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Dossiê Rubem Biáfora

AS INDICAÇÕES DO BIÁFORA
Por Rubem Biáfora
Seleção e Transcrição: Matheus Trunk e Sergio Andrade

Além das numerosas críticas, muitas vezes Rubem Biáfora publicava apenas as indicações que eram breves comentários que eram importantes registros críticos. Aqui algumas de suas expressivas indicações, para quem queira ler mais críticas dele.

Ifigênia
Direção: Michael Cacoyannis
Grécia, 1976.

Não bastasse Renais, um gênio da narrativa contemporânea, dos problemas criados pelos impasses e sensações de um mundo que o “progresso” e o “moderno” tornaram cada Vaz mais interprenetradamente difuso e doloroso, e termos agora, o gênio do classicismo, a chama eterna da tragédia grega. E com o seu maior e mais ousado cultor cinematográfico ( Cacoyannis de A Mulher de Negro, Electra e As Troianas) em seu berço eterno, legítimo e inalienável (a Grécia ) e com suas tragédias exponenciais (Irene Papas). Aqui ela é ferida, revoltada e vingativa Clitemnestra, enquanto que para a inocente sacrificada Ifigênia, Cacoyanis encontrou a lança de uma jovem atriz de 13 anos: Tatiana Papamoskou. O música é o de sempre nas obras primas do filão: Mikis Theodorarkis. O absurdo prévio parece ser o fato desta obra haver perdido o Oscar de melhor fita estrangeira para o melodramático Madame Rosa. De qualquer maneira, obrigatoriamente a ver.

*Publicado originalmente no “O Estado de São Paulo” de 27 de janeiro de 1980. (MT)

Caro Michele
Direção: Mário Monicelli
Itália, 1976/1977.

Um filme italiano um tanto estranho. Monicelli (Os Companheiros, L`Armata Brancaleone, La Ragazza com la Pistola, etc) tentando uma fábula sentimental, maternal e dramática, tendo como epicentro Mariangela Melato, que é cômica e pode ser dramática, mas não substitui Anna Magnani. Também no elenco, a beleza, provavelmente aqui sem função, da mariebandeana Delphine Seyring e Lou Castel para fornecer o toque político, cotestatório ou simbólico. E ainda duas curiosidades. Uma geral: a presença do também diretor Epiprando Visconti, sobrinho de Luchino. E outra local: também como ator o mesmo Fábio Capri que na Vera Cruz foi o roteirista do clássico A Pulga Na Balança, Sinhá Moça e Floradas na Serra.

*Publicada originalmente no “O Estado de São Paulo” de 27 de janeiro de 1980. (MT)

O Império dos Sentidos
Direção: Nagisa Oshima
Japão, 1980.

Do ponto de vista do erotismo explícito, o filme mais audaz da história do cinema corrente. Um verdadeiro marco nesse sentido. E sem favor algum representa para nossa época o que o hoje está cândio filme tcheco Êxtase, que o grande Gustav Machaty dirigiu com Hedy Lamarr o foi em 1933. O diretor Oshima sempre foi um realizador dado a paroxismos. Dele conhecemos os cruéis O túmulo do sol, Juventude desenfreada e até um filme sobre o menor delinqüente e inocente, O garoto Toshio. Mas as obras com as quais vinha sacudindo a crítica e os festivais internacionais, claro que aqui ficavam inéditas- exceção feita ano passado ao filme conseqüência deste- O Império da Paixão. Aqui não obtante as audácias, o mais importante é que com esta tragédia da ininterrupta obsessão erótica do par central, fato que pode ser também interpretado até como metáfora política, o antes engajadíssimo, sectári e até frio dado a brilhos exteriores Oshima, obteve uma indiscutível obra de arte, que vale também por nos devolver o cinema japonês de exceção que antes era quase hábito nos cinemas da nossa cidade. Sem dúvida o fato mais insólito ocorrido entre nós em matéria de liberdade de exibição e que deve ser encarado com a devida e madura seriedade.

*Publicada originalmente no “O Estado de São Paulo” de 02 de novembro de 1980. (MT)

Eros
Direção: Walter Hugo Khouri
Brasil, 1981.

