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SUBGÊNEROS OBSCUROS...

REVOLTA DE ANIMAIS

Por Sergio Andrade

Na década de 70 proliferou, dentro do gênero terror, um subgênero onde os animais se rebelavam contra os seres humanos, atacando-os com toda voracidade. Desde um pequeno inseto até um gigantesco tubarão branco, a imaginação dos roteiristas não conheceu limites ao retratar essa verdadeira guerra do homem contra a natureza.

Um dos precursores dessa série de filmes foi “A Selva Nua” (“The Naked Jungle”), dirigido por Byron Haskin em 1954, que já trazia um elemento simbólico (ou psicológico, social, político, ecológico, sexual) que caracteriza o subgênero.

Senão vejamos: Charlton Heston é o proprietário de uma plantação numa selva da América do Sul que casa-se com uma mulher (Eleanor Parker) por procuração, sem nunca tê-la visto antes. Mas o casamento não é consumado e ela decide voltar para os EUA. É quando eles ficam sabendo que um exército de marabuntas (espécie de formiga vermelha das mais agressivas) está devorando tudo que encontra pela frente, pessoas inclusive, e se aproximam da plantação. Heston então enfrenta e detém o avanço das formigas, recupera a virilidade e conquista a mulher.

A década de 50 também viu surgir filmes em que pequenos animais transformavam-se em monstros gigantescos. Foi assim com a “Tarântula”, de Jack Arnold, formigas (“O Mundo em Perigo/Them”), de George Douglas, louva-a-Deus (“The Deadly Mantis”), polvo (“O Monstro do Mar Revolto/It Came From Beneath the Sea”), lagarto (“The Giang Gila Monster”), sanguessugas (“Attack of the Giant Leeches”), escorpião (“The Black Scorpion”), caranguejos (“A Ilha do Pavor/Attack of the Crab Monster”), esse uma insanidade do Mestre Roger Corman.

Um dos motivos para que esses bichos alcançassem tamanhas proporções estava nas experiências feitas pelos cientistas com radiação atômica, cortesia da Guerra Fria entre EUA e URSS então no seu auge.

Mas é em 1963 que aparece o filme que seria o farol para as produções dos anos 70: “Os Pássaros” (“The Birds”), de Alfred Hitchcock.


Melanie Daniels (Tippi Hedren), moradora de San Francisco, vai até a cidadezinha de Bodega Bay para se encontrar com um paquera, Mitch Brenner (Rod Taylor). Assim que ela chega é atacada por uma gaivota, que lhe fere a testa. Os ataques aumentam de intensidade, com toda espécie de pássaro atacando a população da cidade, à medida que Melanie vai ficando mais íntima de Mitch e sua família (mãe e irmã).

Ainda hoje muitas pessoas se perguntam qual o motivo dos ataques, já que não há uma explicação racional e o filme termina em aberto. Inúmeras teses foram levantadas durante todos esses anos (os pássaros teriam contraído o vírus da raiva, seria um sinal do Apocalipse, uma metáfora da era atômica), mas hoje em dia a explicação mais aceita é a que liga os ataques ao ciúme excessivo da mãe de Mitch (Jessica Tandy). Freud explica!

Embora não possa ser considerado um exemplar do subgênero, “Perdidos no Kalahari” (“Sands of the Kalahari”), de Cy Endfield, é um excelente filme que aborda a luta entre homens e animais. Um avião cai no deserto e seus sobreviventes são obrigados a disputar comida com um grupo de selvagens babuínos. No final há uma violentíssima briga entre um homem e o líder dos babuínos, que termina de forma surpreendente (e perturbadora).

Mas demoraria quase 10 anos até que alguém tivesse a idéia de retomar a vertente de “The Birds”.

Em 1972 são lançados “A Invasão das Rãs” (“Frogs”) e “Night of the Lepus”. No primeiro Ray Milland é o patriarca de uma decadente família do sul dos EUA que quer destruir o pântano em volta da mansão, até o momento em que não apenas as rãs, mas todos os bichos da região, aranhas, cobras, jacarés e até uma tartaruga resolvem tomar uma atitude para impedir isso. No segundo, para deter a proliferação de coelhos de uma fazenda um veterinário cria um soro que causa inesperados efeitos colaterais, com resultados tão trágicos (para a população do local) quanto cômicos (para o espectador): os coelhos tornam-se gigantes carnívoros, devorando boa parte do elenco de famosos veteranos, entre os quais Janet Leigh e Rory Calhoun.

Essas são duas características principais desse subgênero: a revolta dos animais era uma reação à ação predatória do homem contra a natureza e o elenco contava com astros já em decadência que estavam ali para servir de alimento para os animais. E isso pode servir inclusive, me ocorreu agora, como uma metáfora do star-system hollywoodiano. Mas é aí também que residia o prazer perverso de assisti-los: ver a forma com que os personagens eram mortos...e devorados!

Surgiram em seguida filmes como “Fase IV – Destruição” (“Phase IV”), de Saul Bass, com formigas inteligentes planejando a dominação do planeta; “Abelhas Assassinas” (“Killer Bees”), de Curtis Harrington, onde o título já diz tudo e “Praga Infernal” (“Bug”), de Jeannot Szwarc, em que baratas mutantes atormentam um monte de gente.

E então, em 1975,...taram, taram, taram, taram...sim, é a vez dele, o “Tubarão” (“Jaws”), de Steven Spielberg, apavorar as multidões. Nesse clássico, no qual um enorme tubarão branco causa pânico na tranqüila Amity Island, Spielberg recheou o filme com referências à obra do velho Hitch, faturou milhões de dólares e atiçou a ganância dos produtores, provocando uma série de seqüências e imitações pelo resto do mundo.
A partir daí abriram-se as jaulas do zoológico de vez.

