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CANTORAS
Por Domingos Ruiz Júnior

Marlene

Paulistana nascida no bairro do Bixiga, Vitória Bonaiuti, adotou o nome artístico de Marlene, alcunha referenciada pela alemã Dietrich, e arrebanhou legiões de macacas de auditório nas apresentações ao vivo que realizou no final da década de 1940 e por quase toda a de 1950, nos estúdios da Rádio Nacional, sediada no Rio de Janeiro, ainda capital da República. É dessa época a origem da folclórica disputa entre os fãs da Preferida da Aeronáutica e os seguidores da Favorita da Marinha, a carioca da Mangueira Emilinha Borba, que culminou na fundação da Associação Marlenista do Rio de Janeiro, seu ainda atuante fã-clube.

Embora tenha iniciado sua carreira na Rádio Bandeirantes de São Paulo, Marlene, a “Carmen Miranda dos pobres”, como a ela se referia o jornalista e crítico musical Lúcio Rangel, tornou-se carioquíssima ao interpretar um repertório eclético: do baião de Luiz Gonzaga aos calipsos-rock italianos da virada dos 1950 para os 1960 - incluindo uma versão para “O Gondoleiro” assinada por Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta -, moldado durante os anos como “crooner” do Cassino da Urca e, mais tarde, dos salões de festas do Copacabana Palace.

Como cantora, atuou em inúmeros filmes de temática carnavalesca como “Pif-paf” (1945), “Caídos do céu” (1946) e “Esta é fina” (1947) e, participante assídua no programa de César de Alencar, na Rádio Nacional, Marlene é eleita a rainha do rádio de 1950, episódio deflagrador da rivalidade entre os fãs da cantora e os de Emilinha Borba.

Na década de 50, já com programa próprio, na mesma Rádio Nacional que a consagrou e com transmissão televisiva, intitulado “Marlene, meu bem”, idealizado e produzido por Mário Lago, também autor da música-tema do programa, cujo teor era as esquetes satíricas da vida conjugal de Marlene e do ator Luiz Delfino, seu marido à época, a cantora iniciou a consolidação de sua carreira na então nascente televisão.

Assim como outras cantoras da sua geração – Isaura Garcia e Nora Ney talvez sejam os exemplos mais recorrentes, pois estavam em plena maturidade vocal -, Marlene também teve sua carreira ceifada, adquirindo um repertório errante, buscando relacioná-lo ao surgimento da estética da bossa-nova e, mais radicalmente, com o advento da vanguarda natimorta da tropicália.

Mesmo com pequena extensão vocal, Marlene se agigantava nos palcos e nos estúdios. Sua voz ofegante e pungente calhou muito bem com os números que passou a apresentar nos shows militantes da década de 1970. Espetáculos como “É a maior!” (RGE/Fermata/Som Livre-1970), saudação com que a cantora era recebida por seus fãs, “Botequim” (RGE/Fermata-1973), de Toquinho e Gianfrancesco Guarnieri e “Te pego pela palavra” (EMI/Odeon-1974), todos à época lançados em disco, representam muito bem a dramaticidade da “cantriz” Marlene.

Como demonstração de sua versatilidade rítmica, gravou, em 1971, para a trilha sonora da novela Bandeira 2, de Dias Gomes, exibida pela TV Globo, o delicioso sambalanço “Você não tá com nada”, de autoria do cantor e compositor Sílvio César.

Já na série “Antologia”, de 1977, patrocinada pela gravadora Philips, é a responsável por apresentar o disco de marchinhas carnavalescas, com pout-porris (“medley”, na linguagem corrente) de clássicos de Assis Valente, Noel Rosa, Lamartine Babo, Custódio Mesquita, dentre outros.

Mas o disco mais surpreendente de sua profícua carreira é o primeiro gravado pela RGE/Fermata, “É a maior!”. Ao vivo, sob a direção de Fauzi Arap e Hermínio Bello de Carvalho, e acompanhada do conjunto liderado pelo excepcional violonista e arranjador Arthur Verocai, Marlene desfilava canções clássicas de seu repertório, como “Lata d’água” (Luiz Antônio/Jota Jr.), “Uva de caminhão” (Assis Valente) e o baião “Qui nem jiló” (Luiz Gonzaga/Humberto Teixeira), entremeadas por falas confessionais acerca de sua personalidade artística e do fardo pesado da fama, além de canções recentes: “País tropical” (Jorge Ben), “Mustang cor de sangue” (Marcos Valle/Paulo Sérgio Valle), sem deixar de registrar a sua interpretação intimista para “Coração vagabundo”, de Caetano Veloso.



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