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Coluna CINEMA Extremo

ONDE O CINEMA PODE SER VIOLENTO...

Por Marcelo Carrard

Antropophagus – The Beast
Direção: Joe D’Amato
Itália, 1980

Esse artigo inicia uma série em homenagem ao célebre Mestre do Cinema Extremo: Joe D’Amato, cujo nome verdadeiro era Aristide Massaccesi. Ele usou uma quantidade absurda de pseudônimos em suas quase 200 produções oficiais, mas Joe D’Amato se tornou o nome mais célebre, quase uma grife de transgressão, sexualidade desenfreada, gore extremo e deslimites estéticos variados que o colocaram em um “Altar Maldito” onde até hoje é cultuado por cinéfilos e pervertidos em geral, das mais variadas partes do planeta. Ele navegou por vários gêneros e subgêneos: do Giallo ao Faroeste, do Filme de Guerra ao Horror Gótico, do Sexo Softcore ao Hardcore. Sua trajetória de um impressionante volume de produções culminou na produção Pornográfica, que já havia misturado ao Horror nos anos 70 e início dos 80 em clássicos como EROTIC NIGHTS OF THE LIVING DEAD e PORNO HOLOCAUST.

Na ZINGU #3 escrevi um artigo para essa Coluna com um de seus maiores clássicos: EMANUELLE IN AMERICA, protagonizado por sua Musa Eterna: LAURA GEMSER. Agora direciono meus holofotes para uma de suas produções mais Malditas e Extremas: ANTROPOPHAGUS – THE BEAST, que em uma versão cheia de cortes ficou conhecido como THE GRIM REAPER. Obviamente irei analisar a versão SEM CORTES, com imagem cristalina e falada em italiano, purismos de colecionador... Dois destaques do elenco chamam nossa atenção. Primeiramente o da atriz TISA FARROW, irmã de MIA FARROW que atuou em apenas dois filmes oficialmente: Antropophagus – The Beast e ZOMBIE aka ZOMBI 2, ZOMBIE FLESH EATERS do Maestro do Gore: LUCIO FULCI. O outro destaque está na figura do Psicopata Canibal NIKOS, o Antropophagus do título do filme interpretado pelo “ator-fetiche” de D’Amato: LUIGI MONTEFIORE aka GEORGE EASTMAN, que também é co-produtor e co-roteirista do filme. Sua produção mais conhecida do grande público é SATYRICON de FELLINI (onde interpreta a mítica figura do Minotauro).

Na abertura do filme, com os créditos iniciais vemos um jovem casal passeando pelas características ruas de pedra dos vilarejos de uma ilha grega, com uma música típica onde a produção parece querer insistir que o filme realmente foi filmado em locações na Grécia, o que se repetirá em outros momentos da parte inicial de Antropophagus. O jovem casal em si é de turistas alemães que acompanhados de seu cão chegam em uma praia deserta. O cenário e a atmosfera são característicos de 10 entre 10 filmes de Psicopatas, os Slasher Movies como são mais conhecidos. Sabemos que os dois não vão durar muito temo em cena e cria-se assim a expectativa do ataque sangrento que pode ocorrer a qualquer momento. Enquanto o homem prefere ficar deitado tomando sol e ouvindo música em seus enormes fones de ouvido, a mulher resolve nadar e ao se aproximar de um barco vazio vemos seu corpo sendo observado do fundo do mar, numa citação sem-vergonha de TUBARÃO de Steven Spielberg. Algo puxa a mulher para o debaixo d’água e em seguida o sangue toma conta da água cristalina. Em seguida a câmera emerge do mar como se fossem os olhos do assassino, o sangue respinga na areia. O homem abre os olhos e vê seu rosto refletido em uma enorme lâmina que em seguida parte sua cabeça ao meio. Começa então o filme propriamente dito, com essa antológica seqüência que mesmo de simples composição até hoje impressiona por sua atmosfera de suspense e horror. Essa composição da imagem de Gore Extremo com a lâmina partindo a cabeça da vítima ao meio me remeteu a uma semelhante cena do clássico filme de Mario Bava BAY OF BLOOD.

