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Clássicos de Prestígio

Por Gabriel Carneiro

A Face Oculta
Direção: Marlon Brando
One-Eyed Jacks, EUA, 1961.

Começo minha coluna dizendo que vos escrevo sobre este filme meramente por não ter visto outro melhor ou mais interessante para se discursar. A estréia de Marlon Brando por trás das câmeras não é um grande filme, não é um grande faroeste. Porém sua ausência de grandeza vem da não inventividade na gramática do western, da brandura e da sobriedade de como é realizado. A Face Oculta é um belo filme, mas deixa de ser grande, pois não o pretende ser. Não é grandiloqüente ou megalomaníaco. Não sei se a versão final de Brando, com 5 horas de duração, queria isso, se queria fazer de seu humilde filme um grande épico do velho Oeste americano. Porém a versão de 141 minutos nos entregue pela Paramount é opaca, já que não cria nenhuma grande comoção.

Os tradicionais western – mais especificamente, os americanos -, filmes de gênero, são notadamente clássicos, não só por serem algo objetivo, já que se trata da própria história americana, mas por ser, provavelmente, o gênero que mais requere que se conte uma história de maneira universal, que quer o espectador dentro do filme, seja por qual for o motivo. Em A Face Oculta não é diferente, porém ele traz uma das maiores inovações narrativas. Em A Face Oculta, o western chega ao mar. E não é só isso, há também orientais, com olhos puxados e tudo! Não sei se haveria – e se houver, qual seria – a significação disso tudo, só que quando vemos um gênero que é basicamente circundado por areia, ser subvertido a tal ponto de vermos o mar, é algo incrível e notável. O mar pode ser uma representação para o fim do gênero – ao menos por lá -, já que tudo foi explorado, chegando a ponto de não ter mais o que se fazer. O mar também pode ser a liberdade dentro da inflexibilidade. Não sei. O mar também pode ser um mero artigo decorativo para um ato de amor...

O que importa mesmo no filme é o conto de amor e vingança. Rio é parceiro de Dad Longworth. Ambos são criminosos, assaltantes de bancos. Em um ponto são descobertos, e Rio confia em Dad para os salvarem. Porém, Dad pega o dinheiro e foge, deixando Rio por conta da milícia local. Por 5 anos, ele fica encarcerado na pior prisão das redondezas. Saindo de lá, tem apenas um objetivo: vingar-se. Rio quer o fim de Dad pela traição, por quebrar algo chamado de lealdade. Ao descobrir o paradeiro de Dad, não hesita. Porém Dad é agora xerife. Um embate começa, assim como um romance com uma garota local. O tema é recorrente. Grandes mestres do cinema que passaram pelos faroestes já versaram sobre a poeticidade da vingança. Porém, nesse caso vejo um certo distanciamento: a vingança se dá por um fator físico. Não é devido a um acontecimento relacionado a alheios, e sim à própria carne de Rio. Ele busca uma estranha justiça, busca impor o respeito a certos valores morais que jamais deveriam ser ultrapassados, como a lealdade. Isso é outro fator que o diferencia tal vingança. Enquanto rumavam para o viés de valores pessoas, A Face Oculta se contrapõe, pregando aquilo que está acima do bem e do mal.

O título, especialmente o original, diz respeito ao fato de Dad ser um famoso ‘duas caras’. A face que ninguém viu, o simulacro em torno de um mistério. A vingança nasce da repulsa em torno da duplicidade intencional de alguém que te é tão próximo. São as decepções. Todos vivemos elas. Algumas são mais intensas do que outras. O confronto com o verdadeiro lado de uma pessoa – ou com o ‘falso’, apenas voltado a você com um objetivo claro – é, talvez, a maior decepção que se pode ter, porque confiança é para poucos, e quebrá-las, é trágico. Mesmo de alguém que não se tem tantos laços, o fato de se conceber um estigma, criar uma imagem, e ver que não é, é deveras angustiante.

Outro tema muito versado é o amor. Curiosamente, paixões sempre nascem de situações inusitadas, ou em estado caótico em filmes como esse. E a conquista é sempre um fator importante. Ninguém se entrega, todos são seres sofridos, rígidos, e descrentes na plenitude. A quebra do padrão, o romantismo de se encontrar alguém ideal reina em filmes clássicos, pela própria sugestividade a um final feliz ou em paz. É a mensagem: no final tudo dará certo, e é nessa crença e esperança que vivemos. Tais filmes não fazem nada além de refletir nossos mais sinceros sonhos e aspirações. Interessante ver como a própria aventura ‘segura’, que são os faroestes, sintetizam isso. Se o bom moço morrer, morreu na felicidade e no êxtase de sua vida terrena.

A Face Oculta seria inicialmente filmado por Stanley Kubrick, porém este se afastou ao entrar em conflito com o astro Marlon Brando. Nessa altura, Brando já era um dos atores mais cobiçados de Hollywood, com um Oscar na estante (por Sindicato de Ladrões). Nisso, resolveu assumir a direção. Há especulações que dizem que pela inexperiência gastou 5 vezes mais filme do que necessário para uma produção desse porte. O que se percebe é exatamente isso, não é incompetente, só ineficiente. Podia ter feito um filme menos trôpego, e mais justiceiro. Marca-se como um filme correto, porém isso é extremamente perceptível, parecendo ter sido feito com tal intuito. Acho uma pena não ter se enveredado novamente nesse campo, com mais prática, poderia ser um bom diretor.

Independente das inconstâncias, vale conferir o filme. Belas imagens, belas composições, o mar e a areia... Longe de ser o melhor do gênero, perto de ser o mais criativo.




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