Exceção feita a As Filhas do Fogo (aqui só lançado em março de 79), o melhor, o mais representativo e o mais especifico filme de Walter Hugo Khouri nos últimos tempos, de certa maneira, numa constante que o autor perseguiu desde o início de sua carreira, é a obra mais bem-sucedida de toda a sua filmografia, em que pesem as atuações de Lola Brah em O Estranho Encontro, de Norma Benguell e de Odete Lara em Noite Vazia, de Liliam Lemmertz em O Desejo. A narrativa surge numa caligrafia que ele também há muito vinha querendo utilizar (a câmera subjetiva ou íntima, como a chama, a câmera na primeira pessoa como a de A Dama do Lago, muito embora Khouri jamais tenha visto o thriller realizado por Robert Montgomery em 1946. A fotografia de Antonio Meliande, a seleção de locais, a procura de uma expressão maior, são constantes de sua obra. E a ânsia da exacerbação amorosa-erótica, outra. Um homem recorda as mulheres de sua vida. E desde os quatro, os 13 anos, em “flashes”, sua vulnerabilidade, ou seu ego predatório vão sendo desvendados em avanços, recuos, lembranças, inter-relações e vivências num perpassar cruel, que, mais que à presença oculta do protagonista masculino (Roberto Maya) vão se revelando, se definindo e se dimensionando através do pisca-pisca de 18 personagens femininas que lhe dão toda uma consciência de inutilidade de existência. E essas 18 atrizes, todas elas pertencem à galeria de filmes do diretor ou a lista de rostos de mulher com os quais ele sonhava tratar, dão de si tudo; e a maioria delas nunca esteve tão bem, fio tão adequadamente tratada. Denise Dumont, como a confusa e ao mesmo tempo lúcida estudante, expressiva como uma galeria de delicados camafeus. Norma Benguel, num “show” de domínio cênico, inventividade e força poética, marca um tento. E quase o mesmo pode ser dito por todas: a sugestão de Renée de Vielmond, a amargura de Lílian Lemmertz, a duplicidade de Kate Hansen, Dorothée Marie Bouvier, a estreante Lala Deheinzelin, a sensualidade de Christiane Torloni e Alvamar Taddei, a torpe de Monique Lafond. Sugestivas ainda as pontas dos atores Serafim Gonzalez ( o diretor de cinema), José Lucas (o revolucionário de 35), José Toledo (o criado), Kinishi Kaeko (o Gonzo), Marcelo Ribeiro e Roberto Lessa (os meninos). Mas a tudo, se sobrepondo, não porque tenha sido mais cuidada, bem porque esteja acima das demais, mas por vir de uma dessas magias da fabulação e de uma “altura” do tempo fílmico, de um significado de conjunto, a inesquecível, misteriosa, imanente aparição de Dina Sfat. Sem cenas eróticas, vestida e transportada ao melhor espírito dos anos 25/35, num mutismo que diz mais que tudo, Dina coloca o nosso cinema num nível e clima que ele jamais havia alcançado, é a sugestão das grandes figuras femininas do cinema mudo e inícios da eclosão sonora, é o sofrido Sybille Schmitz, é o dramático sinuoso da Greta Garbo de The Temprtress e Mulher de brio a animação e o abandono de Pola Negri, e é, principalmente, maravilhosamente afetado “spleen” e langor da hoje desaparecida Jetta Goudal.

*Publicada originalmente no “O Estado de São Paulo” de 8 de novembro de 1981 (MT).

DER LEONE HAVE SEPT CABEZAS

Exibições em cineclubes e cinematecas, em média, dão mal a estar devido a menor qualidade ou condições de projeção, em relação às de circuitos correntes, sempre dão incompleta idéia das qualidades dos filmes, clássicos ou especiais. Assim, só poderíamos louvar esta iniciativa do Cine “Arte Um” (ex-Rio), de exibir à meia-noite das sextas-feiras (como começou anteontem) filmes desse tipo. E uma produção como esta, dirigida no estrangeiro por um brasileiro e ainda não adquirida para exibição comercial entre nós, claro que merece e deve ser exibida. Nós mesmos não faríamos outra coisa. Mas não com as diretrizes e o olho na fácil e perigosa afluência estalinista que a nova iniciativa parece, deliberada e prazeirosamente, reincidir a e evidenciar.

*Publicada originalmente no “O Estado de São Paulo” de 23 de janeiro de 1983. Obs: Esta foi a última “Indicação” do Biáfora. (SA).



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