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Dossiê Carlos Imperial

A Viúva Virgem
Direção: Pedro Carlos Rovai
Brasil, 1974.

Por Andrea Ormond

Carlos Imperial é o nome do homem. Carioca do Espírito Santo, criado em Copacabana, de Imperial há muita coisa boa a se falar e apenas um ou outro deslize em sua rocambolesca “carreira”. Produtor e diretor musical e cinematográfico, compositor, jornalista, escritor, apresentador de programas de auditório, e em certa época da vida, ator bufo dos melhores, Carlos Imperial foi um destes loucos que não existem mais, por quem o Brasil deveria babar de orgulho.

Mas pelo contrário, antes das trevas do esquecimento onde mergulharam sua memória hoje em dia, imprimiu-se a versão de um Imperial aproveitador, canalha, sem cultura e salafrário. Nada mais injusto para alguém que dedicou sua vida a criar. Com um décimo da versatilidade e da grandeza cultural de um Carlos Imperial, a maioria dos intelectuais brasileiros teria conduzido uma revolução positiva no país da segunda metade do século XX, ao invés de se enclausurarem nas cátedras medíocres de nossas universidades públicas deficitárias.

Existe, portanto, um ramo da cultura brasileira onde o malandro, o gordo cafajeste, o terror da Rua Miguel Lemos, Carlos Imperial, é sinônimo de história e selo de qualidade. Junto com Adriana Prieto, Jardel Filho e Darlene Glória, é ele quem dá a tônica em “A Viúva Virgem” (1972), intrincada comédia de situação, campeã de bilheteria naquele ano, contando a história de Cristina (Prieto), moça do interior de Minas, recém-casada com o ogro barbudo, Coronel Alexandrão (Imperial).

Desleixado e oleoso, o Coronel ganha na música do próprio Imperial – embebida dos hits rurais de Tim Maia, na fase “Coroné Antônio Bento” – sua melhor definição: “Uai, uai, coroné, coroné Alexandrão, deitou forte, bicho macho, povoou a região”. Pai de mais de setenta filhos, Alexandrão vai ao altar novamente, interrompe o padre (José Lewgoy) ao pedir para que se apresse, mas logo após os comes e bebes da recepção, enfarta sobre Cristina sem consumar o casamento.

A “viúva virgem” Prieto, que repetidas vezes ora diverte-se em cena – um vago sorriso no canto da boca, principalmente nas cenas com o endemoniado Imperial – ora parece perguntar-se aonde foi parar o estilo seriíssimo de “Memória de Helena” (1969), estrelado por ela três anos antes – o momento em que hesita ao aceitar o Coronel na cama transparece um requinte interpretativo que não combina lá muito bem com os gracejos do filme.

A partir do enterro do morto, tem-se início a guinada em direção à cidade grande, quando acompanhada pela tia (Henriquieta Brieba), Cristina cumpre orientações médicas e pretende relaxar. Encontra, porém, Constantino Gonçalves (Jardel Filho), falsário que apresenta-se como industrial, dono da revendedora de sucos “Meu Limão, Meu Limoeiro” – na realidade, uma oficina mecânica caindo aos pedaços, especializada em lanternagem. A intenção, como não poderia deixar de ser, é a de aplicar-lhe um sonoro golpe do baú.

Constantino tem a idéia de criar o “Empreendimento Matrimonial Constantino Gonçalves”, vendendo pequenas cotas resgatáveis financeiramente após o enlace matrimonial com a pobre viúva. Quem o auxilia é a trupe formada por sua irmã Tamara (Darlene Glória), que namora o raquítico bicho-grilo Paulinho (Marcelo, astro de “Minha Namorada”, já resenhado neste site) e é amiga de Janete (Sônia Clara) – garota no estilo certinha do Lalau, mas ensandecida, que vive dando pulos e cometendo gestos esdrúxulos, no contraponto à autoridade risonha de Tamara.

O imbróglio central, porém, está na hilária volta do Coronel, que vaga em espírito atormentando ex-mulher, Constatino e tia – que acaba servindo de “cavalo” ocasional para a incorporação do rotundo fazendeiro. Flutuando sobre os cômodos, indo à praia, aparecendo atrás de árvore ou de quatro, andando em gatinhas, Imperial é um show deslumbrante à parte, comanda o enredo e conspira de modo sobrenatural contra o estelionato do sr. Gonçalves.

Aumentando a população nas telas, muitos personagens seguem no encalço da virgem em ritmo de screwball comedy. Carlos Prieto, falecido irmão de Adriana, faz o amigo de trejeitos duvidosos. Otávio Augusto, de bigodinho, dirige um comercial. Wilson Grey, é bom que se diga, marca presença quando menos se espera, feliz que só, trocando olhares com Henriquieta Brieba.

Frustrado o golpe do baú, Cristina encontra o amor nos braços de Paulinho e é vista pela última vez a seu lado, no carro cujo capô é tomado pelo vulto de Alexandrão. Sem mortos e sem feridos – apenas presos, por uma série de confusões num motel –, um comboio policial leva todos os atores, à exceção daquele trio, em clima de encontro de final de ano, sorridentes para um último passeio pela câmera do diretor Pedro Carlos Rovai. A cena final, como em filme brasileiro dos anos 70 que se preza, congela na imagem de Imperial mandando o espectador para aquele lugar.

Mas ninguém se importa, porque somos todos – espectadores, atores e diretor – convidados para a festa que, afinal, são os filmes e a vida deste monstro sagrado brasileiro. Treze anos depois do Coronel Alexandrão, Imperial seria candidato a prefeito do Rio pedindo voto para as crianças (“Eu sou a zebra, peça ao seu papai para votar na zebrinha!”), assumiu a função de apresentador fixo da apuração das notas do Carnaval carioca (“Beija-Flor de Nilópolis, dez, nota dez!”), até falecer e ir diretamente para o céu, sem escalas, em Novembro de 1992. Um tributo ao gênio.



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