html> Revista Zingu! - arquivo. Novo endereço: www.revistazingu.net

Clássicos de Prestígio

Por Gabriel Carneiro

Oliver Twist
Direção: David Lean
RU, 1948.

Oliver Twist é a segunda adaptação da obra literária de Charles Dickens pelo mestre inglês David Lean. O primeiro fora o já comentado Grandes Esperanças (1946), maravilhoso relato da sociedade urbana da Inglaterra do século XIX. Oliver Twist não difere quanto à ambientação. A mudança vem do extrato social, em Grandes Esperanças há o predomínio aristocrático, enquanto que nesse é o foco é a classe subalterna e miserável. Twist é um garoto que cresce num orfanato, pois sua mãe o pariu no meio do nada e morreu. Encrenqueiro, acaba sendo expulso de lá e passando por outros lugares até que foge para Londres, onde passa a servir de instrumento de furto do ganancioso Fagin. O único núcleo de poder econômico é o senhor que dele tem pena.

Sou um fã confesso de Lean, e mesmo que esse seja um dos seus trabalhos mais fracos, não deixa de ser formidável. O que mais representa seu poder é a ambientação. É impressionante como ele consegue explorar as diferentes épocas e os diferentes cenários, sem se tornar falso, ou mesmo descrente. A história que conta é atemporal de certa maneira, pois mesmo que mude o contexto, a essência é eterna. Isso é um fator que torna a obra universal, claro, aquilo de poder acontecer a qualquer um. Mas isso é pouco para descrever seu cinema, Lean tem a capacidade de explorar as situações sem que as deixe menos verdadeiras no tempo retratado. Isso que diferencia Lawrence da Arábia dos épicos de hoje, o que vemos nele é pertinente, sincrônico. O cineasta brinca com esses artifícios essenciais à trama, eles não tem um mero aspecto ilustrativo, recebem uma carga atmosférica dentro da dualidade das experiências.

Outra coisa que me fascina no filme – e creio que em grande parte de filmes em p&b de diretores de mais renome (para mim, claro!) – é a coloração. A fotografia no filme é pulsante, é corrosiva, pela iluminação. Os enquadramentos não são um princípio básico no cinema de Lean, mas o uso de sombras e de espaço off são muito preciosos.

O requinte de David Lean certamente não são os atributos de boa parte dos diretores conceituados atuais. Esteticamente seu filme é belo, mas longe de trazer grandes novidades. É um típico diretor clássico e gosto muito desse cinema porque sua principal preocupação é entreter contanto histórias. E é que o cinema é, mais uma maneira de contar histórias, seja como prosa, seja como poesia. Novas trucagens, loucuras, artificialismos, dissonâncias, são todas bem-vindas, desde que acrescentem algo ao conto. Deve também haver o delírio, mas não deve somente sê-lo. O que Lean faz de melhor é contar histórias.

Em Oliver Twist, a soberba é quem comanda. Seja na persona de Fagin – em que tudo é maximizado -, seja nos responsáveis pelo orfanato, nas crianças... O garoto principal cresce naquela origem, e tudo lhe é natural. O contraponto vem quando se depara com a nobilidade do ser humano, encarnado pelo senhor abastado financeiramente. Independente de uma questão do eventual preconceito – que suponho vir da obra literária -, o que se vê é que os puros de alma se dão bem na vida. É moralista, e é por isso que é bom. É moralista, mas é sutil, como o catolicismo em Hitchcock.

Concluo da única maneira que me parece aceitável: Oliver Twist é mais um exemplo da vasta obra temática de David Lean, que somente não se destaca na carreira por não haver um elemento na trama que sobressalte à grandeza dos grandes filmes em geral, o que não o faz desnecessário. Quando se fala de Lean, nada é desnecessário.




<< Capa