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RUÍDO

RAPHAEL CARNEIRO EM 10 DISCOS

Por Raphael Carneiro

Após a homenagem ao Jam perpetrada na coluna passada, eis que me encontro sem idéia alguma a respeito do que e de quem falar. Primeiro pensei em escrever sobre o magnífico James Brown, talvez o maior showman de todos os tempos, e figura para qual devo um tributo desde que passei a fazer parte desta publicação. Peguei meus discos do mestre na década de 50 e 60, quando o mesmo estava “inventando” a Soul Music, desenterrei um pequeno artigo que eu já havia começado em fevereiro, quando de sua morte, e tentei expandi-lo, mas nada saiu. Tudo bem, acontece, pensei eu.

Um pouco mais tarde, depois de tomar uma dose de Jack Daniel’s com meus bons irmãos Caetano, Luiz, Gabriel e Luigi (fica uma singela homenagem a essas pessoas tão importantes para mim) e expor o problema, recebo uma sugestão do Luigi, que é desde sempre um fanático por Pink Floyd, e a sugestão era que eu escrevesse sobre tal banda, e que dedicasse o texto a ele no final! Chegando em casa, coloquei na vitrola o “The Piper at Gates of Dawn” , meu disco predileto desta trupe de geniais malucos, quando ainda eram comandados pelo gênio Syd Barrett. Mais uma vez, frustro-me ao perceber que não consigo expressar em palavras o meu apreço por esse álbum magistral. Neste momento comecei a me desesperar, e fui intensificando o consumo de álcool.

Pensamentos de fracasso começaram a me ocorrer, e confesso que me entreguei a práticas pouco ortodoxas para fazer a criatividade (ou pseudo-criatividade, como preferirem) retornar. E eis que no momento em que achei que estava perdido, que não mais poderia fazer parte da equipe da Zingu!, vi uma luz no fim do túnel. Está certo que no final a tal luz nada mais era do que uma loira vestida como vadia usando um isqueiro para acender o cigarro de sua amiga, uma gordinha com cara de piranha, e piranha feia ainda por cima. A idéia, porém, havia brotado como que magicamente em meu cérebro quimicamente alterado pelo consumo exacerbado de etílicos.

Ora, porque não comentar meus 10 discos prediletos? Motivos não faltam, afinal, estamos na edição número 10 desta magnífica publicação. E mesmo tendo falado de diversos artistas e discos até agora, não toquei nenhuma vez em meus prediletos, talvez por ser mais difícil falar sobre as coisas que cultuamos. Sem contar que assim, as pessoas vão ter uma idéia do que eu gosto em termos de música. Peço desculpas pela pilantragem, mas seguem 10 discos indispensáveis para mim (tão indispensáveis quanto os amigos citados no começo da coluna). Os discos abaixo citados não seguem ordem de preferência. Aliás, não seguem nenhuma ordem.

THE BEACH BOYS – PET SOUNDS
Muito já foi dito a respeito dessa obra de arte, verdadeiro monumento musical engendrado pelo gênio absoluto Brian Wilson. O que mais eu poderia acrescentar as milhares de resenhas e até monografias publicadas mundo a fora? Nada de interessante, com certeza, mas mesmo assim deixo o comentário de que este é sem sombra de dúvidas o disco mais perfeito já feito, pelo menos quando falamos a respeito de música não-erudita. São 37 minutos em que veríamos a face de Deus caso ele existisse. Simplesmente sublime.

THE BEATLES – WHITE ALBUM
Sempre tive uma relação conturbada com os Fab Four, uma coisa de amor e ódio mesmo. Embora hoje seja moda falar sobre o super-ultra-estimado Sgt. Pepper’s (que para mim não significa absolutamente NADA), a obra mais complexa e marcante dos Beatles ainda é o White Album, feito em um momento de tal turbulência na banda que é chocante e maravilhoso ver como o disco saiu coeso. Existem milhares de detalhes que o fazem uma obra de arte, mas cito aqui apenas um, a respeito de Ob-la-di, Ob-la-da, que após ter saído em uma lista de piores dessas que os “pseudo-mamãe-quero-ser-cult” adoram citar, vem sendo vilipendiada. Ora, o piano tocado por Lennon com a sutileza de um murro na boca no início da canção era a forma do mesmo exprimir que achava a música composta por Macca uma estupidez sem tamanho. E isso acabou dando força para a mesma. O disco é repleto de pequenos momentos assim.

