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CANTORAS

Por Domingos Ruiz Júnior

Eliana Pittman

O lançamento da cantora, dançarina e atriz Eliana Pittman no showbizz carioca dos anos 1960 deve ser atribuído ao casamento de sua mãe com o sax-alto norte-americano Booker Pittman, que levou aos ouvidos de sua stepdaughter o canto das grandes damas do jazz vocal dos EUA, como Dinah Washington, Ella Fitzgerald e Sarah Vaughan.

Na extinta TV Rio, Eliana apresentou-se pela primeira vez em público, ao lado de Booker, com quem cantou a sua “Mamma don’t want music play here”. A dupla gravou dois discos e fez inúmeros shows pela América Latina e nos Estados Unidos, onde Eliana tomou aulas de sapateado com Sammy Davis Jr. e virou atração do programa de Jack Parr na rede NBC.

Sempre sob a orientação musical do padrasto, Eliana atuou em diversos espetáculos de grande repercussão no Rio de Janeiro, como “Eliana em tom maior”, “Positivamente Eliana” e “É preciso cantar”, no engajado Teatro de Bolso, acompanhada pelo Conjunto 3-D do pianista Antonio Adolfo, cujo registro em disco deu origem ao LP “Eliana ao vivo”, lançado pela gravadora Copacabana. Estrelou também seu próprio programa televisivo na Excelsior, “Eliana superbacana”.

Antes de sua incursão ao carimbó, música de ritmo contagiante do Pará, que marcou sua trajetória na gravadora RCA (atual Sony&BMG), a partir de 1974, sobretudo pelo retumbante sucesso de “Mistura de carimbó”, do paraense Pinduca, motivo pelo qual ganhou o título de “Rainha do carimbó”, Eliana gravou discos pelo selo pernambucano Mocambo/Rozemblit, pela gravadora Copacabana e pela paulista RGE, “Estrela é lua nova”, em 1969, com arranjos do maestro Erlon Chaves.

Presença confirmada nos bailes de carnaval dos salões de festa do Copacabana Palace, onde desfilava sua rara beleza, adornada por algumas plumas e paetês, Eliana encantou muitos foliões em vários carnavais. Reza a lenda de que até Roberto Carlos ficou fascinado ao vê-la, fato que teria rendido uma canção, de versos hoje constrangedores, é verdade, “Negra”, sobre o rapaz branco apaixonado pela moça negra, encomendada aos hitmakers Maurício Duboc e Carlos Colla.

Foi na transição do jazz e da bossa-nova para o carimbó, no entanto, período que coincide com o auge de sua beleza, que Eliana gravou seus melhores discos, como “Estrela é lua nova” e os dois homônimos lançados pela Odeon em 1971 e 1972, entremeados pelo compacto duplo com uma das primeiras gravações de um samba de João Nogueira, “Das duzentas pra lá”, acerca da questão das 200 milhas marítimas territoriais, e com um dos raros registros de “Maria Joana”, de Roberto e Erasmo Carlos, cujo tema era não menos que a própria marijuana.

O disco de 1972, “Eliana Pittman”/Odeon-EMI, relançado em CD na série comemorativa “Odeon 100 anos”, demonstra com precisão a passagem de Eliana do jazz e da bossa nova para os ritmos nordestinos, até chegar ao carimbó paraense. Com arranjos do experiente maestro Orlando Silveira e participação do quarteto do pianista Cido Bianchi, ex-integrante do Jongo Trio, que chamou o ainda desconhecido guitarreiro do samba-rock Luís Vagner, o álbum inicia com “Benzim”, do “doutor do baião” Humberto Teixeira, marcada pelo piano de inspiração latin-jazz de Cido.

“Besouro Mangangá” é o afro-samba de Baden Powell e Paulo César Pinheiro em homenagem ao exímio “zum-zum-zum” do capoeirista baiano Manoel Henrique, o Besouro Mangangá. “Ladainha”, de Zé da Bahia, é baião-funk, precursor das fusões da Banda Black Rio, mas contemporâneo das do pianista Dom Salvador e seu supergrupo Abolição. É a canção do retirante baiano, em cuja trajetória faz-se acompanhar do seu patuá de Xangô e do livro de ladainhas, em direção ao Rio de Janeiro, onde passa a ser chamado curiosamente de “paraíba”.

“É dinheiro só”, do brega Nenéo, é o desejo daquele que joga no bicho, à espera do número da sorte que não o deixará mais sair de manhã “com a cara amarrotada” para o trabalho. O piano Fender Rhodes de Cido Bianchi desliza por toda a faixa.

A dupla Tom Gomes e Luís Vagner criou um samba-rock suave, “Vou pular nesse carnaval”, presente em muitas coletâneas do dito brazilian groove . É o suficiente para Eliana suingar deliciosamente. “Murmurando”, fox-trot das antigas de Mário Rossi e Fon-Fon, destoa do restante do repertório, mas conta com a interessante guitarra de Luís Vagner fazendo as vezes de acordeão.

O baião estilizado volta novamente com a canção de ninar de Humberto Teixeira, “Treze carneirinhos”. “Beira-mar”, de Ednardo, é o ponto-alto do disco. É um blaxpoitation-funk from Ceará, com naipe de metais em brasa, cuja letra descreve o amor resignado, levado à vala comum das desilusões.

Não bastassem todos os outros atributos, Eliana ataca de compositora em “Nem saudade”, em parceria com Cido Bianchi, faixa que se mostra um suingado samba-funk, com baixo e cuíca cuidando da marcação. “Um sonho a mais” é a balada soul que encerra o disco. Eliana Pittman e o Quarteto Cido rivalizam com Gladys Knight and the Pips.

Depois da saída da RCA-Victor no final da década de 1970, Eliana voltou a gravar somente em 1992, ao lançar um álbum em tributo ao Brasil. Seu último disco, independente, “Minhas novas influências”, de 2002, mescla sambas de Custódio Mesquita e Evaldo Ruy, “Saia do meu caminho”; Antonio Carlos e Jocafi, “Você abusou”; Chocolate e Elano de Paula, “Canção de amor”, com o mais famoso de todos os tangos, “El dia que me quieras”, de Carlos Gardel e Alfredo Le Pera.



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