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Dossiê Rubem Biáfora

Lonsdale, o melhor ator de 81, poderá vir a SP

Se o cinema atual ganhou, por força da multiplicidade de países produtores e da maior liberação e amadurecimento em muitos aspectos, em outros perdeu pontos, regrediu ou reduziu-se indiscutivelmente: no domínio mais generalizado dos cabedais de encenação, no depuramento de fronteiras ou horizontes, na noção de gêneros e estilos, do que era errado, no aluvião qualitativo de intérpretes e personalidades excepcionais, carismáticos, que cativavam durante anos e até por carreiras inteiras o público internacional.

No plano feminino, veja-se a falta de competidoras que envolve uma Geraldine Chaplin, uma Jill Clayburgh, uma Sally Field, uma Meryl Streep. Moreau hoje é mais diretora, Mastroinanni já está se tornando um senhor. Assim no setor masculino, internacionalmente (sem contar o Oriente, ou os eslavos e nórdicos, há tempo já sem renovar, sacudir, ou marcar, talvez por alheamento, por resvalo de rotina), as atuais importâncias vão para o Michel Piccoli, com seu charme mundano e sua linha impecável, para o alemão Bruno Ganz, uma força neo-expressionista sempre pronta para a transcendência, para o americano Gene Hackman, ainda que se tornando raro, mas sempre com o poder de veracidade, do absolutamente crível.

Em todos esses valores, um no mesmo nível, mas absolutamente pessoal: o franco-inglês Michel (ou Michael) Lonsdale. Jamais o cinema gaulês havia tido em toda a sua trajetória figura de tal força de presença, um humanismo tão patético, imagem tão fora de série. Das pontas injustas em “A Noiva Estava de Preto” e “Beijos Roubados”, ao médico de “Sopro no Coração” ou à estatura que Buñuel não soube que devia respeitar em “O Fantasma da Liberdade”, as oportunidades, enfim, como o rejeitado, roufenho, animalesco vice-cônsul imaginado por Marguerite Duras em “India Song”. O tio assassino em “A Louca Diabólica”, o executivo aparentemente frio, mas também peça de um sistema em “Le Diable dans la Boite”. E, rematando, o papel do burocrático e alheado ministro da Ocupação em “Seção Especial de Justiça”.

Com esta interpretação e com suas maravilhosas atuações em “India Song” e “Le Diable” aqui só exibidos em cineclubes, Lonsdale conquistou da crítica paulistana na votação organizada pelo Circuito de Arte do “Sesc”, o prêmio de melhor ator de 1981, obtendo 50 por cento dos votos, bastante distanciado de seu principal oponente, o Burt Lancaster de “Atlantic City”, e com adesões importantes por seu tipo de critério.

A crítica de São Paulo foi e reforça com isso sua posição pioneira no reconhecimento especial ou descoberta antecipada de mais um talento. De certo modo, foi assim com Ingmar Bergman, com o cinema japonês, com o produtor Val Lewton, com o ciclo musical de Arthur Freed na Metro, com os “westerns” e “capa-e-espadas” requintados e neo-expressionistas da Columbia. Com a Brigitte Bardot de “Manina”, a Moreau de “Julietta”. E pode orgulhar-se desse novo feito, com o grande ator do cinema francês. E para reforçá-lo, já se está organizando uma retrospectiva de todos os seus filmes existentes entre nós, tanto os exibidos comercialmente como os em “especiais”. Igualmente preparando análises e debates. E, talvez com a presença do homenageado, que a esta hora já deve estar sendo convidado para vir até esta Capital, talvez também para um recital, com diálogos de filmes, trechos de peças de teatro, ao qual também já foi convidada e aceitou participar como contraponto uma atriz nossa como Beatriz Segall.

*Publicado originalmente em “O Estado de São Paulo” de 31 de janeiro de 1982



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