JOY DIVISION – CLOSER
Ultimamente tem seu aumentado cada vez mais o culto ao Joy Division e principalmente pela sua figura central, o gênio Ian Curtis, que se suicidou aos 23 anos de idade, assistindo a obra de arte Stroszek de Herzog e ouvindo The Idiot, o disco do Iggy Pop recém saído do forno na época. Closer, segundo e último disco da banda, é, provavelmente um dos álbuns mais importantes dos últimos 30 anos, e veio a influenciar muita coisa bacana que surgiu desde aquela época. É praticamente um aviso do suicídio que se aproximava. “24 Hours” é o grande momento do disco, junto com ”Decades” que são, ainda hoje perturbadoras e modernas, como o disco no geral.

NEIL YOUNG – TONIGHT’S THE NIGHT
Este é, cronologicamente na ordem de lançamento, o oitavo disco do bardo canadense Neil Young. Essa obra flagra talvez a maior crise da vida do mestre, quando o mesmo perdeu o guitarrista e o roadie da lendária Crazy Horse, ambos mortos por overdose de drogas. Tentando prestar um tributo a esses amigos, Neil pariu aquele que talvez seja seu álbum mais belo e contundente. A primeira coisa que podemos perceber em uma audição é que essa perda refletiu na melodia das canções, que são em sua maioria lentas e desafinadas. Muitas pessoas me dizem que não acham o Neil Young um gênio.Com certeza não conhecem Tonight’s The Night. Se fosse escolher uma música do disco para indicar, ficaria com a maravilhosa ”Mellow my Mind. É um disco denso, triste e de temática pesada, mas obrigatório para quem tiver qualquer interesse por rock’n’roll.

THE JAM – SOUND AFFECTS
Esse disco raramente aparece na lista de melhores do Jam elaboradas pela “crítica especializada”. Eles sempre estão mais ocupados incensando tanto o All Mod Cons quanto o Setting Sons, que são dois álbuns realmente grandiosos, na falta de uma palavra melhor. Realmente, comparado com seus dois antecessores, o Sound Affects realmente parece mais “singelo”. Flagra porém, a banda em um momento pop quase que perfeito, com músicas mais simples. É deste disco a doce sinestesia de “That’s Entertainment”, simplesmente cinematográfica. Aqui se encontra também o baixo nervoso de “Pretty Green” e a singela e quase ingênua “Monday”. Lindo da primeira a última música, é meu disco favorito da minha banda predileta.

THE STYLE COUNCIL – CAFE BLEU
O Style Council, banda liderada pelo mestre Paul Weller logo após o fim do Jam, foi e ainda é uma incógnita. Difícil encontrar alguma outra banda parecida, o que me leva a crer que se trata de um grupo sem precedentes na história da música. É basicamente uma mistura originalíssima de jazz/pop/funk/soul/trip-hop e até mpb! Com Weller nos vocais e Mick Talbot (ex Merton Parkas) no piano, Cafe Bleu é o primeiro disco desta turma, e não poderia ser mais maravilhoso. Aliás, poderia sim, já que a música “A Gospel” é provavelmente a composição mais fraca de Weller. Ainda bem que existem momentos verdadeiramente sublimes, como “The Paris Match”, com uma melodia e uma letra excepcionais, falando sobre solidão. A música é cantada por Tracey Thorn, do Everything But the Girl. Outro destaque fica por conta da bensonniana “The Whole point of no Return”, que é linda.

