Collor acabou com a Embrafilme nos anos 90. “Esquadrão da Morte”, segundo filme de Impera como diretor, é um filme no gênero policial, baseado em fatos reais da época. Depois, todos seus filmes seguintes são pornochanchadas. Os que merecem nota é “Um Marciano Em Minha Cama” em que uma nave espacial lotada de alienígenas desce a terra durante a lua de mel de um casal e “Mulheres, Mulheres” que é baseado em um conto do escritor e cineasta italiano Píer Paolo Pasolini.

Além de toda essa trajetória como cineasta e produtor, o homem multimídia foi ator dos mais atuantes em sua época, estando presente em mais de 40 filmes nacionais. É o único ator no cult “Monstro Caraíba” do cineasta marginal Julio Bressane. Outro filme em que a participação de CI é memorável é “Banana Mecânica”, também produzido por ele próprio e que brincava com “Laranja Mecânica” de Stanley Kubrick.

No auge da Ditadura Militar em 1968, Imperial ficou preso um tempo na Fortaleza da Ilha Grande por causa de um cartão natalino. O “rei da pilantragem” mandou para grandes autoridades da época um cartão com uma foto dele próprio sem as calças. O adereço natalino foi mandado também a amigos, inimigos e personalidades influentes da época. No fim da vida, Impera tentou a carreira política. Foi o vereador mais votado da cidade do Rio de Janeiro em 1982 pelo PDT (Partido Democrático Trabalhista) de Leonel Brizola. Apadrinhado pelo político gaúcho, o homem multimídia tornou-se o líder da legenda na Gaiola de Ouro, a câmara de vereadores do Rio. Mas quando descobriu e entregou o escândalo de corrupção brizolista na Torre do Manequinho, tendo de romper com o líder trabalhista. Imperial tentou ainda a prefeitura carioca sem o mesmo sucesso. Depois, publicou sua autobiografia “Memórias de Um Cafajeste” que é disputado em sebos até hoje.

Em sua última aparição pública, apresentou a toda nação sua nova namorada. A linda amazonense Jana, que tinha apenas catorze anos. Na época, Impera tinha quarenta e dois anos a mais que a moça.

O homem onipresente morreu aos cinqüenta e seis anos em 4 de outubro de 1992, esperando que sua trajetória seja melhor compreendida e conhecida pelas novas gerações, que dêem a ele seu devido lugar na história da cultura brasileira. O Brasil se esquece de suas grandes fíguras, preferindo muitas vezes pessoas que não tem 1% da grandeza de um Carlos Imperial.

Zingu! espera que com esse dossiê, esse fantástico homem tenha sido melhor referenciado e que ganhe novos fãs.



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