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Dossiê Rubem Biáfora

SINFONIA INACABADA

Por Rubem Biáfora
Seleção e transcrição: Sergio Andrade

Pela quinta vez é-nos exibido este filme (foi originalmente lançado a 27 de agosto de 1934, na Sala Vermelha do Odeon, e, depois, reprisado em março de 1936 (Cine Apolo), março de 1939 (São Bento) e a julho de 1947 (no também extinto Ópera). Trata-se da obra mais famosa e de mais êxito popular do cinema da Áustria. E das mais representativas, mais exponenciais também. Embora à ocasião muitos fossem os filmes musicais (na média germânicos) que obtinham calorosa repercussão no mundo todo, em verdade foi este excepcional “Leise Flehen Meine Lieder” o que mais tocou a sensibilidade do público internacional. Primeira incursão diretorial de Will Forst (até então só ator), “Sinfonia Inacabada” é uma obra perfeitamente burilada, de sensível utilização dos meios da expressão cinemática. Com um fio de história, a propósito de praticamente só três ou quatro episódios da dorida trajetória do compositor Franz Schubert, a fita não só criou um ciclo como também representou à sua época um “tour de force” tão marcante quanto aquele com que, cinco mais tarde o alemão Carl Froelich “traduziu” através de metáforas e chavões românticos o verdadeiro inferno e tragédia de Tchaikowski em “Noite de Baile” (“En War Eine Rauschende Ballnacht”). O tempo, os 43 anos não pesaram sobre este Schuberts Unvoliande te Symphonie” (outro título pelo qual é conhecido). Ao contrário, é de se ver como, ao pintar a humilhação e a incompreensão de que é vítima o artista, antecipou-se em 20 anos ao “Noites de Circo” de Bergman, ou como em matéria de crueldade e de ferina e contestária observação social, a fita em apenas duas ou três pinceladas quase que leva de vencida tudo o que os cinemas ou cineastas pseudo-esquerdistas de hoje têm tentado sem conseguir. Envolventemente austríaca, com absolutas “reussistes” no roteiro de Walter Reisch, na direção de Will Forst, na fotografia do antológico Franz Planer, na montagem paralela à utilização dramática e expressiva da música do “poeta da dor” (o corte da sala do concerto para o pátio do palácio, mostrando a chegada da carruagem de Martha Eggert no momento justo da “entrada” do terceiro movimento em Ré bemol da “Sinfonia” que Schubert toca no piano é tão genial quanto aquele outro, análogo, com a música de Tchaikowski estalando sobre o abrupto primeiro plano da cabeça do marido enganado em “Noite de Baile”), com um elenco quase perfeito onde salientam-se Martha Eggert (que era cantora e também atriz) e uma Luise Ulrich que com seu estilo sensitivo e de fraternais gestos largos já prenunciava Judy Garland. Um só reparo e esse ao exibidor, que de maneira alguma deveria ter colocado à última hora, como “tapa buraco” para a frustrada segunda semana de “O Monstro da Estrada”, a “reprise” de um clássico respeitável e de bem maiores possibilidades como esta obrigatória fita do cineasta de “Mascarada”, “Mazurka”, “Intriga e Amor”, “Serenata” e “Bel Ami”. Agora, é vê-la ou revê-la, o mais depressa possível.

*Publicado originalmente em “O Estado de São Paulo” em 01/08/1976.



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