Em seguida o espectador e transportado para Athenas, onde vemos a protagonista feminina Jullie, interpretada por Tisa Farrow, acompanhada de seus amigos jovens que planejam uma viagem para uma das muitas ilhas gregas, claro que obviamente eles vão parar na tal ilha onde o casal de turistas alemães foi brutalmente assassinado, não é preciso ser um grande expert em técnicas de roteiro para sacar isso. Entre os amigos está um bonitão disputado por Jullie e sua amiga e uma jovem gestante. É interessante a chegada na ilha que parece uma cidade fantasma, o túmulo de pedra onde habita um monstro que está pronto para devora-los. Forçados a ficar na ilha todos estão em uma casa sombria, menos a tal gestante que desapareceu na chegada, após encontrar a cabeça do marinheiro em um balde. O encontro no porão com a menina cega é muito eficiente como truque de roteiro proporcionando um susto de causar taquicardia nos desavisados. A composição da menina cega, coberta de sangue e segurando uma faca, me remeteu a SUSPITIA de Dario Argento, na seqüência final da morta-viva entrando no quarto da Bruxa e na misteriosa menina de THE BEYOND de Lucio Fulci. Até esse momento não vimos o rosto do misterioso psicopata. Sua revelação surge de maneira muito interessante, surgindo das sombras onde é iluminado pelo clarão dos raios, pois como em todo filme de horror que se preze, uma tempestade de raios e trovões está caindo para criar aquele clima todo especial. Com sua máscara de agonia, deformidade e medo, o Canibal Nikos consegue criar uma série de expressões que vão da perversidade absoluta até a mais profunda amargura quando relembra o trauma que o transformou em um monstro devorador de homens. A ambientação desse embate entre humanos e “monstros” em uma Ilha Grega, carrega o filme de uma aura mitológica. Assim como o Minotauro que ele interpretou no filme de Fellini, Montefiore encarna um ser abominável que habita um labirinto de pedras onde repousam restos mortais de suas vítimas e que serve de palco para a encenação da sequência mais polêmica e extrema do filme: a ingestão do feto humano.

Com relação a polêmica seqüência do feto, na época do lançamento do filme D’Amato foi acusado de usar um feto humano real na cena. O Diretor mais uma vez teve que explicar que se tratava de um efeito especial de maquiagem, uma criação dos notórios técnicos italianos que fizeram e ainda fazem escola como GIANNETO DI ROSSI. D’Amato também foi acusado de usar um cadáver verdadeiro em BUIO OMEGA e de ter rodado um Snuff Movie real em EMAMUELLE IN AMERICA. Essa fama injusta criou em torno dele uma grande aura marginal, quase de um criminoso insensível e cruel, o que ocultava uma análise de suas grandes qualidades artísticas que poucos reconhecem até hoje. Além de Diretor D’Amato foi um grande fotógrafo, não só de seus filmes mas de outros colegas italianos em produções famosas como o Giallo CHE COSA AVETE FATO A SOLANGE? aka WHAT HAVE THEY DONE TO SOLANGE?.

O notório Diretor alemão ANDREAS SCHNAAS fez um remake de Antropophagus intitulado ANTROPOPHAGUS 2000, em homenagem ao seu ídolo máximo Joe D’Amato. Nessa homenagem Schnaas extrapola de maneira insana o que já era absurdo no filme original e ambienta a história em um vilarejo na Itália. Voltando ao original de D’Amato, algumas seqüências merecem atenção especial. Além da famigerada e inacreditável cena do feto sendo devorado, temos a seqüência em que Jullie e a menina cega estão escondias no sótão, fugindo de Nikos que tenta arrombar a porta no chão do sótão. No filme de Dan O’Bannon: A VOLTA DOS MORTOS-VIVOS temos uma citação dessa mesma seqüência. A absurda cena de “auto-canibalismo” onde Nikos devora os próprios intestinos é algo sem precedentes no Cinema até hoje, uma representação extrema da loucura infinita do personagem.

Na próxima ZINGU o filme a ser analisado é justamente ANTROPOPHAGUS 2, aka ROSSO SANGUE, ABSURD, que consegue ser ainda mais insano e bizarro do que o primeiro sendo a seqüência mais absurda e sem lógica da História dos Slasher Movies. Em seguida devo aportar no Caribe para analisar a denominada “Fase Caribenha” de Joe D’Amato. Quem viver lerá.



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