html> Revista Zingu! - arquivo. Novo endereço: www.revistazingu.net
Uma Bala para o General

Por Filipe Chamy

Uma Bala para o General
Direção: Damiano Damiani
El Chuncho, quien sabe?, Itália, 1966.

Violência, precariedade e muita, muita sujeira. É assim que a maior parte das pessoas se lembra do faroeste spaghetti, subgênero dos mais injustiçados. Humor, sarcasmo político, ação, inconformismo, técnica singular, o spaghetti caracterizou-se não apenas por tudo isso mas permanece ainda hoje uma aula de como utilizar um orçamento pequeno: geralmente gravados na Espanha e com um status inato de filme B, são produções criativas (e geralmente divertidíssimas) de baixo custo, com um charme que qualquer pessoa despida de preconceitos pode identificar e admirar. Mestres subestimados, atores desconhecidos, a trajetória dos spaghettis é repleta de incompreensões. Estamos diante de uma delas, com Uma bala para o general.

Dirigido por Damiano Damiani (responsável por Trinity e seus companheiros, pérola apenas conhecida por ter dedo de Sergio Leone), o filme conta a história de El Chucho (vivido brilhantemente por Gian Maria Volontè), bandideco mexicano que vive de golpes e assaltos a trens com munição — sendo que as armas são destinadas ao general Elías (Jaime Fernandéz, quase imponente), líder de uma revolução nos conturbados anos 1910-1920, período de efervescência político-criminosa naquelas bandas. Durante um de seus roubos, Chucho se depara com o gringo Bill Tate (Lou Castel), a quem logo apelida El Niño, devido à sua pouca idade. O que o bandoleiro e seus homens nem desconfiam é que o americano é um fora-da-lei amigável apenas numa primeira análise; na verdade, trata-se de um espião do governo infiltrado no bando de Chucho para encontrar-se com Elias e dar cabo de sua vida com a tal bala do título — uma belezoca dourada e extremamente mortal, ainda mais levando-se em conta a pontaria certeira de seu possuidor, o gringo.

Como praticamente todo bom spaghetti, muitas seqüências memoráveis de tiroteios estão presentes, seja a pé, a cavalo ou de trem. É uma fita essencialmente de aventura, bem rápida, com alguns interlúdios cômicos, românticos e até dramáticos. O mais interessante é obviamente o caráter de Chucho — fisicamente já tão fascinante —, que parece prezar mais uma boa farra que estratégias e táticas militares. Chega a ser comovente sua expressão de criança satisfeita ao operar uma metralhadora contra seus inimigos, auxiliado por Tate: débil de poder e sangue, ri como uma besta e deleita-se com cada morte, fazendo questão de pessoalmente ir terminar o que a máquina deixou incompleto. E o que dizer de seu olhar ao ter seu vasto bigodão utilizado para um inusitado “bem-me-quer-mal-me-quer” praticado por forças policiais (os chamados rurales)? Indecifráveis reações são sua tônica, como pode ser muito bem enxergado na última e talvez anti-climática cena. Para Chucho a guerra é uma brincadeira? Pode ser, mas ele suou um bocado, perdeu seu irmão religioso fanático no processo — e pode-se imaginar a face do fanatismo quando tem-se o grande Klaus Kinski no papel —, viu-se prestes a morrer, libertou-se de qualquer amarra à vida social. Suas noções de amizade, família e honra são um tanto distorcidas para a sociedade que habita, mas Chucho não se importa propriamente com isso, pois tem seu próprio código de honra. E a bala para o general Elias só explicita essa mudança de rumo, um divisor de águas que Chucho foi forçado a reconhecer.

Uma bala para o general conta ainda com uma belíssima trilha sonora supervisionada pelo mestre Ennio Morricone, especialista de pleno direito em faroestes. E a fotografia ímpar dos spaghettis, aquela de sujeira (e poeira) tão tocante e bonita plasticamente, só contribui para a grandeza deste clássico. A epopéia do oeste, recontada pelos italianos, é perversa, amoral e rude. Assim como o caráter dos homens e assim como El Chucho, quién sabe?



<< Capa