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A Última Sessão de Cinema

Por Filipe Chamy

A Última Sessão de Cinema
Direção: Peter Bogdanovich
The Last Picture Show, EUA, 1971.

Peter Bogdanovich é um desses casos de diretores apaixonados por cinema, como François Truffaut, Martin Scorsese e alguns outros indiscutíveis mestres. Cineastas cinéfilos dificilmente fazem algo sem acreditar ou sem se entregar. E é impossível não perceber que A última sessão de cinema é um filme plenamente sentido por seu realizador.

Numa pequena cidade americana, por volta do início dos anos 1950, uma série de jovens tem suas vidas marcadas por conflitos, amizades, disputas e inseguranças. Quase um testemunho de uma época, o filme é dolorosamente fotografado em preto e branco, como a lembrar que estamos diante de uma nostalgia, um anacronismo. Bogdanovich capta coerentemente a transição de anos e maturidades. Define bem o caráter de seus personagens, e os situa adequadamente num contexto honesto e crível. Somos convidados a conhecer e a participar dos acontecimentos na vida de um grupo de pessoas especiais e únicas em sua vulgaridade.

É a vida, e, portanto, o amor, que toma as rédeas das decisões de todos. Por isso não é surpresa depararmo-nos com todo um “mercado negro” de emoções sentimentais sendo abordado durante a projeção. Intrigas de casais, jogos sexuais, sensações fortes, iniciação à vida adulta e aos desregramentos sem a cobertura juvenil. As personagens principais simplesmente tentam fazer o que qualquer pessoa normal tenta, que é viver bem e intensamente e chegar à realização de seus próprios anseios. O elenco todo ilustra essa incorporação difícil, de estar atrelado a uma condição que a pessoa acredita apenas ser transitória, pois não se enxerga nela. E por vezes a “transição” é sim definitiva.

Devo falar de Cybill Shepherd. Um dos maiores trunfos do filme é esta (então) iniciante em filmes, esplendorosamente linda, com uma movimentação indizível entre o volúvel e o acanhado. A cena em que deve fazer um striptease na frente de todos os convidados de uma festa é um momento singular brilhantemente dirigido por Bogdanovich. Temos ali uma garota absurdamente bonita que vê sua força toda ir embora a cada peça de roupa retirada. O espectador sente um misto de prazer por ver tamanho deleite estético e agonia por ter tanta fragilidade descoberta. A personagem cresce a cada cena, tendo seu perfil psicológico bem explorado ao longo do filme (que não caiu em armadilhas de planos didáticos e passagens burocráticas).

No outro extremo da vida, a personagem de Cloris Leachman — e a de Ben Johnson — representa o ocaso de uma existência medíocre. Casada sem paixão com um técnico esportivo, ela se envolve com um rapaz muito mais jovem (Sonny Crawford, feito por Timothy Bottoms), menos para realizar um amor inconseqüente que para preencher o vazio de seu cotidiano. Sony virá a disputar com Duane (Jeff Bridges) o coração — e/ou o corpo — de Jacy (Cybill), com conseqüências que mudarão não só o relacionamento entre dois ex-inseparáveis amigos, mas a concepção bucólica que a cidade ostentava. A mudança de geração se dá de maneira traumática, e seria tolice esperar algo diverso num ambiente entre guerras (Segunda Guerra Mundial e Guerra da Coréia).

A última sessão de cinema apresentada aos habitantes da cidade — a Duane mais que todos, já que alistar-se-á — traz às telas Rio Vermelho, clássico faroeste de Howard Hawks. O escolhido para o simbólico título tem duas razões para o ser: uma diz respeito a uma metáfora metalingüística representada por John Wayne e Montgomery Clift, atores de métodos e gerações diferentes. A outra é sobre Bogdanovich, grande admirador de Hawks; para quem não se lembra, a Zingu! publicou em sua quarta edição trechos de entrevistas feitas de diretor para diretor. O assunto, é claro: cinema, coisa de que eles entendem.



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