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Coluna CINEMA Extremo
ONDE O CINEMA PODE SER VIOLENTO...
Por Marcelo Carrard

Antropophagus 2
Direção: Joe D’Amato
Rosso sangue, Itália, 1981.

Tão bizarro quanto essa produção dirigida por Joe D’Amato, é o número de títulos recebidos por ela em suas muitas edições mundo afora, com diferentes graus de cortes da censura. Antropophagus 2 também é muito conhecido com os títulos de: ABSURD, ROSSO SANGUE, HORRIBLE, ZOMBIE 6 e em uma obscura edição em língua espanhola, sem cortes, intitulada MALDICION SATANICA. Com roteiro de Luigi Montefiore aka George Eastman o filme tem a direção de fotografia do próprio D’Amato, que normalmente fotografava os próprios filmes usando seu nome verdadeiro: Aristide Massaccesi. Dando prosseguimento ao Ciclo em Homenagem a genialidade subversiva do Mestre D’Amato, nesse mês faço uma breve análise de Antropophagus 2, uma continuação não oficial do clássico extremo Antropophagus-The Beast.

Numa estratégia comum das produções italianas de Gênero, o roteiro ambienta a história em uma típica cidadezinha norte-americana onde o mesmo Nikos do filme anterior reaparece, sem as deformidades de sua personagem inicial, fugindo de uma espécie de manicômio e indo parar em uma casa onde acaba, novamente, colocando os intestinos para fora, os mesmos que ele teria comido no filme anterior. A bizarrice não termina por aí. Depois ele vai parar em um hospital onde a figura de um Padre surge para falar sobre o passado de Nikos e uma espécie de maldição que ele carrega onde suas células sempre se regeneram. As cenas da mesa de cirurgia são impagáveis onde ele acorda da anestesia e faz aquela cara de demente que só o Signore Montefiore sabe fazer, numa mistura de maldade e cinismo..

A sequência antológica onde ele ataca uma enfermeira perfurando sua cabeça cm uma espécie de furadeira cirúrgica, lembra as seqüência de horror no hospital de HALLOWEEN 2. Ao despertar da cirurgia, Nikos parece estar mais forte e parte para uma noite de horrores pela cidade. Sua vítima seguinte é um incauto açougueiro que tem a cabeça calva perfurada por uma serra especial para cortar carne, abrindo um talho na cabeça do pobre coitado em um efeito especial muito grotesco e absolutamente inacreditável em termos de insanidade. Essa sequência da cabeça sendo serrada em Antropophagus 2 é citada posteriormente em um slasher movie de Scott Spiegel: INTRUDER-VIOLÊNCIA E TERROR. Até esse momento o espectador já percebeu que está diante de uma obra de absurdos deslimites ligados a violência gráfica e um roteiro sem noção alguma, onde D’Amato e Montefiore parecem ter decidido apenas divertir seu público de tarados, psicóticos e assemelhados com abundantes e sangrentas cenas dos ataques de Nikos, o Monstro Grego, indestrutível.

A história tem como contraponto a figura de uma menina imobilizada em uma cama devido a um acidente. Ela está com vários cintos e aparelhos ortopédicos tentando voltar a andar novamente. Ela mora justamente na casa onde Nikos apareceu no início do filme com os intestinos para fora e obviamente nessa noite de horrores ele vai voltar. A trilha-sonora minimalista de Carlo Maria Cordio cria uma certa atmosfera por algum tempo, mas depois fica um pouco, digamos, insuportável, mas as imagens dos crimes bizarros que se sucedem satisfazem os fãs mais exigentes.

Em uma seqüência onde Nikos ataca um motoqueiro, vemos discretamente em cena, no papel do tal motoqueiro, o famoso Diretor Italiano MICHELE SOAVI, em uma participação especial. D’Amato foi o primeiro grande incentivador de Soavi e ajudou muito seu pupilo na produção de seu primeiro longa, o excelente AQUARIUS, que teve colaboração no roteiro de Luigi Montefiore. Antes de ser considerado o “Herdeiro de Dario Argento”, Michele Soavi foi na verdade um afilhado cinematográfico do Mestre D’Amato.

Além das cenas da morte da enfermeira e do açougueiro, a cena da mulher colocada dentro de um forno foram as responsáveis pelos inúmeros problemas que o filme teve com a censura. Antropophagus 2 rompe limites da violência no cinema assim como outros clássicos de D’Amato como: BUIO OMEGA e EMANUELLE IN AMERICA. Mesmo com toda essa carga muito pesada sobre seus ombros, D’Amato tem seus momentos de elaboração artística que um olhar mais generoso e menos preconceituoso sobre suas obras pode enxergar. A fotografia dos interiores da casa tem muita qualidade. O confronto entre a menina imobilizada e Nikos, tem muitos pontos importantes de análise que devem ser observados. Em primeiro lugar: vemos em cena a pequena heroína lutando contra sua imobilidade diante do gigantesco Nikos, numa alusão ao tema bíblico de Davi e Golias. A imagem da menina com a cabeça do monstro remete mais uma vez a esse tema bíblico e sua imortalização em uma tela de Caravaggio onde Davi aparece segurando a cabeça do Golias com o braço estendido para a frente. Essa imagem é recorrente no cinema de horror italiano em filmes como TRAUMA de Dario Argento por exemplo. Assim como o Minotauro que ele imortalizou no filme de Fellini, citado no artigo anterior sobre D’Amato, Luigi Montefiore retoma essa questão do Mito onde apenas a decaptação da Besta pode acabar com seu infinito poder de destruição.

Um dos mais raros e obscuros filmes de Joe D’Amato, Antropophagus 2 merece uma revisão de suas imagens absurdas e dos grandes momentos ocultos nessa obra cinematográfica de atmosferas grotescas, roteiro sem sentido e cenas de intensa violência. Difícil de se achar em uma versão totalmente sem cortes, mas não impossível. Nada tem a ver oficialmente com o primeiro Antropophagus, mas o oportunismo dos produtores criaram uma brecha para que isso fosse possível, embora não tenha nenhuma lógica sequer, mínima que seja, o que não deixa de ser uma das grandes qualidades do filme, pois afinal, coerência e realismo absolutos são coisas vitais para o Documentário, não para o Cinema Fantástico... Na próxima Zingu! vamos embarcar com D’Amato para o Caribe, numa viagem inesquecível...



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