Tivemos então filmes com cascavéis (“Rattlers”), ursos (“Grizzly, A Fera Assassina”), minhocas (“Squirm”), cães (“A Revolta dos Cães/Dogs”, “The Pack”), búfalo (“O Grande Búfalo Branco/White Buffalo”), gatos (“The Uncanny”), mais aranhas (“A Maldição das Aranhas/Kingdom of the Spiders”), mais formigas, aqui ameaçando a emperequetada Joan Collins (“Empire of the Ants”), um verdadeiro enxame de abelhas picando uns coitados até a morte (“Savage Bees”, “Swarm”, “The Bees”), morcegos (“Terrores da Noite/Nightwing”), um monte de bichos juntos (“Animais em Fúria/Day of the Animals”, “A Fúria das Feras Atômicas/The Food of the Gods”, esse com direito até a galinhas gigantes!), e jacarés (“O Jacaré Assassino/Alligator”, de Lewis Teague, um dos melhores exemplares do subgênero e “Fiume del Grande Caimano”, um dos piores). Sem chance para homens, mulheres, velhos e crianças!

Os seres humanos também foram destroçados sem dó nem piedade por diversos animais aquáticos como orca (“Orca, a Baleia Assassina”), polvo gigante (“Tentáculos/Tentacoli”, cortesia dos italianos), barracudas (“Barracuda”) e piranhas (“Piranha”). Esse último, de Joe Dante, é outro clássico, uma poderosa sátira antimilitarista. Sem esquecer do “Peixe Assassino” (“Killer Fish”) picaretagem de Antonio Margheriti que para nossa vergonha foi rodado no Brasil.

E claro, mais tubarão: “O Último Tubarão/L’Ultimo Squalo”, de Enzo G. Castellari, outra imitação dos italianos (sempre eles!) de um sucesso americano.

O filão ainda rendeu alguns filmes no começo dos anos 80, principalmente sobre ratos (“Deadly Eyes”; “Of Unknown Origin”; “Rats – Notte di Terrore”, esse dirigido por Vincent Dawn, pseudônimo do grande bagaceira do cinema italiano Bruno Mattei, recentemente falecido), mas também com leões (“Savage Harvest”) e até um javali gigante (“Razorback”). No entanto começava a perder força, e terminou da forma mais gosmenta possível com “Slugs” devido ao Mattei espanhol, Juan Piquer Simón.

Mas nenhum desses filmes conseguiu se aproximar da qualidade, da complexidade de “Cão Branco/White Dog”, dirigido pelo grande Samuel Fuller em 1982, no qual um treinador negro (Paul Winfield) é chamado para “desprogramar” um cão que foi condicionado a atacar pessoas de pele escura. “Cão Branco” nunca foi lançado comercialmente nos cinemas americanos, tendo ido direto para o vídeo (mesmo destino que teve por aqui), pois os distribuidores ficaram com receio de que acusassem o filme de ser racista.

Porém, como Hollywood não se cansa de reciclar velhas idéias, em meados dos anos 90 voltam a ser produzidos filmes no estilo, com os animais de sempre: leões (“A Sombra e a Escuridão/The Ghost and the Darkness”), jacaré (“Pânico no Lago/Lake Placid”), “Anaconda”, “Morcegos/Bats”, “Malditas Aranhas/Eight Legged Freaks”, entre muitos outros.

Agora mesmo, em 2007, estrearam nos cinemas mais dois exemplares, que dizem ser baseados em fatos reais: “Caçados” (“Prey”), com leões famintos aproximando filha adolescente com namorada nova do pai; e “Primitivo” (“Primeval”), com um bem nutrido crocodilo barbarizando num país do Terceiro Mundo. Mas quem se deu melhor ao revisitar o subgênero foi o coreano Bong Joon-Ho com seu bagre mutante em “O Hospedeiro” (“Gwoemul”), uma brilhante mistura de sátira política, crítica social, comédia de costumes, drama familiar e mensagem ecológica. Como se percebe, a luta entre animais e humanos está longe de terminar (pelo menos no cinema).

E como estamos na Zingu! não posso deixar de falar sobre as grandes contribuições nacionais para o subgênero: “O Inseto do Amor”, de Fauzi Mansur, onde quem for picado pelo mosquito “Anophelis Sexualis” terá morte certa caso não consiga transar em duas horas. No elenco o maior time de estrelas da Boca já reunido: Rossana Ghessa, Angelina Muniz, Helena Ramos, Zélia Diniz, Ana Maria Kreisler, Claudette Joubert, Liza Vieira, Alvamar Taddei, Misaki Tanaka, capazes de deixar até mosquito doido!

E principalmente “Bacalhau” (“Bac’s”). O filme, dirigido, escrito e interpretado por Adriano Stuart, traz no elenco feminino três beldades: Marlene França, Helena Ramos e Matilde Mastrangi, todas em plena forma.

Na trama (?) moradores e turistas de uma pacata cidade do litoral paulista são atacados por uma terrível fera do mar: o bacalhau da Guiné! Para enfrentá-lo o prefeito e o delegado da cidade contam com a ajuda de um oceanógrafo português e o valente Quico, o Pescador. Juntos eles vão tentar capturar o monstro, usando iscas feitas de discos de Amália Rodrigues!!!

Enorme sucesso de público (aproximadamente 900.000 pessoas o assistiram nos cinemas), essa pérola trash precisa ser resgatada num DVD duplo repleto de extras, para que as novas gerações descubram que não devemos nada aos gringos (italianos incluídos) em matéria de filmes sobre revolta de animais.

Atenção: no mês que vem esta coluna volta para as mãos do amigo Marcelo Carrard. Aguardem pelo resgate de mais um delicioso subgênero obscuro.




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