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TESOUROS DOS QUADRINHOS
Clássicos absolutos das HQs, de todas as épocas e estilos.
Por Daniel Salomão Roque

RIP KIRBY, de Alex Raymond (1946)

Flash Gordon, Jim das Selvas e Agente Secreto X-9. Criar apenas uma destas histórias em quadrinhos já seria o suficiente para imortalizar qualquer autor de comics. Entretanto, todas elas saíram da mente de uma única pessoa: Alex Raymond, para muitos o maior quadrinhista já surgido nos EUA. Em 1944, este novaiorquino nascido em 1909 abandonou temporariamente as HQs e partiu para a guerra, servindo como fuzileiro naval do exército norte-americano. Retornou à vida civil e às pranchetas apenas dois anos mais tarde; o público sequer imaginava, mas nessa volta o mestre atingiria o ápice de sua carreira e se superaria em todos os sentidos, graças ao seu mais novo personagem, desenvolvido em parceria com Ward Greene, editor do King Features Syndicate - Rip Kirby, cuja estréia nos jornais ocorreu no dia 4 de março de 1946.

Remington Kirby não era um detetive comum. Criminologista e ex-major dos Marine Corps, poderia ser considerado uma espécie de elo entre a finesse de um Sherlock Holmes e o vigor de um Sam Spade. Ele usava óculos, era extremamente culto, elegante, fã de música erudita, pianista, escritor, bibliófilo e dono de um paladar apurado. Em contrapartida, também esbanjava energia, manejava revólveres como ninguém e distribuía porradas nos malfeitores caso fosse necessário. Ambientados no mundo da alta sociedade de Nova Iorque, os enredos via de regra tinham início com um cliente qualquer consultando o nosso protagonista, que aos poucos se embrenharia em conspirações de deixar qualquer leitor instigado. Não eram raras as ocasiões em que o quatro-olhos se via obrigado a cruzar os EUA e outros cantos do mundo para conseguir resolver determinado caso, o que dava às tramas um aspecto ainda mais interessante. Dúzias de pessoas esquisitas circulavam pelas aventuras, da femme fatale ao viciado em drogas, passando por maníacos-depressivos, contrabandistas de relíquias históricas, assassinos, etc. Em meio a toda esta sordidez, merecem destaque os poucos, porém inesquecíveis coadjuvantes fixos da série: Cecil Desmond, ex-presidiário que largou o crime e tornou-se mordomo do private eye; Pagan Lee; Mangler; e por último, Honey Dorian, uma belíssima loira que fazia o papel de eterna noiva do herói. Resumindo: uma criação originalíssima, que evitava ao máximo cair nos inúmeros clichês já estabelecidos no gênero policial, primando sempre pela discrição e apresentando teores mínimos de violência.

O aspecto visual da obra era de longe o que mais chamava a atenção. Mais conhecido pelas enormes, coloridas e delirantes páginas dominicais de Flash Gordon, Raymond mostrou-se genial também na concepção de um material mais sóbrio: em primeiro lugar, escolheu para Rip Kirby o formato de tira diária, caracterizado por uma dimensão menor e pela necessidade de ritmo ágil e texto enxuto; em segundo, abandonou as cores e se focalizou no preto & branco, onde desenvolveu uma brilhante e complexa técnica de chiaroscuro. Luz e sombra, profundidade, movimentação, enquadramentos - tudo era perfeito e o desenhista se mostrava mais inspirado do que nunca. O rigor estético era tamanho, que até os balõezinhos de diálogos eram dispostos de forma "simbiótica" com o cenário e corpo dos personagens, formando um conjunto harmonioso que acentuava a fluidez da narrativa. Tudo isso fica muito claro através da seguinte frase pronunciada pelo artista: "Cheguei à conclusão, honestamente, que comics é uma arte em si. Um desenhista de quadrinhos sonha sua obra diante de uma folha em branco, sendo, ao mesmo tempo, roteirista, ator e diretor de cinema".

Alex Raymond levou o título em frente até 1956, quando morreu de forma trágica e prematura num acidente automobilístico, ocorrido quando dirigia um Porsche em alta velocidade - curiosamente, o veículo pertencia a Stan Drake, desenhista de The Heart of Juliet Jones. Devido ao seu falecimento, uma história de Rip Kirby ficou incompleta, e para concluí-la foi contratado o artista John Prentice, que posteriormente assumiu o comando do título de maneira digna, embora abaixo do nível original.

No Brasil, Rip Kirby foi publicado pela primeira vez n'O Globo Juvenil de Roberto Marinho, com o ridículo nome de Nick Holmes. Esta é apenas uma das muitas provas de que no nosso país não são apenas os filmes que ganham alcunhas bizarras por parte dos "tradutores".



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