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Coluna do Biáfora

“Os Noivos”, de Afrânio Vital: uma obra difícil e até maldita

Por Rubem Biáfora, artigo selecionado por Sergio Andrade

“Os Noivos” tem uma virtude que é a básica mas não encontrável em 95 por cento da atual produção nacional de filmes: total subordinação e entrega a uma proposição séria e exata de se fazer cinema, nenhuma concessão a recursos primários e grosseiros de garantia ou cálculo comercial. Isto mesmo diante de duas ou três cenas de sexo que a fita tem e que provêm, felizmente, de concepções e de um nível acima de suspeição.

O crítico, ensaísta e documentarista Afrânio Vital – que também, entre outros, participou das equipes realizadoras de obras empenhadas como “O Desconhecido”, de Ruy Santos, ou “Os Sóis da Ilha de Páscoa”, de Pierre Kast – revela-se com este seu primeiro longa-metragem de enredo a chegar a público, um diretor e autor senão completamente seguro em todos os momentos ou pormenores, com certeza elemento dotado de gosto e personalidade própria, com muita vontade de acertar, de criar, de observar o real e o humano, de se manifestar com meritória expressão fílmica.

Há – poderão obstar – um certo vôo em círculo, alguma renitência em determinadas situações e diálogos e minúcias que limitam o poder de convencimento ou a “facilidade” de uma obra que já de per si eclodiu conscientemente difícil e até maldita.

Talvez a situação-chave e seu drástico desfecho pudessem ou devessem ter recebido reajustes, visando continuidade mais ampla, tanto em forma, como no conteúdo. Talvez o drama de Vilma e Otávio ficasse mais explicitado se transposto para outra classe social ou outro ambiente geográfico. Mas sabemos que o diretor partiu de pressuposto sincero, que atuou com honestidade de pinceladas. E cumpre não esquecer que num ambiente cinematográfico fátuo e hostil como o nosso, os entraves e as carências de tradição e compreensão são terríveis e quase incontornáveis para qualquer obra que não se vincule ao rolo compressor, que não se renda aos rasteiros e matreiros esquemas de um sistema que nada quer com a manifestação artística livre e individual.

O cineasta saiu-se bem, neste primeiro embate. Conseguiu dar quase toda idéia do que se propunha. Obteve um resultado plástico que não se parece com os de ninguém. Jogou, senão à perfeição, mas com certeza, sugestivamente, muitos momentos. E soube tornar funcional um elenco assimétrico, mas positivamente reunido e combinado, obtendo muitos acertos, confortadores de se apreciar, principalmente com o trio central Neila Tavares, Maria Lúcia Dahl e até mesmo Reinaldo Gonzaga.

Um filme brasileiro que merece apoio.

*Publicado originalmente no “O Estado de S. Paulo” de 27 de janeiro de 1980



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