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Clássicos de Prestígio

Por Gabriel Carneiro

Rebecca – A Mulher Inesquecível
Direção: Alfred Hitchcock
Rebecca, EUA, 1940.

Rebecca é um filme singular dentro da carreira do mestre do suspense. Hitchcock quando o fez já era um diretor de nome, porém visto ainda meramente como um criador menor. Seus grandes sucessos de crítica e que lhe trouxeram tantos louros ainda estavam por vir. Rebecca é talvez seu primeiro grande filme, não em qualidade, mas em repercussão. A película lhe rendeu a primeira das suas cinco indicações ao Oscar e findou a noite com o prêmio máximo, o Oscar de Melhor Filme. Nada demais, diria. Porém muito antes da Cahiers du Cinéma lhe atribuir o título de autor e de mestre do cinema – antes visto apenas como um realizador de sucesso comercial -, Hitchcock fora aprazido pela instituição-mor do cinema americano. O robusto homem entrava para o hall dos reconhecidos. E o que torna o filme tão singular é o diferente tratamento que ele dá ao mistério e à imagem.

Sua preocupação formal está muito mais ligada a um complemento da fábula, da história do que à sua unicidade, ao seu estilo. Há mistério em Rebecca, mas não passa de um caráter secundário, importante apenas para desenvoltura da trama, assim como os mistérios da vida. O suspense está no dia-a-dia daquelas duas vidas, em sues dramas e romances. Instiga-se um clima sobrenatural, afinal A mulher Inesquecível do título, a adorada Rebecca, é uma morta, alguém que perdeu sua vida tragicamente. Porém o que a torna tão importante é que tudo gira ao seu redor. O marido encontra outra mulher, pessoa que sofrerá a trama inteira por não ser refinada e amável como a predecessora. O mistério – ou seria solução? – de Rebecca é o que faz a protagonista viver nas sombras e às sombras. A segunda Sra. De Winter busca a tranqüilidade dentro daquela grandiloqüência, mas para isso, a primeira deve ser esquecida. Infelizmente, as pessoas, como um todo, crêem que para existir um, é impossível ou falho existir outro – afinal, para se gostar de Bergman não se pode gostar de Spielberg.

Dos que vi de Hitchcock, esse é o mais – e se não o único completamente – Clássico. Rebecca foi adaptado do livro de Daphne Du Maurier, e exala literatura. É um romance tipicamente prosaico, versado sobre passos simples de um gênero nascido com filmes como esse, O Morro dos Ventos Uivantes e E O Vento Levou. São filmes que surgiram em massa em meados da década de 30 e que reproduziam fielmente a obra original para as telas, buscando o relato de uma história de amor sofrida, visceral e impossível.

Woody Allen os chamaria de filmes-‘amor = sofrer pelo outro’ em Maridos e Esposas. E inegavelmente são belíssimos filmes, porque vendem a imagem Romântica de felicidade, e que para atingi-la você precisa batalhar por ela, ou seja, sofrer, e muito. Não há amor sem dor, e quanto maior a dor, maior a luta, o amor e a felicidade. E isso existe até hoje, quanto mais você sofre por alguém, mais verdadeiro esse sentimento é. Partimos então do pressuposto que ninguém gosta de sofrer, portanto sofrer por amor é um martírio. Só que sofrer por amor é elegante, é aceitável, pois te coloca a um passo mais perto da felicidade, do ‘valeu a pena’, quando tudo se concretiza. A diferença entre o cinema e a vida – ou nesse caso, entre a literatura, seja ela derivada do cinema ou não, e a vida – é que no cinema, especialmente no Clássico, o sofrimento é sempre verdadeiro, e na maioria das vezes vale a pena.

O trunfo do filme é a habilidade de Hitchcok em conduzir tal história de dor. Hicth sempre teve uma maior precisão com a imagem, um cuidado especial com a fotografia. Sua maneira de filmar é bem característica. Por isso o chamam de autor. Mas ele não é autor em Rebecca, e sim um artesão da melhor estirpe. Ele lapida a história com cuidado, molda o enfoque, e ao poucos vai construindo um tratado de fazer grande sem se expor. A derradeira conclusão de livro-filmado torna-se tão agradável quanto a ausência de algo que chame mais a atenção do que os acontecimentos por si próprios.

Pode não ser seu melhor, mas, Rebecca, por tudo isso, é seu filme menos arrogante.




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