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Menino Maluquinho

Por Filipe Chamy

Menino Maluquinho – O filme
Direção: Helvécio Ratton
Brasil, 1995.

Um filme protagonizado por dezenas de crianças barulhentas e que fala sobre amizade, família, ternura e o cotidiano de pessoas absurdamente normais. Falando desse jeito, tudo dá a entender que é uma tremenda bomba, mas não se deixe enganar pelas aparências: Menino Maluquinho – O filme é possivelmente um dos melhores filmes brasileiros da década de 1990 e, quem sabe?, um dos melhores de todos os tempos. Dirigido com sensibilidade e competência pelo mineiro Helvécio Ratton, inspirado na criação do também mineiro Ziraldo Alves Pinto, é uma película que entretém e emociona, sem ser piegas e preferindo antes ser infantil que pueril. Já é algo a se notar.

Há uma mistura de elementos do livro original e das histórias em quadrinhos. Basicamente: o corpo da trama e os “acontecimentos” (ou, mais acertadamente, as “ocorrências”) são da obra de Ziraldo, enquanto os personagens secundários (os amigos do Maluquinho) são tirados dos gibis, bem como algumas piadas — inclusive a clássica Já tem até peitinho!, comentário feito à entrada em cena da infanto-voluptuosa Shirley Valéria. Interessante notar que apenas no livro os pais do pequeno paneludo se separaram, pois na HQ o casamento vai muito bem, obrigado — curiosidade: os pais se chamam nas revistas Carlinhos e Naná, enquanto que no clássico da literatura infantil não são batizados —; as cenas na sala de aula possuem tiradas da obra literária, mas os personagens que participam são todos dos quadrinhos. Personagem diferente é o Vô Passarinho, pois, até prova em contrário, ele e seu núcleo foram criados exclusivamente para o filme. Os demais seguiram o padrão, quando não foram “humanizados”, ou seja, adaptados pelos realizadores do filme em busca de uma persona mais real: a mãe do Maluquinho perdeu o cabelo azul, a professora perdeu a cabeleira roxa, como duas amostras dessa idéia.

Se é verdade que, frente a um filme infantil relativamente recente, estaremos diante de inevitáveis momentos de sonoplastia (supostamente) cômica e flatulência, verdade também é que o clima de inocência e nostalgia é tão forte que isso tudo parece compreensível em sua trivialidade. Em outras palavras, as crianças (e talvez os adultos) do filme agem de acordo com sua essência, nunca fugindo ao seu caráter. Podem não fazer coisas nobres, podem irritar e podem até mesmo fazer algumas muitas besteiras, mas são crianças, não tipos, e isso é perfeitamente aceitável. Apesar disso, nota-se que, além de quase não lembrarem os personagens dos quadrinhos — o que não é necessariamente um defeito —, todas as crianças em cena parecem apenas bem, ou nem isso. A única exceção: Samuel Costa.

Por ser um personagem emblemático para no mínimo duas gerações, era preciso encontrar um intérprete que imprimisse carisma e estivesse à altura do desafio do papel-título. Samuel Costa nunca é menos que o fruto de um bom trabalho e uma boa escolha. Sabe-se que na época foram feitos testes com inúmeros meninos, mas não é difícil entender porque um se destacou: é espontâneo, versátil e ágil em réplicas e movimentos. Desde sua primeira aparição, passando pelos brilhantes créditos animados — coroados ainda, como toda a fita, com uma belíssima trilha de Antônio Pinto —, uma dança contra o sentido horário, a descoberta da morte e da sexualidade e momentos em que demonstra as pequenas nuances do Menino Maluquinho, até a simbólica partida de futebol, o garoto domina a tela com uma inequívoca grandeza, confirmada pelo suporte dos outros atores — destaque para a bela Patrícia Pillar —, pois tudo gira (e justamente) em torno do Menino Maluquinho. Porque ser uma pessoa que valha a pena já é de uma maluquice extrema. E este filme, de muitos acertos e poucos erros, só faz confirmar isso.



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