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CANTORAS

Por Domingos Ruiz Júnior

Maysa

Traçar um modesto perfil de Maysa não é tarefa fácil. Depois do trabalho cuidadoso de Lira Neto em “Maysa: só numa multidão de amores” (Ed. Globo), a biografia de Maysa, e da narrativa romanceada de Eduardo Logullo, “Meu mundo caiu” (Ed. Novo Século), resta pouco a acrescentar sobre a vida e obra daquela que era a detentora dos olhos verdes mais cobiçados dos trópicos, descritos pelo poeta Manuel Bandeira como “dois oceanos não-pacíficos”. Maysa era – e ainda é - Maysa. (E ela bem merecia figurar um “Musas eternas”!)

Dalva de Oliveira e Isaura Garcia sofreram em vida e em disco, mas não dispunham do charme de Maysa. Angela Ro Ro sofre, e Cazuza também sofreu. Podem até ser comparados a uma hipotética Maysa homossexual, pois suas canções refletem muito de si. Não são páreo, contudo, para as crises existenciais de Maysa. Na música internacional, suas correlatas eram a norte-americana Billie Holliday e a francesa Edith Piaf. Mas e a beleza, a voluptuosidade, a agressividade intempestiva? Cadê? O melhor a fazer é abrir mão das supostas analogias. Pelo bem ou pelo mal, Maysa era única.

Cantora? Cantora, não. Intérprete. As canções, mesmo que fossem de outros autores, passavam a ser identificadas com ela. “Ne me quitte pas”, de Jacques Brel, é exemplar. Intérprete, compositora, violonista, atriz, produtora, empresária dona de brechó, repórter de televisão, artista plástica, Maysa - e o séqüito de paparazzi -, a cada novo empreendimento, já tinha à sua disposição, voluntária ou involuntariamente, a atenção de toda a imprensa. Foi assim quando lançou seu primeiro disco em 1956, “Convite para ouvir Maysa”, pela RGE; quando cantou “Meu mundo caiu”, em 1958, no filme “O batedor de carteiras”, de Aloísio Tide de Carvalho; quando interpretou a personagem Simone na novela “O Cafona”, de Bráulio Pedroso, na TV Globo; quando refundou sua produtora de shows Guelmay e montou a peça teatral Woyzeck, do alemão Büchner; quando abriu o brechó “Malé Lixo”, em Copacabana; quando se tornou repórter do programa “Dia D”, na TV Record...

Quanto mais se investiga a vasta produção deixada por Maysa, mais ela se torna surpreendente. Em 1972, apesar de afirmar que nunca mais iria cantar, Maysa gravou pela RCA, em dueto com o ator Raul Cortez, sua hilariante versão para “Parole, parole”, canção italiana interpretada pela cantora Mina e por Alberto Lupo, que também teve uma gravação em francês, a cargo da ruiva estonteante Dalida e de Alain Delon.

É pela voz rouca, mas aveludada, e pela sinceridade com que imprimia suas interpretações que Maysa será sempre lembrada. O disco gravado em 1970, na Philips (atual Universal), “Ando só numa multidão de amores”, pode ser tido como síntese da carreira que começou com sambas-canção de fossa, passou pela bossa nova e flertou com o pop-rock de Roberto Carlos no histórico show gravado no Canecão em 1969. Com arranjos de Luiz Eça e Roberto Menescal, o álbum trazia boleros (“Yo sin ti”, de Arturo Castro), clássicos do samba-canção brasileiro, como “Suas mãos”, de Antonio Maria e Pernambuco, e “Três lágrimas”, de Ary Barroso, composições próprias (“Resposta” e “Me deixe só”, em parceria com o produtor do disco, Roberto Menescal), canções dos irmãos Marcos e Paulo Sérgio Valle (“Eu” e “Que eu canse e descanse”) e o recado da femme fatale Maysa, via Carlos Lyra, “Quando chegares”:


“Quando chegares aqui,
Podes entrar sem bater.
Liga a vitrola baixinho,
Espera o anoitecer.
E quando ouvir os meus passos,
Corre pra me receber.
Sorri, me beija e me abraça,
Não me perguntes por quê.

Quando estiveres em meus braços,
Pensa somente em nós dois.
Fecha de leve os teus olhos,
Abre os teus lábios depois.
E quando já for bem cedinho,
Não quero ouvir sua voz.
Sai sem adeus de mansinho,
Esquece o que houve entre nós.”

Escute “Palavras, palavras” aqui e “Quando chegares” aqui.



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