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Dossiê Jairo Ferreira

Muita Catástrofe e Pouca Invenção

Por Jairo Ferreira
Transcrição e seleção: Juliano Tosi, especialmente para a Zingu!

Criativamente, 1979 foi um ano de vôo rasante no cinema brasileiro, ao menos. De uma forma geral, nenhum filme prestou. Por Isso nem vale a pena citar muitos títulos. Basta dizer que foi preciso assistir a 50 filmes para encontrar um bom movimento de câmera ("A Ilha dos Prazeres Proibidos", de Carlos Reichenbach), um bom enquadramento ("Mulher, Mulher", de Jean Garrett), uma dose erótica fora dos padrões ("O Prisioneiro do Sexo", de Walter Hugo Khouri), um filme que tivesse algum clima realmente cinematográfico ("As Filhas do Fogo", também de Khouri ou uma boa idéia mal filmada ("Manchete de Jornal", de José Mojica Marins).

Cinema brasileiro sócio-Ideológico? Esse continuou deficitário: "Doramundo", de João Batista de Andrade, "Os Mucker", de Jorge Bodanski, "Anchieta, José do Brasil", de Paulo César Saraceni, "Coronel Delmiro Gouveia", de Geraldo Sarno. São todos filmes muito bem intencionados, mas onde as idéias supostamente novas são expressas com velhos chavões. E isso, aliás, não é novidade exclusiva de 79: há muitas décadas que os cineastas não lêem Maiakovski e, por isso, ainda não sabem que "Sem forma revolucionária não há idéia revolucionária". O que houve aqui, então, foi bagulho sócio-ideológico ("A Batalha dos Guararapes" à frente, claro), algo equivalente aos "disasters movies" americanos: eles fazem Cinema Catástrofe; nós fazemos cinema de catástrofe ideológica. Ou melhor, fazemos só a catástrofe sócio-ideológica, porque cinema poucos fazem e, quando fazem, fogem das ideologias manjadas, fogem dos clichês como o diabo da cruz e o resultado é que os realizadores mais criativos e mais lúcidos não querem nem dar entrevistas (caso de Andrea Tonacci, que está sempre filmando mas nunca mostrando, Ozualdo Candeias, que andou melo pirado este ano com "A Opção" e "Zé Orelhão", sem falar em Julio Bressane, que é um dos mais criativos mas tem verdadeiro horror ao papo que costuma ler diariamente nos jornais).

O cinema alemão, uma esperança da década de 70, começou a degringolar em 78 e, este ano, com a exibição de "Nosferatu", já se viu que o Werner Herzog desse filme não é o mesmo de "O Enigma de Kaspar Hauser", pois não consegue manter aquele nível. Herzog começou sua carreira no alto e veio caindo, enquanto um Wim Wenders, por exemplo, fez o inverso e, este ano, em sessão especial, foi possível constatar isso em "O Amigo Americano", que será lançado comercialmente em 80.

A famigerada abertura da Censura, em cinema, foi uma das maiores piadas do ano: diziam que "O Ultimo Tango em Paris", de Bertolucci, era um filme de erotismo subversivo, mas o grande publicou confirmou que se trata apenas de um conto de fadas perto de um "Império dos Sentidos", de Nagisa Oshima, por exemplo, que, curiosamente, chegou a ser exibido auspiciosamente pelo MASP, única entidade de cultura cinematográfica que cumpriu seu papel em 1979. Fiasco maior foi "O Porteiro da Noite". E mesmo "A Comilança", de Marco Ferreri, não é tão violento como diziam. Dá até a impressão de que tudo não passou de um grande golpe publicitário: não houve abertura propriamente, mas um faturamento dos bons em cima da onda. Abertura, de resto, é termo que pressupõe fechadura, porque tudo vai passando por uma pequena abertura.

O golpe de mestre na criatividade foi dado, uma vez mais, pelo cinema americano. "Super-Homem", por exemplo, é ao mesmo tempo cinema-espetáculo e cinema experimental do melhor. Mesmo em "Alien, o 8º passageiro", quem quiser ver criatividade não se estará enganando: só se enganará quem quiser ver grandes idéias. Esse, aliás, é outro cavalo de batalhas: a idéia deveria estar na forma, mas nem sempre está. "Apocalipse", de Coppola, é o melhor exemplo dessa crise: o filme é realmente um monumento de cinema, mas o seu Apocalipse não está no Vietnã e sim em sua loucura estrutural e narrativa.

*Publicado originalmente na “Folha de São Paulo” em 29 de dezembro de 1979



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