TIM MAIA – RACIONAL
O grande mestre Tim Maia é provavelmente o maior talento vocal já surgido aqui no Brasil. Figura ultra-polêmica, rebelde, também teve seus dias de fanatismo religioso. Ao contrário do Roberto Carlos, porém, não destruiu sua carreira neste momento, já que os dois discos gravados quando ainda era parte da seita Universo em Desencanto são suas grandes obras-primas. Por ter abandonado as drogas e o álcool, sua voz se encontra em estado perfeito. O instrumental, absurdamente complexo e simples ao mesmo tempo, é magistral. As letras, bom, as letras hoje servem mais como humor involuntário, mas mesmo assim tem seu charme. O volume 1, com músicas como “Bom Senso”, “Imunização Racional”, entre outras, é mais soul, enquanto o segundo é mais funk e contém a clássica “O Caminho do Bem”. Um clássico deliciosamente cult, que foi proibido pelo nosso Tim após sua desilusão com a seita. Lembrem-se meus queridos, leiam o livro UNIVERSO EM DESENCANTO.

JORGE BEN – FORÇA BRUTA
Lançado em 1970, na esteira de outros álbuns maravilhosos, esse é meu disco predileto do mestre Ben, de uma época onde ele parecia não errar nunca. Foi neste álbum que o “Jorge Ben Trio” passou a se chamar oficialmente TRIO MOCOTÓ, e o resto é história. O Jorge Ben ainda é um artista sem precedentes na nossa música, sempre transcendendo movimentos. Tal é sua influência e importância, que praticamente não existe artista brasileiro que não lhe preste tributo. Da Jovem Guarda a Tropicália. É talvez a única unanimidade nacional. Como compositor, instrumentista e arranjador, Jorge Ben é único. Sua batida no violão é maravilhosa, inconfundível e inimitável. São poucas as bandas que conseguiam lhe acompanhar, e tanto isso é verdade que no começo de sua carreira, quando ainda tocava no Beco das Garrafas, ele era acompanhado por músicos de Jazz. Todos os discos de sua fase “Ben” são excepcionais, obrigatórios e maravilhosos. Do disco sobre o qual falamos, destaco a faixa título e a magnífica “Oba, Lá vem ela”.

THE CHARTS – CARBÔNICOS
Embora o IRA! tenha dado o pontapé inicial no “movimento” Mod nacional, a banda mais importante deste contexto é e sempre foi o Charts, capitaneada pelo poeta Flavio Telles e pelo fantástico baixista Sandro Garcia. O grande mestre Telles é um compositor incomparável e completamente subestimado. O disco Carbônicos, embora dificílimo de ser encontrado, é o clássico mor do Mod nacional e a obra prima do Charts, que lançaria ainda um outro disco, mais psicodélico chamado SP em Preto e Branco, relativamente fácil de ser encontrado e igualmente excelente. Sua mistura deliciosa de Jam com as bandas mods e de garagem da década de 60 pode ser sentida em músicas como a faixa título e a maravilhosa “Vamos dançar em outro lugar”. Clássico com todas as letras.

LABORATÓRIO SP – SOB O CÉU DE SP
Quando tudo parecia estar estagnado, eis que surgem da Zona Leste de SP os filhos legítimos do Charts, a fabulosa banda Laboratório SP, capitaneada pelo vocalista maluco Walter Chinaski e pelo grande guitarrista Jun Santos. Com shows absurdamente explosivos pela capital, não demorou muito para que se juntasse em volta da banda um séqüito de amigos e seguidores, entre o quais eu me incluía, diga-se de passagem. Com covers de Jam, clássicos do Soul e de garage sixtie, a banda contava ainda com o batera Gregor Izidro (que mais tarde seria substituído pelo talentoso Fábio Barbosa, batera da segunda formação do Charts) e com o baixista Almir que seria substituído pelo grande Ado Moraes (batera de outra grande banda, Os Migalhas). O primeiro disco dos caras, é um dos melhores dos últimos tempos, com músicas que já viraram clássicos, como a faixa título, a semi-balada porradeira Tempestade e a cinematográfica Imagens de Você. Atualmente, com a mudança do vocalista Walter Chinaski para cwb, a banda encontra-se em período de férias, preparando-se para voltar quebrando tudo, do jeito que os amigos sempre gostaram.

Bom pessoal, espero que quem se animar a ouvir qualquer dos discos da lista, goste.
Até a próxima!



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